Atividade física torna-se aliada da saúde mental dos estudantes

Exercícios físicos podem ajudar a trabalhar a ansiedade, a frustração e incentivar a socialização

por: Ítalo Cosme | Especial
imagem: Freepik

A prática de exercícios físicos na escola nunca foi tão importante quanto neste retorno às aulas presenciais. Com impactos na saúde mental dos estudantes, por conta do isolamento social adotado na pandemia, a atividade física é uma das grandes aliadas para sanar o problema. Entretanto, o próprio aluno já não se movimenta mais como antes. 

Médico psiquiatra em São Paulo, Alexandre Valverde, comenta que todas as pessoas sofreram nos períodos mais críticos da pandemia, por conta do confinamento, da privação social e da dificuldade de mobilização. Por isso, a situação pode ter precipitado o surgimento de um quadro em que o indivíduo já tinha uma predisposição genética, e ter desencadeado uma situação de estresse psíquico que foge do controle da pessoa.  

“É preciso buscar ajuda. A gente não tem que minimizar nada porque a pandemia foi um evento que transtornou a vida de todo mundo. Não importa. Mesmo se a sua vida foi transformada a ponto de gerar uma síndrome, é uma doença que você tem de cuidar dela”, sugere Valverde, que também é mestre em filosofia moderna pela Universidade de Paris 1-Panthéon-Sorbonne. 

Uma pesquisa do Datafolha, encomendada pelo Itaú Social, Fundação Lemann e BID, indica que 34% dos estudantes estão com dificuldade de controlar emoções. 

Maurício Adamatti, coordenador de educação física do colégio Bom Jesus Sévigné, em Porto Alegre, diz que a prática de combinar exercício físico para desenvolver a saúde mental já era uma preocupação da instituição mesmo antes da crise sanitária por conta da Covid-19: 

“A pandemia acelerou o processo de ter que trabalhar de uma forma mais específica, para proporcionar e criar os exercícios voltados para essa temática, além da questão física.”

Segundo ele, a partir do retorno dos alunos às escolas e para outros segmentos esportivos, a percepção foi de que os estudantes chegaram mais ansiosos, com menos possibilidade de sociabilização e mais suscetíveis às frustrações que acontecem dentro dos exercícios e brincadeiras. 

“Então, o cenário atual é mais ou menos esse. São as crianças que não estão lidando muito bem com essas questões de frustração, de resiliência, de perseverança que o esporte proporciona e que a gente consegue trabalhar a partir delas.”

Para o educador, é preciso oportunizar espaços e possibilidades da prática, tanto orientada (como esportes, luta e dança) como também aquela em que o aluno pode criar e brincar do jeito que ele acha melhor naquele momento. “Que eles possam ter vivências fora dos colégios também. É preciso disponibilizar tempo para isso”, sugere. 

O coordenador de Educação Física do Grupo Educacional Bom Jesus, Everton Saad, relata que a ausência de movimentos acarretou defasagens acentuadas em crianças e adolescentes. Além de não desenvolver habilidades socioemocionais, muitos voltaram com sobrepeso. Para reeducá-los, tanto para socialização quanto para a prática de atividades, será uma caminhada de até três anos, prevê. 

“Nós seguimos um planejamento anual para práticas de exercícios, não apenas esportivos, de acordo com a faixa etária do aluno. E eles precisam justamente desse estímulo. Não apenas por parte da escola, como também a partir da família”, reforça. O professor recomenda, ainda, que se exercitem diariamente.

As diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendam de 150 a 300 minutos de atividade aeróbica moderada a vigorosa por semana para todos os adultos, incluindo quem vive com doenças crônicas ou incapacidade, e uma média de 60 minutos por dia para crianças e adolescentes.

Valverde elenca que a atividade física mantém uma ativação da circulação, oxigenação dos tecidos e da produção de endorfinas, o que gera uma melhora no estado de concentração, da ansiedade, do humor e da capacidade pragmática, principalmente quando realizada pela manhã. “Então, a pessoa consegue ficar mais assídua, mais organizada, ter mais energia para realizar as atividades dela.”

Renata Pires, psicopedagoga clínica, reforça a importância dos exercícios e diz que eles devem ser prioridade nas unidades educacionais. Há 25 anos trabalhando com educação em Fortaleza, a médica diz que muitas escolas se surpreendem quando ela pede para conversar com o educador responsável pelas atividades.

“Algumas habilidades, que parecem contraditórias, na verdade, podem ser somadas. Muitas vezes aquele estudante tem a necessidade de um gasto de energia maior para se organizar. Quanto mais energia ele gasta nos esportes acaba que melhor vai ser o comportamento dele em sala, melhor vai ser a concentração”, aponta Renata, que também é psicomotricista relacional. 

Outra luz que Renata joga sobre o assunto trata da subjetividade, do lugar de reconhecimento. Na escola, exemplifica a psicopedagoga, o aluno é avaliado por determinadas habilidades, como ficar concentrado, ficar quieto, ouvir, ficar em silêncio. Porém, à medida que não atende às habilidades, é entendido pelo grupo e, principalmente por ela mesma, como fracassado.

Resultado disso, defende a especialista, é que se essa criança se destaca nos esportes, muitas vezes, ela começa a acreditar nela mesma e começa a fazer links importantes de disciplina, superação, força de vontade e crença no potencial.

A psicopedagoga adverte que um mau rendimento escolar pode significar uma saúde mental prejudicada: “Seria um prejuízo maior do que um fracasso escolar.” 

Ela alerta que este último pode ser sintoma de um sofrimento maior, de uma doença psíquica ou de um período de dificuldade emocional mais grave. 

Ressalta, ainda, que avaliar o nível dessa dificuldade escolar é uma tarefa muito importante do psicopedagogo, do psicólogo e do neuropsicólogo. Mas, em primeira instância, acaba sendo um papel da família e da escola, porque os especialistas só são procurados caso percebam essa necessidade.

Na mesma linha segue Alexandre Valverde: “Qualquer alteração do comportamento em relação ao sono, ao humor, ao apetite, à sociabilização e à capacidade de realização de tarefas, sejam elas escolares ou de trabalho, que dure por mais de quinze dias seguidos, devem ser avaliadas por um profissional.” 

Renata Pires acredita que há atividade física melhor para cada perfil de estudante. Crê, por exemplo, que as crianças com desenvolvimento mais artístico e performático se darão melhor com balé. Outra mais competitiva, que trabalha melhor em equipe, de entrar em um esporte coletivo. “Há muitas formas de a gente trabalhar habilidades diversas. Eu acho interessante incentivarmos ao máximo essas formas”, aconselha. 

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