‘A escola precisa estar preparada para agir todos os meses do ano’

Setembro Amarelo: Para especialista, a prevenção ao suicídio de crianças e adolescentes passa por ações permanentes dentro do contexto escolar

por: Tatiana Py Dutra | Especial
imagem: Depositphotos

“Um verdadeiro pesadelo”. É assim que a mãe de um adolescente de 13 anos, aluno da 9ª série de uma escola de Canoas, qualificou a tentativa de suicídio do filho. Ainda que ela e o marido tivessem identificado uma mudança drástica no comportamento do garoto desde o início da pandemia, eles jamais acreditaram que, em seu desespero, o menino tentaria o autoextermínio.

“É claro que nós sempre ouvimos falar que crianças e adolescentes também estão suscetíveis à depressão e a transtornos que acometem os adultos, mas isso é sempre uma coisa que parece distante, longe de nós. Algo que acontece com os outros. Quando aconteceu conosco foi como se o chão sumisse”, desabafa a advogada, que pediu para ter sua identidade preservada.

Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), em média, são 2,2 mil casos de morte autoinflingida por dia, um a cada 40 segundos, o que representa 1,4% de todas as mortes no mundo. No Brasil, a média é de uma morte por suicídio a cada 45 minutos, sendo que é a quarta causa de morte entre adolescentes de 15 e 19 anos no país. Ainda que bem informado, você, leitor, pode estar estarrecido por não conhecer esses dados. É mais uma evidência de que o tema ‘suicídio’ ainda é um tabu. E ele precisa ser derrubado para evitar a ampliação dessas estatísticas.

“Há uma crença em nossa sociedade de que falar em suicídio incentivaria suicidas em potencial. Quase não se ouve falar de casos na imprensa, por exemplo. Mas jogar para baixo do tapete perpetua-se o nocivo estigma que rodeia o tema. Falar sobre suicídio não aumenta o risco de autoextermínio. Ao contrário, a gente precisa que os brasileiros aprendam a falar sobre suas angústias, medos e tensões que podem levar à ideação suicida”, argumenta a pedagoga Ana Ester Cunha.

Foi para acabar com o silêncio ao redor do tema que, em 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina, instituiu o Setembro Amarelo, um mês dedicado a orientar a população sobre a prevenção de novos casos. E a educação, claro, passa pela escola.

No Colégio Nossa Senhora de Fátima, de Santa Maria, a data serve de base para a execução de atividades do projeto Juntos Somos Mais Fortes, desenvolvido com alunos do Ensino Médio. A ação tem como objetivo promover uma cultura de paz e de valorização da vida. 

“O projeto visa despertar para mudança de atitudes para a vida, desenvolver a arte de ouvir e ser ouvido, compreender a importância do cuidado com a saúde física, emocional e mental, realizando ações individuais e coletivas, possibilitando ações por meio de práticas de valorização da vida, de promoção da integração social e discussões sobre temas relacionados à qualidade de vida”, informou a direção da escola.

No começo deste mês, por exemplo, os alunos do 1º ano participaram de uma roda de conversa com a psicóloga Mariana Pfitscher, sobre emoções. Logo após, fizeram uma Oficina de Zine proposta dentro da disciplina de Artes, nos quais produziram materiais relacionados à conversa.

Quanto mais cedo melhor

Conforme o doutor em Psicologia Luan Paris Feijó, professor da UniLasalle, embora a existência de uma data alusiva à prevenção do suicídio favoreça as discussões em contexto escolar, seria importante que as instituições implantassem projetos de educação e saúde permanentes, que incluíssem desde [as turmas] muito jovens. 

“Sabemos que existem dúvidas e um tabu muito grande, e isso pode contribuir para que o Brasil seja um dos 10 países do mundo com mais casos de suicídio e para cada caso de suicídio, há outras 20 tentativas”, afirma.

Segundo o especialista, crianças e adolescentes podem sofrer de transtornos mentais motivados por diferentes fatores – desde os genéticos, passando por disfunções na vida familiar e situações indutoras de estresse; violência urbana e fatores biológicos, relacionados a situações de anormalidades do sistema nervoso central, que podem ser causadas por lesões, infecções, desnutrição ou exposição a toxinas. Ou seja, o público jovem pode entrar em sofrimento psíquico quando menos se percebe. 

“Muitas crianças e adolescentes têm dificuldades para expressarem seus sentimentos ou conseguirem compreender suas emoções. A família e a escola têm papel fundamental em ajudá-los nesse sentido”, diz Feijó.  

A sugestão do especialista é que as escolas trabalhem primeiro com a prevenção.

“Isso pode ser feito divulgando cartilhas sobre saúde mental e educação emocional, combatendo preconceito e o bullying (de forma verbal ou escrita), promovendo seminários sobre inclusão, debates e palestras com profissionais da área da saúde. A meta é envolver os alunos com atividades de divulgação, concomitantemente com o envolvimento da família nesse trabalho, formando uma rede de proteção”, sugere o psicólogo.

Durante a pandemia, sentimentos como medo, insegurança e até ansiedade surgiram com mais frequência e intensidade, sendo ainda mais necessário que familiares e professores observem o comportamento das crianças. Alguns sintomas e/ou sinais podem indicar se uma criança está com problemas e precisa de ajuda, como dificuldade de concentração, aumento na agressividade, fadiga ou falta de motivação.

Depois tem as atividades de posvenção (ações de suporte e assistência dentro da escola que trazem alívio ao sentimento de perda e conscientizam sobre o tema), que ocorrem quando já houve um suicídio e é preciso lidar com o luto ou com o comportamento de risco que possa causar estresse nessa comunidade. 

“Caso percebam que a criança e ou o adolescente apresentem sintomas de doenças psiquiátricas, é importante que os professores alertem os pais para que possam buscar ajuda profissional adequada. Isso é a prevenção. E também há os trabalhos de posvenção: homenagens ou atividades para lembrar o aluno devem ser feitas com bastante respeito e cautela, sem compartilhar detalhes de como foi o suicídio. A escola precisa estar preparada para agir todos os meses do ano”, ensina Feijó.

TAGS





Assine nossa newsletter

E fique por dentro das novidades