Faculdades adaptam currículo com foco no mercado de trabalho

Instituições de Ensino Superior têm substituído as disciplinas tradicionais por unidades curriculares, que aliam teoria e prática para formar alunos alinhados com o mundo do trabalho

por: Tatiana Py Dutra | Especial
imagem: Freepik

Cada vez mais o mundo do trabalho busca por profissionais com competências múltiplas. Se décadas atrás ter conhecimento de língua inglesa era um diferencial desejável, hoje ele é obrigatório para ser bem-sucedido em muitas carreiras. E não só isso. Soft skills – habilidades socioemocionais como capacidade de trabalhar em equipe, habilidade na solução de problemas etc –, ter uma visão global de mundo e realista da profissão são uma necessidade para quem quer um emprego. 

Para garantir que os estudantes do Ensino Superior desenvolvam essas competências, muitas instituições alteraram suas matrizes pedagógicas substituindo as tradicionais disciplinas ou “cadeiras” por unidades curriculares (UCs). Essa estrutura de cursos, cada vez mais popular no Brasil, visa promover a interdisciplinaridade e favorecer a aquisição de conhecimentos teóricos e práticos, com foco no mercado.

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“Se olhássemos para a formação de um aluno do curso de Psicologia, por exemplo, tradicionalmente veríamos currículos fragmentados. No primeiro semestre, ele estudava Ética Profissional; na metade do curso, Teoria da Psicanálise; e, mais para o final, quando se aproximava da prática, ia estudar Métodos de Intervenção a partir da Teoria Psicanalítica. Já a proposição de uma UC permite que ele estude desde o embasamento teórico, epistemológico, prático, também olhando para a ética profissional em currículo integrado. Cada UC tem carga horária de 160 horas, e é trazida por dois docentes que organizam, planejam, acompanham e avaliam em um mesmo semestre”, explica a gerente de desenvolvimento curricular da UniRitter, Ivonete Steinbach Garcia.

Conforme a professora, o primeiro grande diferencial desse modelo é propor a conexão teórico/prática desde o início da graduação – o que interfere na atuação dos professores, que precisam estar informados sobre o contexto atual da profissão e não apenas a teoria. Depois, porque o trabalho de extensão é fundamental: 10% da carga horária é reservada para atividades e projetos em prol da comunidade dentro do escopo de cada curso.  

A aproximação com a realidade do mercado de trabalho também se dá pelo ensino dual. Nessa modalidade, parcerias com empresas de referência em certas áreas do conhecimento permitem que os alunos coloquem em prática o conhecimento teórico.

“Ao estarem inseridos em ambientes práticos de trabalho, por meio de ensino dual, extensão ou estágio, o estudante aumenta suas possibilidades de networking e também estará em contato com pessoas que têm formação em outras áreas de conhecimento. E isso reproduz o contexto de trabalho atual. Nenhuma área do conhecimento hoje atua de forma isolada, é sempre um olhar multiprofissional”, comenta Ivonete.

Segundo a professora, na UniRitter – que adotou o modelo de UCs há dois anos –, as próprias unidades curriculares contribuem com esse olhar multiprofissional.

“As nossas matrizes contemplam UCs que são integradas com outras áreas do conhecimento. No currículo da Psicologia, por exemplo, há unidades curriculares em que os estudantes estão integrados com alunos da área do Direito. Há uma UC de trabalhos em grupo e solução de conflitos, com discussões mediadas por professores das duas áreas de maneira integrada. Temos uma UC sobre aspectos humanos e socioculturais, junto com alunos da área da Gestão, que trabalha processos de gestão estratégica de pessoas; ainda, a UC de Saúde Única, junto com alunos de outros cursos da área da saúde”, conta a gerente de desenvolvimento curricular.

Um outro aprendizado

O modelo adotado pela UniRitter não chega a ser uma novidade no universo educacional, tendo sido inspirado em experiências realizadas em instituições de renome, como Harvard, nos Estados Unidos, e Escola da Ponte, em Portugal. Em comum, o aporte teórico, que estimula a autonomia, o trabalho por projetos, o uso de metodologias ativas e o uso de tecnologias. A avaliação de desempenho também é diferenciada.

“Em cada plano de ensino, os professores elencam um conjunto de competências que serão trabalhadas no semestre e a partir daí que a aula se comprova. Assim, a avaliação formativa ocorre desde o início dos trabalhos, com momentos de parada para feedbacks. Não é só a devolutiva de uma nota, mas a construção de competências que será medida. E os alunos [que atingem os objetivos] recebem uma certificação intermediária a cada UC concluída. Isso tem sido muito reconhecido pelos estudantes, que desde o início do curso conseguem alimentar seu curriculum e, até, pleitear vagas no mercado de trabalho”, relata Ivonete.

A Ulbra iniciou sua adesão ao modelo em 2017, logo que o Ministério da Educação mudou o instrumento de avaliação das graduações. Conforme a pró-reitora Acadêmica da instituição, Adriana Ziemer Gallert, o processo levou toda a universidade a uma grande transformação.

“Não adianta mudarmos a nomenclatura e continuarmos com a mesma concepção pedagógica. Então, quando compreendemos as unidades curriculares dentro da proposta pedagógica, as compreendemos em uma perspectiva mais ampla, em que as abordagens temáticas abordadas pelos professores e o desenvolvimento de competências estão interligados por eixos de formação. E também por UCs mais dedicadas à prática, ao extensionismo e ao trabalho de pesquisa. Assim, o conceito de aprendizagem se constitui como algo mais importante e desafiador, na concepção de nossa universidade, do que simplesmente a organização da matriz curricular”, diz.

A professora Ivonete destaca ainda outro valor desse modelo de UCs: o desenvolvimento de uma aprendizagem significativa. “O estudante, ao organizar todo o nosso conteúdo – teoria, prática e conexão com o mercado de trabalho – tem a oportunidade de entender o significado do que ele está estudando desde o início de sua formação. Inclusive, costumamos dizer para nossos docentes: se o aluno perguntar ‘para que serve isso?’ é porque aquele conteúdo não faz sentido para ele. Mas quando ele consegue visualizar efetivamente como se aplica determinado conjunto de conhecimentos e práticas profissionais, a aprendizagem significativa acontece”, finaliza.

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