O que podemos aprender com o ‘brain rot’, a palavra do ano

Termo está diretamente relacionado à perda de capacidade cognitiva causada pelo uso excessivo de telas e consumo de informação rasa e sem qualidade na internet

por: Pedro Pereira | pedro@padrinhoconteudo.com
imagem: Freepik

A cena é cada vez mais comum: pessoas com o olhar vidrado nas telas de dispositivos eletrônicos, conversando quase nada com quem está ao redor. Com as crianças e adolescentes não é diferente. Por meio do exemplo, aprendem a repetir esse comportamento desde a mais tenra idade. Essa realidade leva a uma espiral de consumo de informação rasa, irrelevante ou mesmo falsa, causando danos cognitivos que justificam a eleição da palavra do ano do dicionário Oxford: brain rot.

O termo, em inglês, pode ser entendido como cérebro apodrecido. Esse fenômeno se dá justamente pelo consumo excessivo de conteúdos superficiais – o que também acontece por meios analógicos, mas em menor proporção. O uso das redes sociais é a principal fonte de informação para muitas crianças e adolescentes, que se acostumam a textos curtos e conteúdos que não estimulam o raciocínio e a leitura crítica.

“Essa palavra está na moda, mas é fato que as pessoas estão lendo menos, se exercitando menos. Na fase em que a pessoa mais precisa ter relações interpessoais, que é a adolescência, acaba tendo interação apenas nas redes sociais. Na hora de formar a personalidade, até mesmo ouvir uma negativa, não consegue”, lamenta o médico neurologista Eduardo Jorge Custódio da Silva, membro do Departamento de Neurologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), onde atua junto ao Grupo de Trabalho em Mídias Digitais.

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Segundo ele, ainda é cedo para entender os danos estruturais que o consumo de informações sem qualidade e o uso irrestrito da internet vão causar. Em termos cognitivos e comportamentais, já se percebe uma geração menos resiliente, imediatista, que busca resolução para tudo em 15 segundos ou 140 caracteres. 

“A atrofia da parte muscular é visível, quando a pessoa fica muito tempo sem poder andar, por exemplo. Mas no cérebro, não. Vai acontecer, mas leva séculos. Há exames que identificam alguma coisa, mas ainda estão em experimentação”, conta Custódio, que também é professor do Núcleo de Estudos de Saúde do Adolescente, do Departamento de Pediatria da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (NESA/UERJ).

Ele explica que o ser humano nasce com uma quantidade enorme de neurônios, que se conectam por meio das sinapses. Na primeira infância, ocorre a chamada sinaptogênese, que é o estabelecimento dessa rede – ela é considerável até a adolescência, embora ainda aconteça na fase adulta. Por outro lado, existe a poda sináptica, que é a degeneração dessas conexões conforme elas não são utilizadas. 

É como deixar de fazer musculação por alguns meses e ver o bíceps diminuir, como compara Custódio. “O apodrecimento cerebral se dá porque se consome coisas ruins. As sinapses vão sumindo. Se o cérebro está se desenvolvendo, também. Vamos ter uma sociedade que só lê manchete, não entende a fonte e não tem capacidade de argumentar, ver que aquilo está errado”, sentencia o neurologista.

Esgotamento é outro fator que pode prejudicar o cognitivo

Foi com surpresa – mas nem tanto – que a médica psiquiatra Luciana Mesko recebeu a notícia de que o brain rot era a palavra do ano do dicionário Oxford. Por um lado, tem tanta coisa acontecendo que destacar um traço oriundo das redes sociais e do uso da internet pareceu curioso. Mas, por outro lado, trata-se de um problema de saúde pública, pois vai acarretando problemas cerebrais. “É importante falar sobre isso e é fundamental que a gente se informe”, defende a diretora médica do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), onde também atua no Núcleo de Psiquiatria.

Para ela, trata-se de uma situação de sobrecarga mental, em um mundo que está cada vez mais conectado. Os adolescentes usam cada vez mais, graças ao acesso rápido e fácil de “rolar” as telas infinitas. Luciana defende o equilíbrio para combater o consumo excessivo de conteúdo digital, principalmente as redes.

“O cérebro fica treinado para buscar uma gratificação instantânea, dificultando nosso foco em tarefas mais complexas. A gente fica abobado, emburrecido, com dificuldade de focar e raciocinar essa enxurrada de informações, notícias, mensagens”, explica. Além disso, o permanente estado de alerta também leva ao cansaço mental que acomete quem usa muito o cérebro. Mas, na verdade, a pessoa só está passando o dedo na tela, ou seja, se cansa por um estímulo inútil.

Impacto na aprendizagem

A psicopedagoga Márcia Delatorre lembra que a formação do cérebro se dá até um pouco além dos 20 anos. Essa flexibilidade cognitiva começa a se desenvolver na infância e perpassa a vida adulta, estabilizando com o tempo e retratando-se na maturidade. “Mas aí você pega uma criança que está construindo a capacidade de flexibilidade mental, o freio inibitório, essas funções cognitivas executivas e dá uma tela. Está destruindo o cérebro dela. Como ela vai aprender a ter controle de atenção, memória, impulso, se tem um cérebro destruído desde bebê com a tela na mão?”, questiona.

É preciso ter atenção com os estudantes quando eles apresentam insônia, ansiedade, irritabilidade, alteração de humor, perda de atenção, dificuldade de foco ou esgotamento. Estes são alguns sintomas de quando há o uso excessivo das redes, podendo levar a um quadro de depressão ou outras complicações.

Em função disso, há uma perda grande de criatividade, de capacidade de pensar e encontrar soluções. Produzir textos ou tarefas elaboradas pode se tornar um grande problema. Para Delatorre, a escola precisa usar a tecnologia a seu favor. Nesse contexto, o professor atua como mediador do processo de aprendizagem, e não mais como um detentor do conhecimento. 

“É preciso quebrar a ideia do ‘eu ensino, tu aprendes’, porque não se pode competir com uma coisa que é maior”, defende a psicopedagoga. A qualificação do professor para empregar a tecnologia no dia a dia da sala de aula é importante, mas sem perder o olho no olho, a conexão humana. Márcia explica que o aluno sempre busca o olhar, o carinho. 

Trocando as telas pela experiência presencial

Para combater ou prevenir o brain rot, Luciana Mesko sugere o uso de estratégias de detox digital, como alternar períodos de uso e descanso. Em relação às crianças, cabe aos adultos fazer uma determinação de horários. Algumas instituições de ensino optam por recolher os smartphones, além de outras medidas.

A técnica de meditação do tipo mindfulness, de atenção plena, reduz a impulsividade e ajuda a focar no presente. De forma geral, devem ser empregados materiais que estimulem o aprendizado, consumindo conteúdos de forma consciente. “É importante fazer uma coisa de cada vez, sem o multitarefa, multitask, isso é péssimo. Tenho que trabalhar a atenção plena porque isso faz com que meu cérebro atue da forma correta. A gente acaba buscando informações mais simples, para poder processar, e vai atrofiando”, explica Luciana.

Custódio explica que a Sociedade Brasileira de Pediatria sugere um tempo limitado de uso de telas – e não apenas para crianças e adolescentes, mas também para os adultos. A entidade tem um documento intitulado “Menos telas, mais saúde”, que sugere um uso mais moderado e consciente dos recursos tecnológicos.

“O ideal é contar sempre com a supervisão parental. Com os adolescentes, muita conversa. Eles devem ter sua privacidade, mas uma boa conversa ajuda. Nossa posição é por um uso mais restrito possível, oferecendo outras atividades para compensar. Temos que utilizar a tecnologia a nosso favor. Não queremos demonizar a internet, é uma maravilha, uma potência, mas tem que ser usada de forma saudável”, orienta o neurologista, que também integra a equipe do projeto ESSE Mundo Digital, focado no uso da internet com ética, saúde, segurança e educação.

Oferecer atividades alternativas vai ao encontro do que aponta, também, Márcia Delatorre. A psicopedagoga destaca a importância dos pais terem tempo de qualidade junto aos filhos. Segundo ela, existe uma atenção que não é verdadeira, pois os adultos também estão sempre conectados a uma rede. 

“O que adianta apenas cortar a rede social? E que tempo tu estás disponibilizando para suprir essa necessidade do filho ou estudante? Porque eles estão buscando acolhimento na rede. Buscam esse prazer e interações na rede. De nada adianta bloquear o acesso se a família e a escola não entenderem que precisam dessa qualidade, se o professor na escola não entender que tem que oferecer uma aula que desperte para isso, uma aula prática, que gere experimentação com o mundo. Uma família que vá para o parque. A gente também ensina a ser um ser humano, a conhecer o mundo”, reflete Márcia. 

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