A curiosidade pela tecnologia deve ser despertada na escola

Investimento na Educação Básica é a alternativa para superar defasagem entre oferta de vagas e profissionais do setor de TI

por: Tatiana Py Dutra | tatianapydutra@gmail.com
imagem: AdobeStock

“Não existe mais vida fora do mundo da tecnologia”, costuma dizer o empresário Julio Ferst, presidente da Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação (Assespro-RS). Uma afirmação difícil de questionar em um contexto em que 81% dos acima de 10 anos de idade do país fazem uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), segundo dados do Comitê Gestor da Internet no Brasil.

No entanto, a expansão do consumo de ferramentas digitais – em grande parte atribuída ao aumento de serviços de delivery, internet e e-commerce durante a pandemia – não acompanha a necessidade do mercado por mais mão-de-obra capaz de criar essas e outras tecnologias. Em 2020, a procura por profissionais cresceu mais de 670%, segundo dados da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom). Só no ano passado, a oferta de empregos cresceu 14,4%, índice que é mais do que o dobro do registrado nacionalmente em outras áreas. 

Contudo, as universidades formam apenas 56 mil profissionais anualmente, o que gera um incrível déficit de vagas na área de Tecnologia da Informação (TI), que a Brasscom projeta chegar a 797 mil até 2025. Reduzir essa lacuna no futuro dependerá de esforços articulados de empresas e instituições de ensino. E não se trata apenas de criar novos cursos ou ampliar a oferta de vagas, mas de promover uma mudança de mentalidade que faça os brasileiros se interessarem em construir tecnologia. E isso deve começar na infância. 

“O problema está na base. Hoje, qualquer jovem, inclusive crianças, dos 5 aos 17 anos, sabem mexer em aparelhos eletrônicos. Todos instalam e desinstalam aplicativos no celular, mas não conseguem fazer uma planilha Excel. Se tornaram especialistas em redes sociais, em jogos mobile, mas não se interessaram pelo meio tecnológico voltado à programação, ao desenvolvimento, a uma capacitação de aspecto técnico. E muitas vezes por falta de incentivo ou conhecimento familiar não enxerga como caminho profissional”, diz o CEO do Grupo Forma Mais, Stevam Valencia. 

Um levantamento da consultoria McKinsey revela que o Brasil forma um profissional de TI para cada 11 administradores ou advogados. Na Índia, é um para cada três e, nos Estados Unidos, um a cada cinco. Na avaliação de Ferst, a escola pode criar estratégias ou oferecer atividades que despertem a curiosidade dos alunos por esse campo desde o Ensino Fundamental. E esse aspecto pode ser fortalecido no Ensino Médio, quando a maioria dos jovens estão em busca de uma vocação.

“Temos de oportunizar aos jovens conhecer como a carreira funciona. Muitos acham que é um ramo complicado, ‘nerd’, mas são profissões como outras. Basta saber ler e se dedicar. Há um trabalho de base que precisa ser feito para mostrar aos jovens que o setor demanda, contrata e remunera bem o profissional. Porém, a área demanda formação contínua, assim como a Medicina. Ele vai se especializar numa ferramenta, mas essa ferramenta vai evoluir, e ele terá de estar acompanhando, estudando e buscando soluções que o mercado vai exigindo”, comenta.

Não se trata apenas de criar novos cursos ou ampliar a oferta de vagas, mas de promover uma mudança de mentalidade que faça os brasileiros se interessarem em construir tecnologia. E isso deve começar na infância.

No ponto de vista do presidente da Assespro-RS, o sucesso dessa empreitada passa ainda por uma educação que estimule os estudantes a pensar e resolver problemas. Isso porque a área de TI, já no início da caminhada, demanda que o jovem aprenda lógica e programação, sequência e pensamento algorítmico, linguagens que exigem novas formas de pensar, o que pode parecer assustador.

“Hoje em dia, a gente recebe tudo pronto. Na mídia, as discussões vêm mastigadinhas, você já se posiciona para qualquer área, não precisa analisar, comparar. A TI exige isso: que o profissional receba um problema e ache uma solução adequada. A ciência não é uma aplicação matemática pura e simples. É pesquisa, pensamento, leitura, buscar suas próprias conclusões. É preciso ensinar a pensar. Essa mudança de cultura é impactante e faz muitos jovens dizerem, ‘isso não é para mim’”, diz Ferst, que lecionou Física por 20 anos.

Aprender mais em menos tempo

A defasagem entre a oferta de profissionais e vagas é oportunidade também para a abertura de cursos técnicos de nível médio e pós-médio, diz Ferst. Os cursos em nível médio, inclusive, podem ser atraentes para jovens pela possibilidade de conseguir estágios bem remunerados.

“Os cursos promovem uma formação gradativa. No segundo ano, o aluno já consegue entrar em uma empresa como estagiário ou programador júnior. Isso permite que o jovem tenha uma renda para financiar seus estudos e seguir com sua formação”, diz, acrescentando que o mercado oferece salários a partir de R$ 1 mil a estagiários do campo de TI.

Segundo Stevam Valencia, os alunos do grupo Forma Mais, que oferece cursos de formação técnica em nível médio e pós-médio, são constantemente procurados por empresas de seleção para o mercado.

“É um mercado que tem maior tolerância para o iniciante, desde que ele esteja se qualificando”, observa. 

Ainda que as oportunidades sejam abundantes para os iniciantes, os dados evidenciam a existência de uma corrida por uma mão-de-obra primorosa e rara: os profissionais graduados e experientes. E a demanda, que é global, ampliou-se durante a pandemia. O trabalho em home office abriu oportunidades para que brasileiros trabalhassem para empresas do mundo inteiro, ganhando em dólar ou euro, sem sair de casa.

“Nossa academia está formando profissionais a nível mundial. Basta falar inglês e ele está apto a trabalhar em qualquer lugar. A média de salários em início de carreira no Brasil é de R$ 5 mil, mas os ganhos podem ser estratosféricos à medida em que vai se especializando, ganhando experiência e aumentando a formação”, diz Ferst.

O site de notícias internacionais Business Insider revelou que houve um salto na remuneração dos profissionais das megacorporações. Na Google, por exemplo, engenheiros de software podem ganhar até US$ 650 mil por ano. Na Amazon, cargos relacionados ao desenvolvimento de serviços na nuvem têm média salarial anual de US$ 185 mil.

Mas colocar a mão nesse pote de ouro exigirá do universitário brasileiro mais que o diploma e um segundo idioma. A formação precisa ser excelente e contínua – e a academia precisa garantir essa qualidade num cenário em que as empresas demandam mais que um bom currículo, as tais “soft skills”.

“Faltam profissionais que transcendam a TI, que tenham uma boa comunicação interpessoal, línguas, capacidade de trabalhar em equipes multidisciplinares”, explica o pesquisador Leonardo Amaral, professor dos cursos de tecnologia da Uniritter.

Conforme Amaral, as grandes universidades têm mais tração para se adaptar à formação desse novo tipo de profissional.

“Faltam profissionais que transcendam a TI, que tenham uma boa comunicação interpessoal, línguas, capacidade de trabalhar em equipes multidisciplinares”

Leonardo Amaral, professor da uniritter

“A academia está trabalhando com a redução do tempo de alguns cursos. Hoje há mais rápidos, que formam tecnólogos. Aqui, conseguimos modernizar nossa estrutura e conceder pequenas certificações para que o estudante vá agregando linhas ao curriculum a cada formação concluída. Temos ainda disciplinas vinculadas a empresas parceiras, que oferecem cursos contínuos ao longo da formação do aluno”, diz, acrescentando que isso favorece a conexão do estudante com o mercado.

Para os mais dedicados, o futuro pode ser poderosamente atraente e variado, com grandes oportunidades em áreas de desenvolvimento de software, internet das coisas, programação robótica para a indústria – e outras necessidades que serão criadas dia a dia. O campo continuará se expandindo e necessitando de profissionais.

“É por isso que sempre digo: não tem mais vida fora do mundo da tecnologia. É tudo digital, mas nada cai do céu. O smartphone não apareceu do nada. Alguém desenvolveu. Precisamos de mais pessoas dedicadas e com boa formação”, finaliza Ferst.

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