Síndrome de Tourette pode prejudicar aprendizagem

Devido aos tiques e vocalizações, estudantes acabam por enfrentar até mesmo bullying; entenda como as escolas podem auxiliar alunos com o distúrbio

por: Tatiana Dutra | Especial
imagem: Freepik

A Síndrome de Tourette é pouco conhecida e, talvez por isso, estereotipada no imaginário popular. Mas, este ano, a presença do lutador de MMA Antônio Cara de Sapato no Big Brother Brasil 23 lançou luz sobre o tema. Durante um Jogo da Discórdia, no início de fevereiro, o atleta começou a mexer o ombro freneticamente e apresentou espasmos no rosto. Nele, o estresse é um elemento desencadeador dos sintomas da doença da qual foi diagnosticado portador aos sete anos.

É geralmente nessa faixa etária que esse distúrbio neuropsiquiátrico, caracterizado por tiques múltiplos, motores ou vocais, costuma dar seus primeiros sinais. Mas como grande parte das doenças raras – segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), apenas 1% da população é atingida – têm um diagnóstico difícil. E pode afetar a aprendizagem de crianças em idade escolar.

Preceptor do internato de Psiquiatria do Hospital Mário Leal e professor da União Metropolitana de Educação e Cultura/Anhanguera, na Bahia, Vinícius Pedreira explica quais são os fatores que fundamentam o reconhecimento da doença.

“É necessária a presença de dois critérios, que são tiques motores e tiques vocais, por pelo menos um ano. A pessoa tem algum tipo de movimento involuntário, muitas vezes desconfortável ou para aliviar desconforto. Pode ser um piscar de olho, um estalar de dedos, um balançar de cabeça, algum gesto de boca, movimento de braços ou ombros; juntamente com sons, que podem ser assobios, gritos, sons e estalidos até pornofonia ou coprolalia. Nesses últimos casos, elas soltam palavrões, expressões chulas, que não têm desejo de falar conscientemente”, conta o psiquiatra.

Conforme a literatura médica, em 80% dos casos, os tiques motores são a manifestação inicial da síndrome. Já os ruídos podem ser não articulados, tais como tossir, fungar ou limpar a garganta. Mas outro fator determinante da Síndrome de Tourette é o surgimento antes dos 18 anos.

“No início da idade escolar, a criança sofre mudanças na plasticidade neuronal e, em como todo o neurodesenvolvimento, pode apresentar algumas acomodações. Dentre elas, estruturas dos gânglios da base, talâmicas e hipotalâmicas na circuitaria cerebral que envolve repetições”, explica Pedreira.

Problemas de aprendizado

A doença se apresenta em intensidades variadas a cada paciente, mas é possível dizer que a maioria das crianças diagnosticadas com a doença pode ter algum prejuízo de aprendizagem. Conforme o professor de fisiologia e neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), Pedro Sudbrack, não há “evidência forte” na ciência que a doença em si prejudique a capacidade de aprendizado, mas o aspecto social, sim, é importante. 

“É uma condição muito estigmatizada. A pessoa fica inibida de ir para a escola e apresentar trabalhos em grupo, por exemplo. E é muito comum que além de Tourette, ela tenha transtornos obsessivo-compulsivos (TOC) ou de atenção com hiperatividade (TDAH), condições que por si só já implicam um prejuízo no aprendizado. Mas a gente não tem evidência de que as áreas cerebrais afetadas pelo tourette levem a prejuízo da cognição, capacidade de planejamento ou de memória”, diz o neurologista, que é doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo.

Porém, o psiquiatra Vinicius Pedreira adverte que o impacto da má socialização no aprendizado não é desprezível: 

“O transtorno leva a internalização de ansiedade e alterações de humor, a pessoa fica inibida e, para tentar lidar com os sintomas, gasta a energia e concentração que seriam aplicadas ao aprendizado. É o que se chama de transtorno de aprendizado secundário”.

Como a escola pode lidar com isso?

A criança com Tourette ainda tem risco aumentado de constrangimento, bullying e baixa autoestima, o que pode levar a episódios depressivos e até ideação suicida. Por isso, é importante observar sintomas e identificar a doença o quanto antes para evitar danos maiores. Porém, segundo Sudbrack, cerca de 70% dos pacientes levam anos para receber um diagnóstico, passando de médico em médico sem respostas.  

“Muitas vezes, o professor também não reconhece esse transtorno, porque é um quadro mais leve. Crianças são seres muito ativos, e um tique de pequena intensidade pode parecer apenas uma excentricidade, uma característica da personalidade da criança. Mas a gente tem de falar no assunto para que os professores elevem o nível de alerta. Muitos já conseguem identificar facilmente o déficit de atenção e o autismo, mas a Síndrome de Tourette, nem tanto. Então, é ficar atento a esses pequenos movimentos, um piscar os olhos mais intenso, uma careta, estalar os dedos. Não quer dizer que seja Tourette, mas tem de ser investigado. A maior parte dos casos, quando identificados e tratados, permitem que a pessoa tenha um bom desempenho e qualidade de vida”, diz.

Sudbrack ainda orienta que escolas se aliem ao serviço de pedagogia ou de psicologia escolar para orientar os pais, alunos e professores sobre a natureza da doença, sempre de forma a limitar o impacto do sofrimento que essas crianças passam.

“O educador pode identificar o que a criança tem de mais pronunciado, se é tique ou vocalização, e tentar trabalhar com aquilo, evitando exposições; além de identificar situações de possível bullying ou chacota para que ela não se sinta exposta. Isso facilita para que a criança se sinta acolhida e mais capaz de poder realizar suas atividades”, orienta Pedreira.

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