Será o fim do tema de casa?

Aplicação de deveres em horário fora da escola gera novos debates entre educadores. Corrente quer abolir tarefas extras

por: Tatiana Py Dutra | Especial
imagem: Adobe Stock

Os temas de casa são fator de divergência entre educadores, familiares e professores há muito tempo e por diferentes motivos. Há famílias que exigem que os alunos tenham tarefas a cumprir no lar e outras que questionam a atividade extra diária. Os docentes, por outro lado, argumentam que muitas vezes os estudantes não fazem os deveres e que seu trabalho de elaborá-los é em vão.

“A lição de casa pode ser útil, desde que tenha sentido para a pessoa que está fazendo. A questão toda não é a lição, mas o tipo de metodologia usada em sala de aula. No momento em que um aluno faz uma atividade, uma pesquisa, em que está envolvido no trabalho que o professor propõe, ele não vai se importar em sair da sala de aula e buscar mais informações. O problema é quando o aluno faz a lição de casa simplesmente para memorizar um conteúdo. Isso não tem sentido”

Bettina Steren, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Escola de Humanidades da PUCRS

Mas há uma corrente de educadores – no Brasil e no mundo – que questiona a própria existência da lição de casa. Países como Finlândia, Holanda, Índia e Inglaterra aboliram a prática. Por aqui, o debate foi aberto pelas escolas em tempo integral, que hoje representam apenas 15% do total, mas com um perene plano de expansão. A proposta é focar em uma aprendizagem significativa em sala de aula, levando em conta o que o aluno quer aprender, estimulando a curiosidade e a autonomia dos indivíduos.

Professora do programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Luciana Corso foi responsável pela revisão técnica do livro “Aprendizagem Visível para Professores”, do australiano John Hattie, docente da Universidade de Melbourne, na Austrália. A obra traz dados de 15 pesquisas sobre aprendizagem envolvendo alunos de todo o mundo. Constata que pelo menos metade das tarefas aplicadas pelos professores em sala de aula não têm efeitos significativos. Outra evidência relatada no estudo é que o tema de casa tem um efeito muito mais positivo para aprendizagem dos alunos do Ensino Médio do que para os do Fundamental. 

“Os alunos do Ensino Médio são mais maduros, têm hábitos de estudos mais desenvolvidos, conseguem, de um modo geral, autorregular a aprendizagem. O autor cita o exemplo de um grupo de escolas na Nova Zelândia que, a partir desses resultados, pensaram em uma abordagem diferente para o tema de casa. Propuseram desafios envolvendo, por exemplo, a construção de blogs, pesquisas na internet, desafios em que o aluno precisa do apoio da família. A partir daí, observaram que o nível de motivação dos alunos foi muito maior, eles vinham para a sala de aula com vontade de compartilhar o tema”, escreveu Luciana, em artigo recente.

A especialista afirma que não existe uma fórmula para um aprendizado eficaz, mas propõe que professores procurem flexibilizar a sua ação docente, buscando inovar métodos (aceitando tentativas e erros) e recebendo feedback dos alunos para seguir na construção de atividades. Ao invés de folhas extensas crivadas de exercícios repetitivos, propor pesquisas e desenvolvimento de projetos pode gerar maior interesse e engajamento, além de estimular o pensamento crítico.

“E pensando sobre métodos, estratégias, feedback, qual é o melhor para usarmos? Hattie diz que essa não é a pergunta certa; a pergunta-chave é: qual é o melhor método para qual aluno? Qual o melhor método para dar conta de qual conteúdo? Não vamos encontrar um único método para alcançar todos, por isso, é muito importante que o professor tenha conhecimento dessa vasta gama de possibilidades. A grande questão é mudarmos o foco, pararmos de pensar tanto no ‘como ensinar’ e estarmos mais atentos para o ‘como aprender’”, escreveu.

Aprendizado significativo

Em 1963, o psicólogo americano David Ausubel (1918-2008) apresentou A Teoria da Aprendizagem Significativa, que ocorre quando uma nova ideia se relaciona aos conhecimentos prévios, em uma situação relevante para o estudante proposta pelo professor. Nesse processo, o estudante amplia e atualiza a informação anterior, atribuindo novos significados a seus conhecimentos.

É a Ausubel quem a coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Bettina Steren, evoca ao falar sobre os deveres escolares.

“A lição de casa pode ser útil, desde que tenha sentido para a pessoa que está fazendo. A questão toda não é a lição, mas o tipo de metodologia usada em sala de aula. No momento em que um aluno faz uma atividade, uma pesquisa, em que está envolvido no trabalho que o professor propõe, ele não vai se importar em sair da sala de aula e buscar mais informações. O problema é quando o aluno faz a lição de casa simplesmente para memorizar um conteúdo. Isso não tem sentido”, diz Bettina.

Segundo a professora, é dentro de sala de aula onde nasce e morre o interesse dos estudantes sobre determinados conteúdos, o que pode se tornar aversão através dos anos, especialmente se tiver de lidar em casa com lições maçantes.

“A criança, no 1º ano, tem um monte de ideias. Você pergunta a ela o que quer aprender e ela diz um monte de coisas. Mas, à medida que vai crescendo, isso vai diminuindo. E quando chega no Ensino Médio, ela não quer fazer nada. É por isso que a gente precisa explicar o valor da aprendizagem desde pequenos. Mas se vamos mandar o aluno fazer o tema para criar o hábito de estudo, temos de pensar ‘estudar o quê?’”, questiona. 

O desafio, segundo Bettina, é propor tarefas que os alunos executem com curiosidade.

“Por que estudar tem de ser tão problemático? Por que tem de ser tão dolorido? Deveria ser uma coisa prazerosa. O professor tem de estar atento a isso. Pensar que a criança tem capacidade de poder pensar sobre o que ela faz, e se não está fazendo porque não gosta é porque algum motivo tem. E não é porque é preguiçosa, mas porque é chato”, diz.

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