Desafios da convivência escolar no retorno às aulas presenciais

Especialistas orientam sobre as melhores atitudes a tomar na volta às aulas e alertam para o risco de patologização

por: Tatiana Py Dutra | tatianapydutra@padrinhoconteudo.com
imagem: Depositphotos

É praticamente um consenso no meio escolar: dois anos de pandemia modificaram bastante o comportamento dos estudantes. Em teoria, o bom aluno seria perfeitamente comportado, responsável e dedicado, mas cada indivíduo tem um perfil emocional único, e os educadores têm sido estimulados a aprender a lidar com essas diferenças. Mas como agir com aqueles cujo comportamento perturba ou inviabiliza a realização das aulas?

Conforme a psicóloga educacional Marienne Albuquerque, a escola e os professores devem esclarecer alunos e pais sobre as regras que querem ver respeitadas. O desconhecimento ou a falta de compreensão pode levar a desobediência, especialmente nos alunos menores, que ainda estão aprendendo sobre limites. No caso de alunos mais velhos, é comum que desafiem os limites estabelecidos.

“O ideal é que alunos da Educação Infantil e séries iniciais recebam muitas instruções de comportamento. Todos os dias e mais de uma vez por dia, se necessário. Já no caso de um aluno mais velho, precisamos entender se ele está errando de propósito e determinar se a atitude é tolerável. Por meio do diálogo, ele deve entender que sua atitude não é correta e porquê. Essa correção, de preferência, deve ser feita em particular, para que o estudante não se sinta exposto”.

Marienne Albuquerque, psicóloga educacional

A psicóloga adverte que a escola precisa dar segurança ao professor tanto para lidar com os conversadores do fundão quanto com os mais indisciplinados.

“A instituição precisa orientar o professor sobre as formas de agir para situações de conflito em sala de aula, de bullying, de mau comportamento. Infelizmente, ainda é muito comum  que o professor tome uma medida na sala de aula e seja contradito pela direção. Esse desacordo pode fazer com que a criança ou o jovem coloquem em dúvida a relação de autoridade”, diz a especialista.

Na Unidade Evolução da Academia Veranense de Assistência em Educação e Cultura (Avaec), de Veranópolis, o diálogo com o professor é o primeiro cuidado tomado. Conforme a necessidade, outros atores são chamados a se envolver.

“Toda a sala de aula vai ter alguém que sobressaia nesse aspecto. Conversa excessiva, leva na brincadeira as atividades, atrapalham a aula. Temos um diálogo muito aberto com os professores, que podem falar sobre os alunos que o preocupam. Nossa intenção é sempre primeiro tentar resolver dentro da escola, conversando com o aluno”, conta Solange Maria Binda, coordenadora pedagógica do 5º ao 9º anos do Ensino Fundamental da Avec Evolução.

Conforme a professora, essa intervenção se dá por meio de conversas particulares com a criança, que muitas vezes nem se dá conta de que seu comportamento perturba a turma. A ideia é acolher o estudante e propor o desafio da mudança de atitudes.

“Se o problema não diminuir, entramos em contato com as famílias para expor as situações que percebemos e, talvez, recomendar que busquem ajuda especializada, se for o caso”, conta Solange.

Contato com a família

Os casos mais graves de indisciplina exigirão que a escola se alie aos pais em busca de uma solução conjunta. Por serem momentos delicados, a recomendação é de que o diálogo seja ameno e propositivo. Os representantes devem escolher bem as palavras e evitar um tom acusatório.

“Essa reunião deve servir para uma investigação que possa responder qual a origem do problema do estudante, e encaminhar esforços por uma transformação”, diz a psicóloga.

Marienne sugere ainda que caso o mau comportamento gere uma advertência, a gestão pedagógica opte por medidas educativas e não punitivas. “Ele pode desempenhar alguma tarefa para a escola e o professor, na intenção de que compreenda o que fez e saia da situação mais maduro”, opina.

Risco de patologização

Desde o início do século 21, o Brasil observa um crescimento vertiginoso dos diagnósticos dos chamados transtornos de comportamento e aprendizagem, como dislexia, Transtorno de déficit de atenção (TDA) e Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH).

Segundo documento publicado pelo Conselho Federal de Psicologia, o metilfenidato – a conhecida Ritalina – administrado em crianças e adolescentes com TDAH vendeu 70 mil caixas em 2000. Em 2010, foram 2 milhões de caixas vendidas. O Brasil é o segundo maior consumidor dessa droga no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.

Por dados como esses, psicólogos e outros especialistas alertam para um processo de patologização da infância, o processo de considerar doença ou anomalia algo que não seja. Iniciativas como o Despatologiza – Movimento pela despatologização da vida, que nasceu na Universidade de Campinas e se espalhou pelo país, visam combater diagnósticos e intervenções exageradas.

“Dentro do contexto educacional a gente vem percebendo a patologização de alunos considerados problemáticos. É um movimento bem forte, que tem a ver com a cultura de medicalização de nossa  sociedade. Isso precisa ser evitado”, afirma a psicóloga clínica e escolar Carolina Freitas de Lima, integrante da Comissão de Educação do Conselho Regional de Psicologia (CRPRS).

O processo de patologização pode rotular como desviantes estudantes com algum problema de aprendizagem ou com problemas de comportamento que tenham origem no meio em que vivem. Violência familiar, luto recente, negligência são alguns fatores que podem promover mudanças de comportamento. Se equivocadamente enquadrados como TDAH, por exemplo, a medicação vai mascarar o problema real.

“Uma criança que demonstra agitação talvez não seja hiperativa, mas esteja respondendo a alguma situação de vida dela. Então, na escola, o primeiro passo é o professor observar o que a criança quer sinalizar com aquele comportamento. Depois, se foi verificado que é algo que vem se repetindo e está afetando sua educação, é momento de buscar motivos junto a família para tentar entender o contexto dessa criança. Assim fica mais fácil de saber se ela se comporta mal porque a família não dá limites ou se há dificuldade ou déficit”, orienta Carolina.

Por fim, a instituição pode conversar com a família sobre a busca de um profissional fora da escola para fazer uma avaliação mais correta e fechar um diagnóstico ou não.

Pós-pandemia

A coordenadora Solange acrescenta que não há casos recentes de indisciplina na escola, mas que a volta às aulas presenciais tem explicitado mudanças de comportamento nos discentes.

“Acredito que em função de todo o período em que estudaram on-line, eles ficaram mais desatentos e, até, menos responsáveis. Muitos não sabem mais organizar o uso do caderno, não sabem lidar com prazos. Um número crescente de alunos pensa que em tudo a escola tem ‘de dar um jeito’, desculpar. Estamos trabalhando com eles a questão da responsabilidade e do comprometimento para que eles se reabituem”, diz.

Coordenadora pedagógica das Séries Iniciais do Colégio Nossa Senhora da Glória, de Porto Alegre, Magali Cristina Krummenauer diagnosticou situações semelhantes. 

A gente percebe que eles estão com dificuldades com a rotina escolar. Vir à escola e ter hora para recreio, hora para o lanche. Essas rotinas se perderam nesses dois anos. Eles têm dificuldade em compreender os momentos diferentes. Em casa, a criança fazia lanche quando tinha fome”, conta, acrescentando que a equipe está trabalhando com a readaptação dos alunos.

Outro ponto de atenção no Colégio Nossa Senhora da Glória foi a ânsia dos estudantes em conversar. Essa necessidade foi profundamente respeitada na volta às aulas presenciais.

“Fizemos muitas rodas de conversa, mudamos a distribuição das classes nas salas, fizemos trabalhos em grupo. Eles precisavam socializar. Então, promovemos atividades lúdicas em que eles pudessem fazer essas trocas. Se percebemos os alunos inquietos demais, mudamos a atividade, vamos para o pátio, vamos trocando. Tomamos muito cuidado com isso”, afirma Magali.

A coordenadora afirma que nesses e em outros casos de conflitos ou comportamentos, a escola pode contar com os professores preparados e com o Serviço de Orientação Educacional na escola, para atuar junto com alunos e, se preciso, suas famílias para mitigar as dificuldades.

“Temos uma equipe boa, presente, grande, e muita parceria com as famílias. Trabalhamos com base da conversa, para que possamos entender do que cada um precisa e colaborar  com as soluções”, finaliza.

A psicóloga Carolina Freitas de Lima afirma que a pandemia impactou os estudantes de forma negativa, especialmente os adolescentes.
“Eles registram maior grau de ansiedade e depressão, especialmente em período pós pandêmico. Tem a questão da mudança hormonal, excesso de informação. Percebemos casos de mutilação e ideação suicida em jovens e até em crianças mais novas. Esse diagnóstico precisa ser feito”, afirma.

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