Retomada e aprendizado marcam 2022 e deixam otimismo para o ano que começa

Instituições de ensino respiram mais aliviadas depois do retorno às atividades presenciais, mesmo desafiadas por defasagem na aprendizagem e pela implantação do novo modelo de Ensino Médio

por: Pedro Pereira | pedro@padrinhoconteudo.com
imagem: Piqsels

Depois da turbulência causada pela pandemia de Covid-19, a impressão é de que os gestores do ensino privado gaúcho estão preparados para tudo. Não poderia ser diferente: além deles, professores, alunos e famílias se adaptaram antes que o processo de ensino e até mesmo a relação entre todos esses elos ficassem prejudicados.

“O que ficou mais marcante nas escolas e no Sinepe/RS foi, certamente, a capacidade de superação das dificuldades trazidas pela pandemia. A maioria absoluta das escolas privadas conseguiu avançar em relação àquilo que aconteceu em 2021. Estamos satisfeitos porque elas se reorganizaram e já estão praticamente no mesmo estágio de antes da pandemia”

Oswaldo Dalpiaz – presidente do Sinepe/RS

Se nos primeiros dois ou três meses de isolamento houve quem questionasse o pagamento integral de mensalidades e a eficácia das aulas, o trabalho dos educadores logo aplacou qualquer desconfiança. Passados praticamente dois anos de ensino remoto, as aulas presenciais foram retomadas já no fim de 2021 e abriram este ano com uma série de desafios, como mensurar e preencher eventuais lacunas, que deveriam ser analisadas caso a caso.

Mas depois da prova de fogo por que passaram em 2020, os gestores, mesmo entendendo o tamanho do desafio, não demonstram receio. A comunidade escolar parece ter entendido que tudo pode ser contornado com um bom planejamento e, por isso, 2022 vai chegando ao fim com saldo positivo.

“O que ficou mais marcante nas escolas e no Sinepe/RS foi, certamente, a capacidade de superação das dificuldades trazidas pela pandemia. A maioria absoluta das escolas privadas conseguiu avançar em relação àquilo que aconteceu em 2021. Estamos satisfeitos porque elas se reorganizaram e já estão praticamente no mesmo estágio de antes da pandemia. Claro, com algumas deficiências, limitações, mas há essa perspectiva de voltar à plena normalidade”, avalia o presidente do Sinepe/RS, Oswaldo Dalpiaz.

Dalpiaz lembra da troca na diretoria do Sinepe/RS como outro momento importante do ano. Segundo ele, toda vez que ocorre uma mudança, perspectivas diferentes são colocadas à frente da gestão. “Não de anulação do que foi, mas no sentido de construir sobre aquilo que já existia e apresentar alternativas novas. A nova diretoria está muito entusiasmada”, garante o presidente.

Sobre a projeção para 2023, ele vê a continuidade do trabalho de recuperação de aprendizagens no Ensino Fundamental, além do fortalecimento do aspecto socioemocional dos alunos, citando questões como depressão e falta de adequação ao novo espaço escolar da presencialidade como situações que as escolas devem administrar. Disso decorrem o bullying e questões ligadas à educação especial.

Soma-se a todo este contexto a implantação do novo modelo de Ensino Médio, com suas particularidades – como a oferta de itinerários formativos, projeto de vida e carga horária estendida. “A gente sabe que as escolas estão se preparando, mas sempre há o perigo do novo. Esse é o principal desafio”, alerta Dalpiaz.

O Educação em Pauta conversou com algumas instituições para saber como avaliam o ano que finda e o que projetam para 2023. Ressocialização, recuperação de aprendizagem, relação com as famílias e Novo Ensino Médio foram os assuntos mais comentados. As redes ouvidas somam 55 escolas e unidades de atendimento social no Rio Grande do Sul, com mais de 40 mil crianças e adolescentes. Confira:

Retomada pós-pandemia

Este foi o primeiro ano efetivamente presencial desde o começo da pandemia. Por isso, os maiores desafios foram relativos à socialização dos alunos. “Quando eles retornam para a escola têm uma certa dificuldade de engajamento. Por outro lado, tivemos uma boa acolhida, adesão e presencialidade significativas. As famílias também estão muito presentes”, enaltece a coordenadora-geral do Setor Educação da Rede ICM, Irmã Elenar Berghahn.

A explicação para essa adesão pode estar na observação do coordenador educacional dos colégios da Rede Marista, Renato Capitani. Para ele, o isolamento e o ensino remoto trouxeram, junto com alguma comodidade, o cansaço das telas e do aprendizado mediado apenas pela tecnologia, provocando a vontade de outras vivências – mesmo que o retorno não signifique encontrar a mesma escola deixada em março de 2020.

“Parece contraditório porque, ao mesmo tempo que tem essa sede, esse desejo, tem a questão de como reaprender a conviver em espaço coletivo. Ficamos dois anos convivendo com a família, mas a gente não tinha mais essa questão do coletivo na escola, das experiências que só são possíveis no ambiente escolar. O próprio aprendizado é pleno no coletivo. O papel da escola é ajudar a entender isso”, defende Capitani.

O mais desafiador na Rede Notre Dame também foi a organização do aluno no seu espaço escolar. Desde a Educação Infantil, com crianças usando fralda, chupeta, mamadeira e precisando fazer essa adaptação depois de dois anos junto à família. Passando pelo Ensino Fundamental, alunos alfabetizados durante a pandemia e que, até então, só tinham ouvido os fonemas pela internet ou pronunciados por trás de máscaras. Outras, saindo da rotina com um professor para ter até mais de 10. “O professor dá conta do conteúdo, mas, além disso, tem que dar conta de toda a reorganização da rotina. A gente olha para trás e sempre pensa que poderia ter feito melhor ou diferente, mas o saldo é positivo”, avalia a coordenadora de Tecnologias da Educação da rede, Cláudia Lima Gonçalves.

Também foi um ano de monitorar as prováveis lacunas na aprendizagem dos alunos. As avaliações feitas ainda durante o isolamento foram complementadas e o que foi possível identificar já está praticamente recuperado. No entanto, é unânime entre os educadores que agora é impossível ter um diagnóstico completo, já que muitas valências só serão exigidas mais à frente. A atenção é para que as instituições mantenham o sinal de alerta pelos próximos anos, pois requisitos trabalhados durante a pandemia podem demandar atenção novamente assim que conteúdos mais complexos aparecerem, nas séries posteriores.

Novo Ensino Médio

Em meio a tudo isso, uma mudança substancial na pedagogia do Ensino Médio talvez tenha coroado um ano desafiador. Se os alunos não estavam totalmente preparados para voltar à escola, menos ainda para um contexto totalmente novo e ainda em desenvolvimento. Mas valeu, outra vez, o aprendizado da pandemia – além de ter ajudado o fato de a implantação ser gradativa.

A rede Notre Dame optou por concentrar-se na Formação Geral Básica (FGB) para a primeira série, ainda sem oferecer o currículo eletivo. “Deu certo, mas estamos em avaliação permanente. Como instituição confessional, adotamos muito os sete compromissos do pacto educativo e um deles é ouvir o jovem. Sempre refletimos sobre como ajudar o aluno a fazer escolhas, ter discernimento”, explica Cláudia.

Irmã Elenar avalia que na rede ICM a implementação também fluiu, aliviando a preocupação que havia. O fato de já estarem trabalhando o protagonismo do aluno e o atendimento individualizado, prerrogativas do novo modelo de Ensino Médio, facilitou o processo.

A maioria das escolas da rede contou com dois itinerários formativos neste primeiro ano – duas unidades, que são maiores, ofereceram quatro e servem de laboratório para estender às demais.  “Ainda vamos precisar qualificar mais, mas pudemos sentir que as escolhas feitas foram bem feitas”, conta a coordenadora. O objetivo é consolidar e expandir a oferta de itinerários em 2023, à medida que for identificado o interesse dos alunos.

Já a rede Marista acabou se beneficiando de um dispositivo da legislação que já havia chamado atenção antes: a possibilidade de ter parte da carga horária de forma on-line. “A gente sempre leu isso como uma oportunidade. Desde 2017 a gente não só sabia que percentual iria usar, mas já queria habitar o on-line por entender que é irreversível e é possível atender muita coisa dessa forma”, lembra Capitani.

A implementação começou com FGB e itinerários optativos criados pelos próprios professores da rede, divididos entre conteúdos na plataforma virtual e atividades na escola. A proposta já vigora na primeira série, indo para a segunda e faltam poucos passos para finalizar o desenho e a arquitetura da operacionalização na terceira. “Todas as escolas precisam comemorar muito ter conseguido virar essa chave. É um contexto complexo por natureza. Temos muitas lições aprendidas, coisas para melhorar na nossa proposta, mas o olhar é de celebração pelo que já temos feito”, comemora.

Pandemia também impacta a gestão

É difícil encontrar algum aspecto da vida em sociedade que não tenha sido atingido pela pandemia. Nas escolas, além do pedagógico, a área administrativa também foi desafiada – segundo os gestores, menos do que se imaginava, graças à demonstração de valor do ensino remoto e à relação com as famílias. 

Primeiro, se pensava que a parada seria por um breve período. A seguir, veio um período de contestação do serviço, demandando muita conversa com as famílias. Capitani conta que a rede Marista fez uma aproximação para tratar caso a caso e que os impactos foram gerenciados. “Formação foi uma variável bastante importante, especialmente no início. A gente deu uma olhada, precisou suspender muitas coisas e trabalhar outras para dar resposta naquele momento”, comenta. Entre os serviços suspensos estavam atividades complementares, devido à baixa procura. 

Na rede ICM foi percebido um impacto financeiro na vida das famílias, exigindo ajustes e um trabalho de acolhimento. Com isso, o desemprego e a queda de renda não foram traduzidos em baixo número de alunos. Portanto, o maior desafio para os gestores foi exatamente cuidar do desajuste emocional. “O processo de gestão é cuidar de quem cuida, para que também possam se sentir apoiados. O professor precisa ter respaldo para que possa ajudar a diminuir essa defasagem”, acredita Irmã Elenar.

Para isso, a rede lançou mão das coordenações de orientação e pedagógica. Trabalhando lado a lado com os professores, as escolas promoveram encontros mensais – em alguns casos, semanais – para revisar a organização, dar suporte emocional e refletir sobre as melhores formas de interagir com as famílias. 

Cláudia está mais ligada às questões educacionais da rede Notre Dame, mas conta que acompanha os colegas sempre em contato com as famílias para ver no que podem ajudar, especialmente na compreensão da situação econômica. “Trabalha-se muito no combate à inadimplência e o índice é um dos menores, pelo que vemos na média”, observa.

Depois do desafio, a continuidade

Os gestores consideram 2023 um ano para consolidar o trabalho de retomada e a implantação do Novo Ensino Médio. A hora é de planejar. “Meu calendário não sai da área de trabalho, sempre tem algum ajuste”, diz Cláudia, explicando que a rede Notre Dame vai manter o olhar de cuidado com o outro. “Não consigo implantar Novo Ensino Médio, Base Nacional Comum Curricular, programa de gestão, nada, se não tiver uma boa formação do quadro. Por isso, o maior investimento é na formação continuada. Na parte administrativa, é fidelizar os estudantes e correr atrás de novos alunos”, detalha.

Para Irmã Elenar, o momento é de dar continuidade ao que vem sendo feito na rede ICM. “A gente tem projetado encontros com as direções, orientadores e serviço de pastoral para revisitar todo o trabalho e encontrar meios, propostas e caminhos para seguir rumo ao horizonte que a gente aponta. Nossa caminhada tem sido para fortalecer”, afirma. Um dos pilares desse trabalho, segundo ela, é fazer com que as famílias compreendam o papel da escola para viabilizar a integração no ambiente escolar. “Não pode ser o lugar da queixa da família, mas que juntos encontremos o processo de caminhada”, conclui.

A rede Marista vê desafios inerentes à educação, mas sem impactos estruturais, apenas metodológicos. A oferta de atividades eletivas do Novo Ensino Médio em parceria com a PUCRS é uma das iniciativas que anima Capitani para o próximo ano. “São passos importantes de qualificação no processo, conforme os estudantes vão avançando. O terceiro ano só será pauta em 2024, mas também está desenhado. Agora, tem espaço para definir especificidades de cada unidade. Na rede, está consolidado”, explica.

Dalpiaz também projeta o ano de 2023 à frente do Sinepe/RS, destacando a comemoração dos 75 anos do sindicato. “Teremos pelo menos três grandes eventos porque, para uma instituição educacional, esta é uma marca muito significativa”, comenta. Além disso, o calendário de atividades conta com seminários, palestras e outras ações de qualificação e orientação dos educadores e gestores. 

Os serviços de assessoria jurídica e pedagógica devem ganhar a companhia de um trabalho diferenciado em relação à educação especial. “Há muito trabalho pela frente, boas perspectivas e não está faltando entusiasmo”, encerra o presidente.

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