Fake news nas escolas: o combate à desinformação entre os jovens

A partir de dados do Pisa, que apontam problemas de distinção entre fato e opinião dos alunos brasileiros, muitas iniciativas podem ajudar professores a conscientizar os seus estudantes

por: Eduardo Wolff | eduardo@padrinhoconteudo.com
imagem: Depositphotos

No mundo, durante a pandemia, a população mais preocupada com a propagação de informações falsas e fake news (82%) é a brasileira. É o que indica a pesquisa da décima edição do Digital News Report, do Reuters Institute

Em contraponto, ainda existe muito a ser desenvolvido para essa conscientização, principalmente na formação de crianças e adolescentes. Em entrevista para Educação em Pauta, o diretor da área de Educação e Habilidades da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Andreas Schleicher, destacou que “os jovens entram no Google e encontram milhares de respostas para suas questões, e ninguém irá lhes dizer qual é correta, qual é incorreta.” 

Um dos criadores do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), Schleicher alertou que “a vasta maioria (67%) dos brasileiros de 15 anos de idade não consegue distinguir fato de opinião”. Ele prossegue: “É apenas a superfície. Acredito que a capacidade para navegar ambiguidade, gerenciar a complexidade, viver com pontos de vista conflitantes, não é sempre sobre o que é certo ou errado, mas sobre compreender diferentes argumentos, perspectivas”, enfatiza.

Conforme o relatório da OCDE, o índice no Brasil está acima da média registrada em estudantes de outros 79 países analisados pela organização, que é de 53%.

No final das contas, como solucionar esse problema na área da educação? Existem formas para melhorar esse cenário?

Criação do hábito de reflexão entre alunos

Em uma era de superabundância de informações para consumir e produzir conteúdo, muitas sem a mesma qualidade e cuidado de apuração, é urgente que os jovens desenvolvam uma habilidade para entender os diferentes tipos de conteúdos. É o que acredita a coordenadora pedagógica do programa EducaMídia do Instituto Palavra Aberta, Daniela Machado. 

“O próprio conceito de alfabetização deve ser ampliado. É preciso estabelecer uma relação mais responsável quanto ao conteúdo recebido. A desinformação precisa ser encarada, perceber se a notícia é um ato, uma opinião, uma propaganda. Além de uma mera leitura, a reflexão precisa ser exercitada”, reflete Daniela.

A coordenadora pedagógica propõe que todos os professores de uma escola abracem essa causa, independente de qual seja a matéria lecionada. “Em História e Geografia, por exemplo, ao ler dados de mapa ou infográfico, é importante que os alunos desenvolvam a habilidade de ter mais atenção. Até na Matemática, por meio de um gráfico ou tabela, a própria mudança de escala pode ter um entendimento de diferentes formas. Não é preciso criar um exército de checagem de informação, esse serviço os jornalistas já fazem. Os jovens precisam se relacionar com as informações não só de forma passiva, mas sim com uma postura interrogativa. Fazer perguntas como: De onde veio isso? Quem criou esse material?”, frisa.

Para difundir esse tema e fornecer suporte e ferramentas para crianças e adolescentes do país, o EducaMídia elaborou o Guia da Educação Midiática. Disponível para baixar gratuitamente, o livro digital propõe refletir sobre a importância e a urgência de prepará-los para uma relação construtiva com as mídias.

Aguçar o senso crítico dos estudantes

A consultora Educacional na Fundação Carlos Alberto Vanzolini (USP), Eliane Yambanis, destaca que as fakes news não são um acontecimento restrito aos dias atuais, porém o fator novo é a sua disseminação maciça via as redes sociais. “É importante discutir como as notícias falsas são construídas. Esse tipo de conteúdo nunca é elaborado com temas estapafúrdios, mas sim por meio de dados da realidade e com relevância e, a partir daí, é distorcido. No Ensino Médio é necessário aguçar o senso crítico dos alunos, desconfiar dos objetos para discussão. A sociedade é um território de conflitos, com diferentes posições analisadas”, pontua. 

Há mais de 40 anos atuando como professora de História (com ênfase na do Brasil), sendo 29 no Colégio Equipe, em São Paulo, Eliane informa que a preocupação em suas aulas no Ensino Médio é na perspectiva crítica, algo que precisa ser uma prioridade curricular de forma progressiva. 

“Na História, não existe apenas uma verdade, mas diversas narrativas que dependem de uma posição política ou religiosa, por exemplo. É embasar diferentes versões históricas. Costumo realizar o desenvolvimento da capacidade argumentativa do aluno, que possa fundamentar aquilo está se posicionamento. O estudante precisa ter uma posição própria e que possa argumentar a respeito. Na primeira série do Ensino Médio realizei uma atividade de um gênero jornalístico, o artigo de opinião. O jovem parte de um problema de relevância social ou cultural e se fundamenta por meio de um trabalho de campo e/ou uma consulta bibliográfica. Eles precisam construir um texto como se fossem publicar no jornal e se posicionar e sustentar a partir desses dados coletados em campo”, relata.

Formação de professores e comunicação para jovens

Para a pesquisadora fact-checking e professora de Jornalismo da Unisinos, Taís Seibt, o essencial para os alunos é saber quem está por trás da informação e quais os objetivos da mensagem, essas são perguntas-chave. “O passo seguinte é reconhecer se o conteúdo está baseado em fatos ou opiniões, se os dados podem ser comprovados ou se têm informações equivocadas, desatualizadas, fora de contexto ou outros tipos de manipulação”, complementa.

Para promover a formação sobre letramento midiático entre docentes do ensino básico do Rio Grande do Sul, Taís está engajada no Desafio Nuvem de Educação Midiática, uma ação do Núcleo Universitário de Educação para as Mídias (Nuvem) da Unisinos, que conta com apoio da Embaixada e Consulados dos Estados Unidos no Brasil, por meio do Consulado-Geral norte-americano em Porto Alegre. 

“Pensamos em dar mais instrumentos e referências aos professores, mas que fosse capaz também de reconhecer o que eles já estão fazendo nas salas de aula. Dessa forma, os docentes inscritos poderão participar gratuitamente de duas oficinas com especialistas do Brasil e dos EUA e depois submeter um projeto, que pode estar em andamento ou não, para concorrer à publicação em um e-book, servindo de referência a outros professores”, explica. 

Já o site Postar ou não foi pensado para os jovens. O portal reúne os principais conceitos que envolvem a desinformação nas mídias digitais, com exemplos concretos e dicas de verificação. A professora – uma das criadoras dessa iniciativa – destaca que a linguagem visual busca seguir a lógica das redes sociais, com muito apelo para chamar atenção, principalmente, de adolescentes. “Por ter sido produzido com apoio do Goethe-Institut Porto Alegre, há também relações entre os efeitos da desinformação no Brasil e na Alemanha, como curiosidade. Isso também é relevante para enfatizar que este é um problema global, mas cada local tem suas particularidades”, comenta.

Neste portal é possível acessar um e-book, que traz uma sugestão de atividade para ser usada em sala de aula ou em oficinas com adolescentes para estimular a leitura crítica das mídias digitais. Uma versão impressa deste material foi distribuída para bibliotecas públicas de todo o país, do interior do Rio Grande do Sul até a região amazônica.

Este conteúdo para entender e combater a desinformação também serviu para produzir um podcast, disponível no Spotify. Os episódios abordam temas como: “A internet não inventou o boato”, “Não é questão de opinião”, “Pense antes de postar”, entre outros.

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