Mudanças climáticas: como abordar o tema em sala de aula?
Explicar como funciona e buscar alternativas de mudança junto aos alunos são pontos de maior importância, afirmam os especialistas
Temperaturas que passam dos 40°C em plena primavera, ventos e chuvas fortes, alagamentos, geleiras derretendo. Não é preciso ser meteorologista para perceber que algo está diferente no clima mundial. Em 2023, a Organização Mundial Meteorológica (OMM) afirmou que as temperaturas globais devem bater taxas recordes nos próximos cinco anos por causa dos gases que causam o efeito estufa e do fenômeno conhecido como El Niño. Tais mudanças climáticas têm impacto na vida de estudantes e professores, chegando inclusive a impossibilitar a realização de algumas atividades nas escolas.
Trazer a discussão dos problemas ambientais que causam o aquecimento global e, como consequência, as mudanças no clima do planeta, pode ser uma forma de engajar os alunos para colaborarem com o meio-ambiente e garantirem que as próximas décadas não sejam tão assustadoras quando se olha para o céu ou para o termômetro.
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Para o professor e palestrante especialista em Sustentabilidade e Gestão Saulo Chielle, a sala de aula pode ser um espaço importante para se trabalhar temas como os ciclos biogeoquímicos, que consistem em processos que ocorrem na natureza e garantem a reciclagem dos elementos químicos no meio ambiente, como o ciclo da água e o ciclo do carbono, um dos pontos centrais para entender as questões climáticas. “O carbono está em tudo. Tudo que é orgânico, que é vivo, que se movimenta, que morre e se decompõe é carbono. A intensificação do efeito estufa, que é natural e faz a temperatura do nosso planeta ser habitável, causada pela presença maior de carbono, é o que vai causar as mudanças climáticas “, explica.
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Por se tratar de algo que envolve diversos fatores, as mudanças climáticas causam divergências de opiniões, inclusive entre cientistas que pesquisam o tema. Saulo alerta que a grande quantidade de informações sobre o tema, nem todas com embasamento científico, deve ser avaliada pelos professores que pretendem trabalhar o tema em sala de aula e orienta dois caminhos interessantes para trazer o tema para perto dos estudantes: entender do que tratam as mudanças climáticas e buscar soluções.
“Você pode criar a discussão filosófica do tema, já que as mudanças climáticas vão mudar um comportamento de 30 anos das ações meteorológicas. Ou seja, vamos perder referências. E isso vai interferir na produção de alimentos, na vida da população ribeirinha, na questão das cheias. Teremos que nos preparar melhor para essas situações. A palavra principal nesse universo é adaptação”, avalia.
Usar o tema das mudanças climáticas de maneira transversal e apresentar ideias para transformar o panorama em diferentes situações envolve disciplinas como Química e Matemática, e as propostas podem ser observadas pelos alunos não apenas na teoria, mas no cotidiano. Novas fontes de energia e inovação são alguns dos assuntos que podem servir de guia para abordar as transformações no clima e, mais que alertar sobre o futuro do planeta, colocar os estudantes para pensarem em novas possibilidades de locomoção e consumo, por exemplo.
“A partir do tema mudanças climáticas, a sugestão é apresentar projetos ou objetos de estudo com propostas de soluções para a transição energética de baixo carbono”, orienta Saulo.
Pinguins e inclusão
Na região metropolitana de Porto Alegre, um projeto nesta linha trouxe não apenas soluções para o novo mundo que se anuncia, mas também trabalhou a inclusão. A turma de 5º ano do Colégio Marista Pio XII, em Novo Hamburgo, encontrou na paixão por pinguins de um aluno a ideia do projeto “Mudanças climáticas: como os pinguins vão sobreviver”, desenvolvido em 2022 e 2023.
“Tínhamos um estudante com autismo na turma, extremamente inteligente, que apresentava muita dificuldade de relacionamento e socialização. Ele levava um pinguim de pelúcia para a sala de aula e só interagia com ele. Então, utilizamos ele como ferramenta para chegar até ele. Estávamos no período de escolher o tema que seria trabalhado na nossa feira de iniciação científica. Foi quando esse aluno falou que queria saber porque os pinguins estavam morrendo na Antártida. E a turma acolheu a proposta de uma forma muito contagiante”, lembra a professora responsável pelo projeto, Janaína Sampaio.
Foi o pontapé para os alunos pesquisarem sobre mudanças climáticas e suas consequências não apenas para os pinguins, mas para toda a população mundial. Além de buscarem conhecimento em livros e na internet, os alunos contaram com ajudas muito especiais. “Surgiram muitas contribuições das famílias. Uma mãe conhecia a pesquisadora Juliana Vianna, da Pontifícia Universidade Católica do Chile, que possui um estudo muito bacana envolvendo os pinguins. Realizamos uma videoconferência com ela e os alunos fizeram inúmeras perguntas. Foi uma troca muito importante para eles”, conta Janaína.
O que se seguiu foram experimentos, mais pesquisa e muita interação entre os alunos, especialmente do responsável pela escolha do tema do projeto. A proposta também foi apresentada na Mostra Internacional de Ciência e Tecnologia, que ocorre anualmente na Fenac e reúne projetos de escolas de toda a América do Sul. Mais que aprender e dividir com os colegas o conhecimento sobre os pinguins e como as mudanças climáticas transformaram o ambiente desses animais, os estudantes tiveram a oportunidade de criar uma relação com o colega autista.
“Quando apresentamos o projeto em uma feira da cidade, uma equipe da Marinha estava presente e se interessou pela nossa proposta. Eles vieram até a nossa escola para uma palestra e propuseram trocar cartas com um grupo de militares que iria atuar na Operação Antártica, projeto que apoia a presença e as pesquisas brasileiras no âmbito do Programa Antártico Brasileiro (Proantar)”, explica Janaína, que acredita que essa iniciativa trouxe resultados muito significativos e que vão além dos cuidados com o clima do planeta.
A boa experiência do Colégio Pio XII deve se repetir em outras instituições, já que vivenciamos questões climáticas com intensidade em nosso Estado e país e, segundo os especialistas, isso deve se agravar nos próximos anos, o que, segundo Saulo, não deve ser motivo para pânico, mas para transformação.
“O mundo não vai acabar, o mundo vai se adaptar. Uma visão mais ampla sendo trabalhada na educação, sobre a necessidade do cuidado sobre o meio, que faz parte da vida de todos, que proponha soluções para essa transição de produtos e serviços com produção energética de baixo carbono é um dos caminhos para lidarmos com as questões climáticas”, finaliza.
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