Empatia também se aprende na escola
Jovens demonstram dificuldade em se colocar no lugar do outro, mas atividades práticas podem ser um grande salto nessa construção
Com o uso das telas e o consequente distanciamento social provocado por elas, os jovens apresentam uma dificuldade cada vez maior em demonstrar alguns sentimentos que, muitas vezes, pensamos serem inerentes ao ser humano. A empatia é um deles. No entanto, essa capacidade pode ser, sim, ensinada no ambiente escolar – de preferência, em uma ação coordenada com a família.
A professora do curso de Psicologia da UniRitter Caroline Damazio explica que, no que se refere à constituição psíquica, a empatia é uma das qualidades a serem desenvolvidas com um pouco mais de intensidade a partir dos seis ou sete anos de idade. À luz da psicanálise, até esta idade a criança tem um comportamento mais narcísico, ou seja, pensa em seu prazer, sua satisfação individual.
“A partir dessa faixa etária, a criança começa a ser socializada, ouvir histórias que falam sobre o quanto é importante desenvolver o olhar para o sentimento do outro, os pais vão ter uma linguagem mais efetiva sobre a importância de dividir seus brinquedos, se comover com a tristeza dos irmãos, dos coleguinhas”, ilustra Caroline.
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Uma das questões do mundo atual é que, com o avanço dos dispositivos eletrônicos, essa fase tende a ser vivida de forma mais individualizada. A criança explorava o mundo social na escola, e continua a fazê-lo, mas depois ia para a rua, brincava com os vizinhos, tinha outras interações presenciais. Hoje, centraliza esse contato, na maioria das vezes, na mediação de aparelhos, que não têm o mesmo efeito.
Um estudo promovido na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) constatou que 42% dos adolescentes entrevistados apresentavam déficit de empatia, enquanto 31% tinham dificuldade no desenvolvimento de relações afetivas. Para Caroline, o uso intensivo das telas pode ser um disparador para essa realidade. “A criança não se volta tanto a brincadeiras que tenham outras crianças e vai se voltar para jogos que trazem uma manutenção do período narcísico, porque é uma satisfação, tem um objetivo, que é ‘eu vencer’. Não socializa a partir disso, via de regra”, observa.
A psicopedagoga Luiza Sudário é assessora pedagógica da disciplina de Empreendedorismo Criativo da Mind Makers – solução educacional da Somos Educação. Para desenvolver o tema, ela traz muito fortemente a questão da empatia, pois entender a situação do outro não apenas ajuda na visão de mundo e de sociedade, como pode ser fundamental para o sucesso em qualquer empreitada. “Ter esse olhar empático, atitudes empáticas, é se conectar consigo e com o outro, com o universo além da escola”, defende.
Além de também observar o uso das telas, Luiza vê a inibição como outro complicador. Isso acontece mais no universo dos meninos, como define, mas os estudantes em geral acabam reprimidos por medo do julgamento, de se comparar com o outro. “Esse olhar para o outro se congela porque não estou, de fato, com o outro. Muitas vezes, não é que os alunos não sejam empáticos, mas isso fica bloqueado pelo distanciamento da tela e por esse receio que eles apresentam”, comenta.
Um dos efeitos é reportado por outros educadores, quando dão feedback a Luiza sobre o andamento das atividades. A metodologia prevê que, depois das aulas, seja feito um momento intitulado “digestão”. Cada professor tem seu método, mas, basicamente, consiste em reunir a turma para ouvi-los sobre as questões abordadas nas atividades, de forma mais descontraída, como em uma roda, sentados no chão. Dali saem reflexões interessantes, visões diversas e debates importantes. Mas leva um tempo.
“Os professores relatam que no primeiro momento os alunos ficam mais calados, com medo do julgamento etc. Isso acontece nas três, quatro primeiras aulas. De repente, o professor começa a ter dificuldade de encerrar esse momento porque vai criando um hábito. Tem o clichê: gentileza gera gentileza. Com a empatia é a mesma coisa”, acredita Luiza.
Outro efeito da sociedade atual é percebido pela orientadora educacional do Colégio Ulbra Martinho Lutero, Grasiele Pinzon: o imediatismo. “Acontece qualquer situação, eles precisam resolver imediatamente. Coisas que, por vezes, demandam paciência, conversa, reflexões e escutas contínuas”, relata.
Nesse sentido, ela vê o papel da escola como fundamental porque tudo que acontece não apenas nas redes sociais, mas também fora das instituições, se refletem intramuros. “A gente não pode virar as costas, fingir que não sabe. A informação chega e precisamos trabalhar referente a esses temas”, sustenta. “A escola é o ambiente onde eles se encontram. Por mais que aconteça em uma rede que não temos o gerenciamento, precisamos lidar. Não trabalhamos como julgadores, mas sim construindo a melhor alternativa com eles”, continua Grasiele.
Reflexos dessa realidade
A falta de empatia tem nos levado a uma sociedade muito solitária, com baixa tolerância ao erro dos outros ou cada vez que suas expectativas não são realizadas na ação do outro. Caroline Damazio entende que, quando não se traz empatia como exercício inicial da infância, se está modelando seres humanos muito centrados na própria satisfação e que têm dificuldade para compreender que o sentimento do outro é importante.
“Já atuamos em uma lógica muito solitária hoje, enquanto sociedade, e não movimentar o olhar para a empatia é fomentar essa solidão que vai aparecer para as crianças logo mais. O mundo não vai corroborar, a frustração acaba sendo ainda maior quando a gente não se prepara nesse sentido”, alerta. Por isso, é importante constatar alguma dificuldade com antecedência.
Olhar para o assunto também ajuda a definir estratégias, enquanto sociedade, para que as crianças sejam melhor socializadas e desenvolvam empatia. O ideal é que o ser humano o faça até os 21 anos, quando a formação cerebral alcança seu ápice. Depois disso também se consegue, evidentemente, mas é interessante conseguir chegar antes.
Empatia na escola: dicas práticas
O desenvolvimento da empatia pode aparecer em toda e qualquer atividade escolar, já que o assunto é uma das competências que devem permear o projeto pedagógico – a fim de atender ao que prega a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Ainda assim, diversas atividades podem ser implementadas com essa finalidade específica, potencializando as ações.
Grasiele conta que, no Colégio Martinho Lutero, o projeto “Cultivando a Empatia” foi desenvolvido junto às turmas de quinto ano do Ensino Fundamental. A escolha não se deu por acaso: a transição entre a infância e a adolescência pode ser um momento crítico para eles.
Primeiro, ela passou pelas duas turmas fazendo um diagnóstico sobre o entendimento que os estudantes tinham sobre empatia. “A gente sabe a definição do dicionário, mas eu queria saber o nível de compreensão deles sobre o sentimento”, explica. Cada um deu sua explicação, todas foram para o quadro e, depois, conversaram sobre o tema.
Os encontros semanais subsequentes foram ainda mais práticos. No segundo, a orientadora apresentou uma história e os alunos, em grupos, construíram o fim da narrativa, orientados pela empatia. Na sequência, ela mostrou o final original para que eles comparassem, descobrindo se foram empáticos e em que medida.
Na semana seguinte, Grasiele mostrou placas com situações cotidianas e como se ter uma visão empática para resolvê-las. Eram coisas bem comuns, como uma pessoa cadeirante querendo atravessar a rua, no semáforo ou o recebimento de um colega atípico na sala de aula. O último encontro teve uma ação mais simbólica. Cada uma das duas turmas plantou flores perto das bandeiras da escola, que foram definidas como as flores da empatia. Toda semana, eles regam a empatia, cultivando o sentimento.
O quarto ano, por sua vez, passa pelo projeto “Trabalhando as Diferenças”. Eles assistem a um vídeo, intitulado “Cordas”, que fala sobre a relação de uma turma de crianças com um aluno especial. Na sequência, a orientação escolar, a equipe de atendimento especializado e a pastoral entram em cena para, em conjunto, falar sobre as diferenças e conscientizar os pequenos.
Luiza Sudário compartilha a dinâmica “Na Pele do Outro”, em que o professor desafia os estudantes a realizarem tarefas simples do cotidiano, mas experimentando alguma limitação sensorial. Pode ser uma cobertura nos olhos, para dificultar a visão durante qualquer atividade corriqueira, ou uma borrachinha, daquelas de dinheiro, enrolada no indicador para complicar o tato enquanto mexe no celular. Outro exemplo é colocar pesos nas pernas, ou prendê-las com fita adesiva, para que entendam como é difícil para pessoas com limitação de mobilidade enfrentar uma escada.
“A escola é um lugar de experimentação. Temos todo um ambiente para acolher, com orientador, professor, psicólogo, entre outros. E quando estou em casa? E quando estiver no mercado de trabalho? São hábitos que a gente cria e que o aluno leva para a vida, porque passa a ser uma coisa comum na atitude e no olhar dele”, conclui.
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