Impacto profundo: os sintomas da distância no retorno ao presencial

Escolas devem dar atenção às saúdes emocional e física de alunos e também de professores, alertam especialistas

por: Tatiana Py Dutra | tatianapydutra@padrinhoconteudo.com
imagem: Deposit Photo

Após dois anos de afastamento em função da pandemia de Covid-19, em fevereiro, as escolas da rede privada voltaram a receber 100% de seus estudantes. Apesar de manterem os cuidados sanitários, a intenção das instituições é promover um clima de normalidade na comunidade escolar. Mas, segundo especialistas, os alunos (e mesmo os professores) não são os mesmos de dois anos atrás.

A angústia e a ansiedade vivenciadas pelos adultos no período deixaram marcas também nas crianças e nos adolescentes. Ainda que estejam contentes pela volta da interação social, os resquícios do isolamento podem comprometer o desempenho em sala de aula.

“Muitos estudantes criaram um quadro de ansiedade, até de pânico durante o período de pandemia, e isso é sabido. Mas agora podem-se notar eventos retardatários, que a gente chama de pós-pandemia. Da mesma forma que acontece quando um ente querido morre e na hora a pessoa não chora, mas depois que cai a ficha, ela fica mal.”

Marta Gonçalves, psicóloga e psicopedagoga, doutora em Educação e professora do Instituto Singularidades.

Dificuldades de concentração, fobia social e, até, fobia escolar podem se manifestar no início do ano letivo. Ainda é preciso estar atento a transtornos como depressão. Resultados preliminares de uma pesquisa internacional realizada pela Unicef e Instituto Gallup em 21 países, um em cada cinco adolescentes e jovens de 15 a 24 anos relataram que, muitas vezes, se sentem deprimidos ou com pouco interesse em fazer coisas. De acordo com a pesquisa, chega a 22% o número de entrevistados brasileiros nessa situação.

Um levantamento do Ipec encomendado pela Pfizer Brasil sobre o impacto da pandemia sobre o emocional do brasileiro revelou cinco sentimentos principais: tristeza (42%), insônia (38%), irritação (38%), angústia e/ou medo (36%) e crises de choro (21%). A pesquisa ainda revelou que o jovem foi mais afetado. Metade dos entrevistados na faixa dos 18 e 24 anos classificaram sua saúde mental durante a pandemia como ruim (39%) ou muito ruim (11%). A pesquisa, feita em conjunto com a Associação Brasileira de Familiares e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata), ouviu 2 mil pessoas em cinco capitais brasileiras.

Conforme Marta, a forma com que os prejuízos socioemocionais vão impactar os estudos vão variar conforme o aluno. Nesse sentido, ela recomenda aos professores que aproveitem a presencialidade para exercitar o acolhimento e a proximidade, observando se o estudante precisa de outro tipo de auxílio.

“É o olhar que o professor geralmente tem, mas tudo mudou. Não sabemos tudo o que o aluno passou nesse período. O medo que tenho, como pesquisadora em Educação, é que se fala muito do conteúdo que faltou no ensino remoto. Mas também é preciso focar no aluno-pessoa, no aluno-afetivo”, afirma Marta.

Comportamento e aprendizado

Nas crianças menores, as implicações do isolamento podem vir na forma de agressividade ou desobediência. Isso pode ser reflexo de um transtorno ou mesmo de certa inabilidade social favorecida pelo período de estudos dentro de casa, no ambiente familiar,

“As crianças de hoje em dia estão crescendo e se desenvolvendo conforme a necessidade da nossa realidade. Estão, muitas vezes, mais conectadas a máquinas do que pessoas. Na pandemia esse quadro se agravou causando prejuízos emocionais, afetivos, sociais e motores, também”, avalia a neuropsicopedagoga e orientadora educacional Fabiola Dobrillovich.

A especialista recomenda que as escolas desenvolvam projetos que promovam a interação social, como atividades em grupo envolvendo coordenação motora, em prol de benefícios importantes para a aprendizagem.

“Essas ações favorecem o desenvolvimento da atenção, o pensamento criativo, o  autocontrole e capacidade da autorregulação envolvendo sentimentos e emoções”, diz Fabiola.

Há estudos que apontam que para as crianças na primeira infância, o isolamento pode comprometer não apenas as habilidades acadêmicas e sociais, mas o próprio desenvolvimento cognitivo.

“Quanto mais nova é a criança, mais neuroplasticidade ela tem. Existem períodos pré-programados em nosso cérebro, em que ele está mais apto para o desenvolvimento. Se a criança perde dois anos de estudo presencial, todas as demais habilidades que seriam adquiridas na frente podem sofrer prejuízo pelas habilidades do início não terem sido adequadas ou suficientemente desenvolvidas”, diz a presidente da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia (SBN), Rochele Paz Fonseca.

Na avaliação de Fabíola, o brincar precisa ser valorizado nessa retomada da presencialidade.

“Estudos comprovam que, quanto mais a criança brinca ao ar livre – amarelinha, pega-pega –, mais conexões se formam em seu cérebro e com isso ela desenvolve aspectos importantes para a aprendizagem como a memória, atenção, raciocínio, estratégias, criatividade e imaginação”, afirma.


Pré-adolescentes e adolescentes

Orientadora de uma escola privada de São Paulo há 12 anos, Fabíola relata que a volta às aulas trouxe de casa adolescentes e pré-adolescentes com “síndrome da gaiola”.

“São estudantes que se acostumaram a ficar em casa e não queriam voltar para a escola de jeito nenhum porque ficou cômodo, prazeroso estar em casa. Não precisa mais acordar tão cedo para vestir uniforme. É só ligar o computador e (a aula) está ali. E ainda tem a dependência do uso do celular e das redes sociais, que prejudicam a interação social”, conta.

Segundo ela, a alternativa desenvolvida na escola envolve projetos como rodas de conversa e dinâmicas que envolvam o desenvolvimento socioemocional, para trabalhar empatia, respeito e confiança, por exemplo.

Outra característica que pode ser identificada entre os alunos do Ensino Médio é uma infantilização discrepante em relação à faixa etária. Segundo Marta Gonçalves, o enclausuramento provocado pela Covid-19 adiou o processo de autonomia natural dessa fase.

“Evidentemente, não dá para generalizar, mas é algo para tratar como alerta. As crianças vão se tornando adolescentes e conquistando um pouco mais de liberdade e autonomia. E dependendo de como os pais lidaram com o isolamento, isso pode ter consequências. Por exemplo, alunos que foram demasiadamente monitorados no Ensino Remoto, com pais que não deixaram que se organizasse dentro da rotina estudos, pode levar essa dificuldade para a sala de aula”, prevê.


E o professor?

Diretora do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do RS (Sinpro-RS), Cecília Farias, afirma que entre a categoria o clima é de satisfação com a retomada dos trabalhos presenciais. Além do entusiasmo com a reunião da comunidade escolar, há a avaliação de que os períodos de ensino remoto e híbrido foram extremamente estressantes para os docentes, por excesso de trabalho.

“Estamos bastantes ansiosos para saber como eles voltarão, se houve tempo para real descanso. Mas em conversa com os professores percebemos entusiasmo para iniciar o ano letivo, uma disposição de dar o melhor para os alunos e contemplar as necessidades das escolas”.

Cecília Farias, diretora do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do RS

A dirigente sindical pede, porém, que as escolas deem especial atenção aos cuidados sanitários, que se engajem na causa da importância da vacinação contra a Covid-19. Para a segurança dos professores, sugere o fornecimento de máscaras que permitam que se mantenham sadios sem esforço extra para se comunicar com as turmas. 

“É importante que professores usem máscaras confortáveis, nem sempre são as mais baratas. A escola precisa dar acompanhamento, acolhimento, ver o professor como um profissional que deu de tudo de si quando a escola precisou. Eles merecem esse reconhecimento”, afirma.

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