Ágeis, ansiosos e abertos: um perfil do estudante de hoje

Especialistas elencam características comuns aos alunos da era hiperconectada

por: Tatiana Py Dutra | Especial
imagem: Freepik

Se você tem mais de 30 anos, muito provavelmente já correu a “maratona” de copiar toda a lição do quadro negro antes que o professor usasse o apagador. Está aí uma experiência que boa parte dos estudantes dos dias de hoje não precisa se preocupar. Antes que o apagador faça seu papel, um clique da câmera do celular eterniza o conteúdo em forma de imagem. E esse é apenas um exemplo prosaico do abismo que existe entre os alunos de hoje e os de 30, 40 anos atrás.

“Ele pega o celular e tem um conjunto de informações, não necessariamente conhecimento, que vão gerando dopamina nele [como games, vídeos e redes sociais]. E ele está ali focado nessa tela, conectado o tempo todo, sendo, muitas vezes, protagonista nas redes sociais, produtor de conteúdo”

Andréia Mello Lacé – professora do Departamento de Política e Gestão da Educação da Universidade de Brasília (UnB)

Pudera. A geração Z, nascida entre 1995 e 2010, já veio conectada e seus anseios e comportamentos são bastante pautados pelo mundo virtual. Mas isso, a gente já sabe. Às vésperas do Dia do Estudante, celebrado em 11 de agosto, conversamos com a psicóloga escolar Laura Sacchi Baptista, do Colégio Franciscano Santíssima Trindade, de Cruz Alta; e com a professora Andréia Mello Lacé, do Departamento de Política e Gestão da Educação da Universidade de Brasília (UnB) sobre o perfil e como pensam os estudantes que hoje estão nas salas de aula.

Andréia propôs um recorte médio de raça, classe e gênero – branco, classe média, masculino – para dar base à conversa. Segundo ela, esse é o perfil clássico de um jovem com acesso a tecnologias, informação e muito acostumado com “dopamina digital” – um neurotransmissor relacionado ao bem-estar e à recompensa.

“Ele pega o celular e tem um conjunto de informações, não necessariamente conhecimento, que vão gerando dopamina nele [como games, vídeos e redes sociais]. E ele está ali focado nessa tela, conectado o tempo todo, sendo, muitas vezes, protagonista nas redes sociais, produtor de conteúdo”, exemplifica a professora.

Mais ansiosos

Há pontos positivos e negativos neste perfil, diz Andreia. Ela observa que o excesso de telas associada com uma reduzida interação social presencial são ingredientes que contribuem para formar uma geração que está mais adoecida mentalmente. 

“A minha geração brincava na rua, não tinha acesso à internet. Tínhamos uma interação social real, presencial, física, mais intensa. Essa geração que está muito mais focada na rede, na dopamina, tem menos. E percebemos uma incidência maior de ansiedade, depressão, e esses dados não estão sendo divulgados como deveriam”, opina.

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Uma pesquisa realizada pelo Datafolha em julho do ano passado entrevistou 1.308 responsáveis e 1.869 alunos de escolas de todo o país. Segundo o estudo, na visão dos pais, cerca de 34% dos estudantes estão tendo dificuldades para controlar as suas emoções, 24% se sentem sobrecarregados e 18% estão tristes ou deprimidos. No ponto de vista dos estudantes, a necessidade de apoio psicológico é a principal questão relatada (40%), seguido por dificuldade para controlar emoções como raiva ou frustração (38%), despreparo para atividades escolares (34%) e dificuldade para manter a rotina de estudos.

“Penso que é uma geração mais aberta para a diversidade, tem uma postura mais antirracista, estão prontos a lutar para ser quem eles são. Isso é uma grande lição para nossa geração. Como essa geração acha que pode ser influencer digital, construir conteúdo na internet, ela tem mais possibilidades de empreender, tem mais informações para questionar os pais e é mais propensa à mudança. Eles são mais inquietos e tendem a ser mais inovadores”

Andréia Mello Lacé – professora do Departamento de Política e Gestão da Educação da Universidade de Brasília (UnB)

Para Laura Sacchi Baptista o acesso a uma grande variedade de informações pode ser fator de angústia para parte dos adolescentes e jovens.

“O excesso de opções não ajuda muito nos processos de escolha. Mesmo com informação, eles têm as mesmas angústias no decidir. Hoje, o mercado oferece mais de 200 carreiras e eles nem as conhecem. Entrar nesse mundo em uma outra posição que não a infantil gera angústia e exige que banquem uma decisão”, diz a psicóloga.

Mais abertos

Já um dos pontos positivos desse perfil de jovem hiperconectado é enxergar o mundo como uma aldeia interligada, distante apenas alguns toques na tela do celular. Isso desperta curiosidade sobre o viver do outro, sentimentos pró-coletividade e necessidade de deixar uma marca no mundo.

“Penso que é uma geração mais aberta para a diversidade, tem uma postura mais antirracista, estão prontos a lutar para ser quem eles são. Isso é uma grande lição para nossa geração. Como essa geração acha que pode ser influencer digital, construir conteúdo na internet, ela tem mais possibilidades de empreender, tem mais informações para questionar os pais e é mais propensa à mudança. Eles são mais inquietos e tendem a ser mais inovadores”, enumera Andréia.

“Em sala de aula, são bastante debatedores, críticos. Dentro das disciplinas de redação, filosofia e história, trazem muitas questões sociais para debate. Tudo o que é muito polêmico chega à sala de aula. Vemos alunos com posições bem firmes, mas que estão aprendendo a aceitar a opinião do outro. Na adolescência, eles tiram um pouco a roupagem das ideias familiares para adotar as suas próprias”, acrescenta Laura. 

Escola como espaço de fala

Dentro da sociedade de instantaneidade em que vivemos, os jovens também querem retorno para já. Esse desejo, evidentemente, abrange a escola. Assim, segundo as especialistas, é fundamental que as instituições adotem metodologias que contemplem a curiosidade e a inquietação da geração Z, com docentes empenhados, flexíveis e com habilidades interpessoais e de comunicação capazes de promover relacionamentos significativos.

“Olho para algumas escolas e me parece que, diante dessa juventude fervilhando, ela ainda está muito fechada para o diálogo. A educação, de maneira geral, ainda está pautada no professor transmissor e no estudante receptor. Esse estudante chega na universidade e nem sempre está mais questionador. O aluno precisa se sentir participante, se sentir protagonista”, adverte Andréia.

Para a professora da UnB, a escola deve usar a tecnologia como aliada e a imaginação como parceira para que se abordem questões necessárias a esses estudantes – como a própria saúde mental e o excesso de telas.

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“Por que não pensar em projetos educacionais sobre conscientização para uso das redes, para conscientizar até sobre a questão de acesso à informação, como fazer pesquisa segura na rede? Falar de incorporação de tecnologias no processo educacional parece coisa antiga e não é a panaceia para todos os males, mas serve como proposta educacional integradora, consciente, questionadora e formadora de protagonistas do processo do ensino-aprendizagem. Isso cria um espaço de fala que é fundamental para construir cidadãos mais ativos ”, comenta.

Andréia salienta que por mais que pesquisas e observações tentem traçar um perfil dos estudantes, será sempre necessário que o professor olhe e reconheça a individualidade de cada um.

“Perceber o estudante em sua singularidade, é um ato muito bonito, é um ato de amor. E esse ato de amor pode, às vezes, transformar a realidade. Sempre trabalhamos no coletivo. É muito importante olhar o grupo, mas sem perder de vista a singularidade do estudante”, pontua.

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