Inteligência Artificial impactará significativamente a Educação

Para Jacir Venturi, professor da UFPR e PUCPR, é preciso flexibilizar o modelo tradicional de sala de aula e implementar uma política consistente de capacitação de docentes e gestores

imagem: AdobeStock

*Jacir Venturi
Membro do Conselho Estadual de Educação do Paraná, foi Coordenador na Universidade Positivo, professor da UFPR e PUCPR e diretor de escolas públicas e privadas

Extraordinária foi a repercussão do lançamento do ChatGPT em novembro de 2022, que representa apenas a ponta do iceberg do que teremos pela frente. Conforme já amplamente divulgado, o ChatGPT é uma Inteligência Artificial (AI) em linguagem natural capaz de compreender e gerar textos de modo muito similar aos dos humanos. A mais recente versão lançada é o ChatGPT 4, desenvolvida pela OpenAI, uma empresa fundada em 2015 por Sam Altman e outros colaboradores em São Francisco, Califórnia.

De início modesto, a OpenAI foi avaliada em US$ 29 bilhões em janeiro de 2023. As perspectivas são avassaladoras, tanto para o bem quanto potencialmente para o mal. As bigtechs, em peso, entraram de corpo e alma em pesquisas e desenvolvimento da Inteligência Artificial, mas foram todas surpreendidas, assim como nós, pela qualidade do ChatGPT, que sem dúvidas saiu na frente e tem uma bela dianteira.

Este chatbot da OpenAI não pode ser comparado unicamente a um site de buscas, como Google ou Bing, por desenvolver textos descritivos e analíticos sobre qualquer pergunta, já divididos em parágrafos ou em outra forma de organização solicitada pelo usuário. Oferece informações e argumentos a partir de um extenso treinamento de machine learning (aprendizado de máquina), lhe dá condições de interligar, aplicar e expressar esse conhecimento como se humano fosse. Uma mesma pergunta formulada por pessoas distintas gera respostas diferentes – pois leva em conta o contexto e o interlocutor –, o que torna quase impossível para um professor, por exemplo, detectar que a resposta a um exercício ou trabalho escolar foi gerada por uma máquina.

A Inteligência Artificial impactará significativamente a Educação e todo o nosso modus vivendi et operandi. E justificadamente nós, educadores, estamos perplexos, como se estivéssemos diante do despertar de um gigante desconhecido. Uma boa parte dos analistas considera que a Inteligência Artificial promoverá transformações ainda mais significativas que aquelas produzidas pela eletricidade no início do século XX – e estamos apenas transpondo o primeiro umbral. O ecossistema para essa inovação se tornou propício com a aceleração da internet, da conectividade e da capacidade de processamento. Basta pensar que em nossos bolsos carregamos celulares com memória, velocidade de conexão e processamento maiores (e melhores) do que os computadores de mesa de apenas 10 anos atrás, bem como dezenas de vezes superiores ao computador que ajudou a guiar a Apolo 11 à Lua, em 1969.

E a Educação não escapará das transformações a serem promovidas por essa revolução, provavelmente mais disruptiva que as evoluções de tecnologia educacional anteriores. E serão transformações profundas, pois atingirão o conteúdo, a forma e os objetivos do ensino. Afinal, a vida pessoal e a profissional que o educando enfrentará na sua fase adulta serão amplamente influenciadas pelo uso massivo da Inteligência Artificial. No século 21, a escola deve melhor equilibrar a qualificação acadêmica e técnica com habilidades emocionais e comportamentais. O professor não mais deve ser um expositor de conteúdos, mas se transfigurar em mediador, mentor e motivador. É preciso flexibilizar o modelo tradicional de sala de aula, e metodologias ativas serão cada vez mais necessárias. 

Neste cenário desafiador, a maioria dos docentes se sente despreparada para uma boa mediação tecnológica, porém muito apreciaria receber capacitação na instituição de ensino, indica pesquisa. Evidentemente, transformar essa realidade das escolas demanda uma política consistente de curto, médio e longo prazo em uma intensa capacitação de professores e gestores – estes muitas vezes, ironicamente, vítimas da mesma falta de preparo digital agora incumbidos de solucionar.

De fato, pouco se fará sem o reforço na formação das pessoas que fazem a escola e a Educação, mesmo que haja uma boa disponibilidade na infraestrutura de hardware, software e conectividade. Durante o percurso escolar, fundamental é propiciar aos estudantes a fluência digital, uma das mais importantes e básicas competências do mundo contemporâneo. Atualmente, relegamos ao segundo plano a decoreba, a memorização, uma vez que tudo está ao alcance de um teclado. 

E agora, com a aplicação da Inteligência Artificial na Educação? Textos serão produzidos sobre qualquer tema em segundos, tendo por base todo o acervo da internet. Uma equação do 3º grau ou um determinante de 4ª ordem podem ser resolvidos em um piscar de olhos. O ChatGPT foi inscrito no exame da OAB, sendo aprovado na fase a que se submeteu. E disso advém um grande desafio: nesse novo ecossistema, como desenvolver o raciocínio lógico, o esforço mental, o espírito crítico, a criatividade, o estímulo para uma boa preparação? Defrontar-se com uma tarefa mais complexa faz bem aos neurônios, desenvolve a autonomia intelectual e a autoconfiança para superar outros reptos e problemas. 

Por essas e outras razões, estimular o raciocínio e desenvolver o espírito crítico devem ser as principais incumbências dos pais e professores, em especial no ambiente escolar. Compreender e produzir bons textos e ser capaz de expô-los com clareza, síntese e lógica são importantes legados que a instituição de ensino deve oferecer aos nossos educandos. A neurociência está aí para provar que novas redes neurais se formam por meio de atividades que exijam raciocínio, abstração e análise mais profunda. É um desafio gigantesco, pois pode gerar mais acomodação aos estudantes, ainda mais pelos estudos recentes da Universidade de Harvard, segundo os quais a saúde mental e o bem-estar dos jovens de hoje estão piores do que há 20 anos. E eles enfrentarão não mais “apenas” a feroz concorrência entre humanos, mas também com as máquinas.

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