Telas e bem-estar: o que realmente afeta a saúde emocional dos jovens
Psicóloga aponta que mediação afetiva dos adultos é ponto importante para o uso saudável de dispositivos na infância
Sofia Sebben é psicóloga, mestre e doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Desde 2019, dedica-se a investigar os impactos do uso de telas na infância, com foco na saúde mental e desenvolvimento, e nas relações familiares. Além da pesquisa, atua como psicóloga clínica, oferecendo psicoterapia para crianças, adolescentes e adultos, e como palestrante sobre uso consciente das telas em escolas e instituições.
O debate sobre o uso de telas por crianças e adolescentes tem se intensificado, impulsionado pelo vídeo do YouTuber Felca sobre a adultização infantil nas redes sociais, pela aprovação da Lei nº 15.100/2025, pela série Adolescência da Netflix e pelos trágicos ataques a escolas. Diante desses acontecimentos, é comum que a tecnologia seja apontada como responsável por problemas como déficit de atenção, agressividade, bullying e traumas emocionais. Crianças e adolescentes usam celulares, TVs e videogames para tudo: diversão, socialização e aprendizado. Por isso, profissionais da saúde, da educação, pais e políticos estão cada vez mais preocupados com os efeitos no bem-estar emocional dos jovens.
Mas será que as telas prejudicam o desenvolvimento e a saúde mental? Como lidar com quem parece “viciado”? Se a criança está desatenta ou agressiva, é por causa da rede social ou do videogame, certo?
Como psicóloga e pesquisadora, trabalhando diretamente com crianças, adolescentes e pais, noto que a discussão sobre o tema é frequentemente dominada por manchetes sensacionalistas e debates superficiais. Esses debates costumam culpar o tempo de tela por problemas emocionais e psicológicos, uma prática que não é nova. Como sociedade, estamos sempre procurando um “vilão” da história, seja a madrasta da Cinderela ou a ideia de que o ovo faz mal à saúde. Essa visão simplista transforma as telas em um “espantalho” fácil de atacar, impedindo-nos de ter uma conversa mais aprofundada, contextualizada e baseada em fatos.
Muitos estudos apontam os benefícios da tecnologia para o desenvolvimento e a saúde mental, e vários deles não conseguem comprovar os prejuízos de forma isolada. A verdade é que a tecnologia é parte fundamental da nossa sociedade e não vai desaparecer. Pelo contrário, com a chegada da inteligência artificial, ela só tende a crescer. Demonizar as telas, além de aumentar a angústia dos adultos, ignora a realidade das crianças e adolescentes em um mundo naturalmente tecnológico, limitando a capacidade deles de aprender a usar esses recursos de forma saudável.
O impacto das telas não é uma questão simples. Na verdade, as pesquisas mostram que ele depende de uma série de fatores: o contexto de uso, o tipo de conteúdo consumido, as características do jovem e o papel mediador dos adultos. O problema, portanto, não está na tecnologia em si, mas na complexa interação entre os aspectos emocionais do jovem, seu ambiente e a tela. É essa dinâmica que determina se a experiência será positiva ou negativa.
Por isso, proibir ou controlar excessivamente o uso não resolve a questão. Na maioria das vezes, essa atitude apenas aumenta o pânico e esconde problemas mais profundos, como a falta de regulação emocional, de afeto, de diálogo e de presença dos pais, professores e poder público.Muitas crianças e adolescentes relatam os benefícios dos jogos ou das redes sociais para a interação e conexão social. Mas o uso dos dispositivos para acalmar birras ou aliviar o tédio em crianças pode levar a uma maior dependência emocional, prejudicando o desenvolvimento da autorregulação.
Além disso, muitos jovens que se sentem sem acolhimento ou enfrentam uma realidade desafiadora acabam usando excessivamente redes sociais ou jogos como uma forma de lidar com a solidão, a ansiedade ou a depressão, o que, por sua vez, leva a um uso ainda maior.
O caminho para um uso saudável é o equilíbrio, a mediação dos adultos com afeto e limites. Não se trata de eliminar ou recriminar o uso das telas, mas de integrá-las de forma consciente ao desenvolvimento emocional.
A escola, como espaço de formação, tem um papel crucial nesse processo. É o lugar onde os alunos podem aprender a usar a tecnologia de forma segura e saudável, como uma ferramenta para criar, se expressar e se conectar. Para os educadores, é fundamental promover o letramento digital, que vai além de saber usar a tecnologia, englobando a compreensão de suas implicações éticas e impactos humanos. Gestores podem incentivar a formação continuada de suas equipes com cursos e palestras por especialistas, empoderando os profissionais para se sentirem mais seguros e confiantes ao lidar com a juventude nativa digital.
É preciso também criar rodas de conversa para ouvir os jovens, entender seus hábitos, acolher suas experiências e detectar alunos com possível sofrimento emocional ou uso exagerado. A análise do uso das telas pode ser integrada às disciplinas, com o uso de filmes ou exemplos reais para fortalecer o pensamento crítico. Por fim, o trabalho com projetos interdisciplinares, que unem tecnologia e cidadania digital, é uma excelente forma de integrar a aprendizagem à realidade dos alunos.
Crianças e adolescentes usam telas por muitos motivos: curiosidade, diversão, aprendizado, mas também para lidar com emoções difíceis como solidão, tristeza, insegurança e falta de conexão. Ao combinar o conhecimento científico com a sensibilidade de quem está diariamente com os alunos, as escolas podem construir pontes, guiando-os em direção a um futuro em que a tecnologia seja uma aliada, e não inimiga, do seu bem-estar emocional. O verdadeiro desafio não é desconectar os jovens, mas, sim, ensiná-los a se conectarem melhor, consigo mesmos e com o mundo on-line e off-line. A chave é a integração das telas, fortalecimento emocional dos jovens e o acolhimento dos adultos.
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