O que muda com as novas regras para formação de professores EAD
Especialistas avaliam resolução que determina metade da carga horária presencial para cursos de Educação a Distância (EAD)
Em expansão desde a virada do milênio, os cursos de Educação a Distância (EAD) tornaram-se alternativa para formação de profissionais, principalmente em locais em que não há polos presenciais. Porém, a área de formação de docentes da modalidade terá de passar por reformulações. Recentemente, um parecer do Conselho Nacional da Educação (CNE) definindo que graduações para professores precisam ter metade da carga horária presencial foi homologado pelo Ministério da Educação (MEC). Publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 27 de maio, a decisão estipula um período de dois anos para que as instituições se adequem ao novo regramento.
A nova norma atualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial em Nível Superior de Profissionais do Magistério da Educação Escolar Básica, bem como outros regulamentos, de 2019 e de 2015. Entre as alterações, fica estabelecido que licenciaturas necessitam, no mínimo, de quatro anos, com 3.200 horas de carga horária – sendo que 1.600 horas devem ser presenciais.
Cursos de segunda licenciatura e de formação pedagógica voltados a graduados não licenciados (para bacharéis e tecnólogos que desejem atuar como professores nos anos finais do Ensino Fundamental, no Ensino Médio e na educação profissional em nível médio) também tiveram mudanças. Em ambos, é preciso, no mínimo, 50% das atividades presenciais.
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Desde que foi aprovado pelo CNE, o texto aguardava decisão do ministro da Educação Camilo Santana para entrar em vigor. Porém, a polêmica já estava instaurada: de um lado, especialistas questionando a qualidade das aulas não presenciais e, de outro, instituições que trabalham com o modelo criticando a determinação. O próprio titular da pasta de educação em esfera federal já havia manifestado, em 2023, posicionamento de que cursos que são 100% EAD deveriam acabar.
Houve pedidos para alterações no texto homologado, mas o parecer e a resolução foram mantidos da forma como foram apresentados. Para a Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED) – entidade científica com 29 anos de atuação no Brasil representando uma comunidade diversa de especialistas, pesquisadores, instituições de ensino e organizações públicas e privadas que atuam na área de educação a distância –, é preciso atentar para um possível apagão no número de professores formados nos próximos anos em razão da nova regra.
A entidade destacou que “a educação a distância promove a continuidade do processo de formação de professores e contribui para a democratização do acesso ao Ensino Superior, além de fomentar a inclusão e incentivar o compromisso dos futuros educadores com suas comunidades de origem ou próximas. Em um país como o Brasil, de dimensões continentais, com realidades regionais e locais diferentes, a capilaridade da educação a distância é uma garantia de acesso à educação nos mais distantes e remotos municípios”.
A ABED também destaca que seriam necessários estudos sólidos para mensurar quantos interessados em cursar licenciatura ficarão desassistidos pela implementação do projeto de resolução, e o consequente impacto negativo no acesso à carreira de professor no Brasil, inclusive econômico.
A pedagoga, pós-doutoranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e integrante do Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul (CEEd/RS), Karla Fernanda Wunder da Silva, considera a mudança como positiva.
“Os cursos EAD (para professores) auxiliam bastante onde não existe polo presencial. Mas, quanto mais esse formato apenas online, menos qualidade”, avalia Karla. Ela justifica o posicionamento argumentando que profissionais da área precisam do contato direto com os agentes envolvidos no processo educacional, vivenciando na prática o que é aprendido em aula e desenvolvendo ferramentas para lidar com diferentes tipos de estudantes e situações.
“Eu pesquiso bastante sobre esses cursos e percebo que o currículo, muitas vezes, é o mesmo para diferentes formações. É preciso considerar as especificidades de cada formação. Virou um comércio [os cursos em EAD]. Na educação, é importante o momento da presencialidade, da troca de experiências, de aprender com o outro. Percebo que profissionais formados a distância chegam às escolas com lacunas no processo de aprendizagem”.
A consultora educacional e também conselheira do CEEd/RS, Sônia Maria Seadi Veríssimo da Fonseca, segue a mesma linha. Para ela, os cursos de Pedagogia e de licenciatura na modalidade EAD se proliferaram, com um percentual mínimo de presencialidade, alguns totalmente a distância, comprometendo, em muitos casos, as condições de qualidade da oferta.
A educadora destaca que a estruturação curricular dos cursos de Pedagogia e de licenciatura deve valorizar as atividades presenciais organizadas de forma a assegurar a socialização profissional inicial, mediante a construção e a apropriação dos conhecimentos necessários ao exercício da docência e a capacidade de participar de modo ativo e crítico nos processos de inovação educacional ligados à profissão docente. Porém, é preciso fazer uso da flexibilização, com atividades remotas que facilitem a busca dessa formação, sempre priorizando a garantia da qualidade da oferta.
“A possibilidade de mantenedoras oferecerem cursos de formação docente, de nível superior, na forma de EAD, sem a determinação de um percentual mínimo de aulas e atividades presenciais, transformou-se em negócio empresarial, sem a preocupação de formar profissionais competentes e comprometidos com o desenvolvimento e formação de cidadãos que devem fazer a diferença e contribuir para o crescimento da sociedade”, avalia Sônia, que complementa:
“Aprovo a decisão do CNE e do MEC que buscam privilegiar aquelas instituições que são comprometidas com a formação de docentes qualificados e que reconhecem que a especificidade do trabalho docente exige a organização curricular a partir da práxis, como expressão da articulação entre teoria e prática”.
Conforme levantamento da ONG Todos Pela Educação, entre 2002 e 2022, o número de professores formados por cursos de licenciatura em instituições de Ensino Superior privadas foi de 28,2% para 60,2%. Apesar do crescimento no formato EAD, muito em razão da pandemia de coronavírus, o desempenho dos estudantes desse modelo era inferior ao dos que fizeram o curso presencial. Em junho, o Ministério da Educação tomou outra medida: suspendeu até 10 de março de 2025 a criação de novos cursos de graduação a distância, novas vagas e polos de EAD. A medida, segundo o MEC, faz parte do processo de revisão do marco regulatório da educação a distância, que tem como objetivo garantir a sustentabilidade e a qualidade dos cursos de graduação oferecidos nesta modalidade.
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