Novas habilidades: será que as crianças estão mais inteligentes?

Especialistas analisam o perfil dessa nova geração e trazem sugestões para estimular a aprendizagem e desenvolver múltiplas competências entre os pequenos

por: Bianca Zasso | bianca@padrinhoconteudo.com
imagem: Freepik

Seja no almoço de domingo ou no playground do condomínio, lá estão as crianças questionando os adultos com comentários insólitos ou alguma atitude surpreendente para um cidadão tão pequeno. Se a cena lhe parece familiar, saiba que você não está sozinho. A sensação de que esta geração que está chegando é mais inteligente que as anteriores já é parte do cotidiano de famílias, escolas e até da ciência. E não é de hoje. Data de 2012 um estudo publicado por três pesquisadores norte-americanos da Universidade Duke, na Carolina do Norte, que mostrava um aumento de 0,3 pontos por ano no Quociente de Inteligência (QI) de estudantes de Ensino Médio acompanhados pelos pesquisadores. Os motivos, embora não estivessem completamente definidos, eram ligados aos estímulos educacionais. 

No entanto, afirmar que as crianças estão mais inteligentes é algo controverso. Para a professora do Programa de Pós-graduação em Psicolinguística da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e pesquisadora no Instituto do Cérebro (InsCer), Aline Fay de Azevedo, há diferentes definições de inteligência. Uma delas, apresentada pela psicóloga americana Linda Gottfredson, afirma que inteligência é a capacidade de raciocinar, planejar, pensar de maneira abstrata, compreender ideias complexas, aprender rapidamente e aprender a partir da experiência. A partir dessa definição, a pesquisadora afirma que, para a ciência, dois fatores se destacam para essa percepção popular de que as crianças estão mais inteligentes: o acesso à informação e a evolução do ensino.

“As crianças de hoje têm acesso a uma quantidade sem precedentes de informações graças à internet. Isso pode ajudá-las a adquirir conhecimentos mais rapidamente e a explorar uma gama mais ampla de tópicos. No entanto, a inteligência não se limita apenas ao conhecimento, mas também inclui a capacidade de compreender e aplicar esse conhecimento. As metodologias de ensino evoluíram ao longo dos anos, incorporando melhores práticas e abordagens mais eficazes. Isso pode proporcionar às crianças de hoje um ambiente de aprendizado mais estimulante e envolvente. Portanto, afirmar categoricamente que as crianças de hoje são ‘mais inteligentes’ do que as de décadas passadas seria difícil devido às variáveis envolvidas. Em vez disso, acredito ser mais prudente reconhecer que as crianças de diferentes gerações têm acesso a diferentes recursos e oportunidades, o que pode afetar seu desenvolvimento de maneiras diversas”, explica Aline. 

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O desenvolvimento de novas habilidades e competências pelos pequenos é um reflexo do ambiente tecnológico em que as crianças estão imersas desde muito pequenas. O acesso a dispositivos eletrônicos, para Aline, torna os pequenos mais proficientes em lidar com computadores, smartphones, tablets e outras ferramentas digitais, o que pode abrir portas para novas formas de aprendizado e de comunicação.

“As crianças têm a capacidade de buscar informações em tempo real. Elas também parecem ser capazes de processar grandes volumes de dados de maneira mais eficaz do que em gerações passadas. Além disso, as crianças estão aprendendo a se comunicar e colaborar em ambientes virtuais, o que é uma habilidade valiosa em um mundo globalizado e altamente conectado”.

Uma escola que acolha novos perfis

Apesar de também apresentar um percentual genético, descobertas recentes mostram que a inteligência também tem forte ligação com o meio no qual a criança está inserida. Uma pesquisa conduzida por psicólogos da Rutgers University, em Nova Jérsei, afirma que a inteligência herdada dos pais pode aumentar (ou diminuir) conforme a atenção e os estímulos recebidos pela criança, sobretudo na primeira infância. Como parte desses estímulos acontecem no ambiente escolar, local onde as crianças passam boa parte dos seus dias, a transformação para acolher melhor as crianças da geração que já nasceu com a tecnologia em mãos deve ser um processo equilibrado. Para a pedagoga, especialista em Problemas no Desenvolvimento Infantil e professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Maria Carmem Barbosa, a cultura na qual as crianças estão imersas pode ou não oferecer possibilidades de desenvolvimento cognitivo e social. 

“A função da escola neste momento é se adaptar a essas novas alternativas de comunicação que as crianças têm, aos seus novos modos de pensar e agir. Por outro lado, algumas questões de aprendizagem que a escola considera importante devem ser sustentadas. Oferecer para as crianças a oportunidade de desenvolver outras habilidades, como manter a atenção e aprender a escutar os outros, é algo que deve ser trabalhado lado a lado com novas ferramentas sociais que possibilitam o conhecimento”, explica. 

Também cabe à escola, na visão de Maria Carmem, fazer propostas que sejam mais próximas as aptidões intelectuais do mundo contemporâneo, como oferecer uma curadoria de desenhos animados que foge do que é ofertado por grandes produtoras. 

“Seria importante oferecer esses produtos para as crianças desenvolverem melhor suas aptidões intelectuais e também relacionais. Nós vivemos em uma sociedade de consumo, de pressa, de desatenção e a escola pode se contrapor a isso”, sugere a pedagoga. 

Essa preocupação com o conteúdo consumido pelas crianças é algo que pode ser dividido com a família. Afinal, vivemos em uma sociedade em que os pais têm cada vez menos tempo ao lado dos filhos. Mas, segundo Maria Carmem, tão importante quanto a duração dos encontros das famílias é a qualidade das interações. Ter disponibilidade para estar com as crianças, seja para fazer coisas simples como preparar um bolo ou ir ao cinema, ajudam a construir hábitos e desejos, pontos importantes para o desenvolvimento infantil. E isso também se reflete na vida escolar. 

“É preciso ajudar as crianças a fazerem perguntas, a aprenderem a estar nos lugares e a serem curiosas. É importante não matar a curiosidade das crianças, nem com poucas respostas ou respostas muito extensas, mas sempre estimulá-las a pensarem um pouco mais, a experimentarem outras coisas, a diversificarem seus gostos e ampliarem seus mundos. Uma escola que se preocupa com o acolher e em reconhecer a singularidade de cada criança, certamente vai ser capaz de oferecer possibilidade de melhor desenvolvimento cognitivo para seus alunos. A criança que é curiosa e encontra adultos que sustentem essa relação de descoberta do conhecimento, certamente vai ter uma atitude investigativa e reflexiva frente ao mundo e até a si mesmo”, avalia. 

Ideia semelhante é trazida pela psicóloga especialista em neuroeducação, comportamento e cognição Roberta Vasconcellos. Para ela, pais atentos contribuem não apenas para o despertar intelectual dos pequenos, mas garantem uma base emocional que é indispensável para o desenvolvimento infantil, trazendo segurança.

“Criança segura aprende mais. Inclusive a respeito de si mesma. Saber que tem um porto seguro é essencial. Uma criança precisa de pais amorosos, atentos e se sentir reconhecida e respeitada. A inteligência emocional proporciona mais oportunidades de aprendizado. Crianças mais amadas e acolhidas são crianças que podem ter uma liberdade no processo de aprendizagem, pois se sentem felizes para aprender”, informa.

Roberta também dá destaque para que exista um equilíbrio na tríade pais-cuidadores-escola para garantir que os estímulos sejam realizados da melhor forma, de acordo com a idade e a curiosidade da criança. Adaptar-se à realidade e aos interesses do aluno contribui, inclusive, nas situações de dificuldade com algum conteúdo escolar. 

“Sempre indicamos que a área de interesse da criança seja inserida na disciplina na qual ela apresenta dificuldade. Por exemplo, se há problemas com a matemática, mas tem facilidade com informações sobre países, podemos utilizar dados como calcular o número da população. A forma correta de estimular uma criança faz com que os níveis de inteligência dela aumentem”, conclui a psicóloga. 

Dicas para pais e filhos (e professores) se divertirem e aprenderem juntos:

Tiquequê

Com um canal no YouTube que contam com mais de 300 mil inscritos, a dupla formada por Diana Tatit e Wen produz canções divertidas e que traduzem o universo infantil com inteligência. Vale maratonar os clipes e também seguir os músicos no Instagram, onde o perfil apresenta dicas de brincadeiras e outras atividades para serem realizadas em família ou com os colegas de escola. 

Divertida Mente

O longa-metragem de animação produzido pela Pixar foi lançado em 2015, mas é sempre uma ótima escolha para uma sessão de cinema em família. A trama acompanha Riley, de 11 anos, durante sua mudança para uma nova cidade. O acontecimento deixa suas emoções fora de controle e o público acompanha o que acontece em seu cérebro diante de tantas novidades. Disponível na plataforma Disney+

Coleção Filosofinhos

Crianças podem gostar de filosofia? Lançada pela editora gaúcha Tomo Editorial,  a coleção de livros Filosofinhos apresenta edições bilíngues  e ilustradas, apresentando histórias sobre a vida e o pensamento de filósofos importantes como Aristóteles, Franz Fanon e Simone de Beauvoir. 

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