Espiritualidade na sala de aula: importância para a formação humana

Profissionais da educação trazem experiências de como abordar o tema com crianças e jovens

por: Bianca Zasso | Especial
imagem: AdobeStock

No livro Espiritualidade: um caminho de transformação, o professor e teólogo Leonardo Boff explica esse tema tão complexo como algo que está intrinsecamente ligado à vida, aos pequenos gestos do cotidiano. Acreditar que a espiritualidade é algo construído na nossa rotina, a partir de ações comuns, é uma das formas de trazer o assunto para um lugar especial como é a sala de aula. Para a vice-diretora do Colégio São José, da cidade de Itajaí, em Santa Catarina, Luciene Negrini, quando falamos de espiritualidade, não podemos pensar apenas no momento de oração, comum em algumas instituições, pois o tema transcende essa questão.

“Numa sala de aula, temos que perceber que há uma variedade de religiosidades. Temos alunos católicos, evangélicos, ateus. Eu, como professora, naquele momento de oração, preciso saber conduzir, dando oportunidade para que os alunos reflitam e tragam temas de seu interesse para o debate, que não precisam estar diretamente atrelados a alguma religião”, esclarece Luciene. 

“De fato, na Constituição de 1988, o ensino religioso dentro do ambiente escolar tem de ser tomado como parte integrante da formação básica do cidadão, principalmente, para assegurar, via formação adequada, o respeito à diversidade cultural religiosa e, por decorrência, o respeito aos direitos humanos”

Márcio Cenci, professor de filosofia

Uma música, uma notícia ou mesmo uma dúvida diante de uma situação familiar podem ser a porta de entrada para se falar de espiritualidade com crianças e adolescentes na escola. Luciene retoma Leonardo Boff, que classifica atividades como a arrumação da casa, uma conversa com os amigos ou ajudar alguém a atravessar a rua como formas de exercer a espiritualidade, independente da crença religiosa de quem as executa. 

“A espiritualidade está ligada ao cuidado consigo mesmo e com o outro. Ela se expressa nos aspectos práticos e concretos da nossa vida social e é isso que precisa ser reforçado entre os alunos”, conclui. 

Algumas instituições, visando tornar o tema da espiritualidade algo que circula por todas as disciplinas e pelo movimento diário da escola, buscam organizar momentos específicos para essas reflexões dentro da rotina dos alunos. Um caso interessante é o da Escola Medianeira, na cidade de Santa Maria, integrante da Rede Santa Paulina. De acordo com o coordenador da pastoral da escola, Renan Bieger da Silva, a abordagem da espiritualidade dentro da escola tem como norte as vivências de colaboradores, famílias e alunos para que se construa uma experiência de Escola em Pastoral, que está condicionada à ampla participação dos integrantes da comunidade escolar em atividades que exercitem a caridade.

“Temos uma ação muito interessante na nossa biblioteca que é a multa solidária, onde os educandos que atrasam o período previsto para a devolução dos livros são convidados a trazerem um item de higiene pessoal ou alimento não-perecível, que é destinado a instituições de apoio a moradores de rua”, conta Renan. 

Na Escola Medianeira, em Santa Maria, a abordagem da espiritualidade tem como norte as vivências de colaboradores, famílias e alunos. Créditos: Kristhel de Lima Cezar / Foto: Comunicação Escola Medianeira

Paralelo a essas atividades, há também uma preocupação com ações formativas junto aos professores para reforçar e internalizar junto a eles aquilo que caracteriza o exercício da espiritualidade da instituição, sempre priorizando o respeito à diversidade religiosa. Aliás, para Renan, respeito é uma palavra primordial para abordar o tema na escola. 

“O maior desafio é querer limitar o que a espiritualidade representa. Afinal, cada um de nós carrega uma espiritualidade, que é individual. Por isso a riqueza de colocar, de forma Pastoral, aquilo que é individual para formar uma grande e linda dança de comunhão das diferentes vertentes que cada um de nós bebe, tornando ainda mais rica a experiência pessoal e coletiva”, completa o coordenador. 

Pensar a espiritualidade

O termo espiritualidade causa grandes discussões, apesar de sua presença ser crescente dentro das instituições de ensino. Para o professor de filosofia Márcio Cenci, da Universidade Franciscana (UFN), que possui pesquisas na área do pensamento franciscano, este é um campo que apresenta desafios relevantes para a educação. 

“Por espiritualidade, normalmente nos referimos a conjunto de certos rituais, certas práticas que remetem a um campo de questões que, embora conectadas, estão para além do nosso cotidiano. Em outras palavras, nos deslocamos da experiência imanente, própria do nosso cotidiano, e projetamos para algo distinto, algo como uma transcendência, para podermos compreender nossa condição. De fato, em nossa condição humana, ao refletirmos sobre a finitude, o sofrimento, o mistério da vida, a complexidade das relações com outros, compreendemos a nossa limitação para alcançarmos respostas definitivas e satisfatórias”, reflete. 

O professor ainda destaca a importância da presença de temas que envolvem a espiritualidade dentro da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que caracteriza o Ensino Religioso como área específica e apresenta as modificações sofridas dentro desse cenário a partir da década de 1980, onde algumas transformações culturais e sociais acabaram impactando o modo como o assunto é abordado nas escolas. 

“De fato, na Constituição de 1988, o ensino religioso dentro do ambiente escolar tem de ser tomado como parte integrante da formação básica do cidadão, principalmente, para assegurar, via formação adequada, o respeito à diversidade cultural religiosa e, por decorrência, o respeito aos direitos humanos” complementa Márcio.

Trabalhar a espiritualidade dentro das escolas permite uma formação humana mais sólida para as gerações futuras. Créditos: Kristhel de Lima Cezar / Foto: Comunicação Escola Medianeira

Além disso, a BNCC sugere quatro objetivos para que se pense e aborde o ensino religioso, todos permeados pela temática da espiritualidade, como oferecer informações sobre diferentes manifestações religiosas, promover competências que promovam o diálogo com diferentes perspectivas de religião e proporcionar aos estudantes momentos de reflexão sobre o sentido de suas próprias vidas. Tais quesitos, na visão do professor Márcio, mostram a importância da abordagem da espiritualidade na formação das novas gerações para enfrentarem os desafios que o futuro apresenta. E complementa afirmando que o período da pandemia potencializou essa relevância. 

“Pensemos em uma sociedade dos excessos, em que parece emergir um narcisismo coletivo, medos e uma impaciência para com o outro. As práticas espirituais aparecem como formas de religar o sentido da existência individual com outra ordem de sentido. Poder oferecer uma mensagem que o sentido da existência não se reduz ao ‘eu’, seria de grande valia para a formação das próximas gerações” conclui. 

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