Tecnologia e docência precisam dialogar para atender à BNCC da Computação
Documento propõe às escolas a oferta da computação como componente curricular
O Ministério da Educação (MEC) alerta para que as instituições de ensino reorganizem seus currículos, inserindo a BNCC da Computação em todas as etapas da educação básica e suas modalidades. Conforme sinaliza a conselheira do Conselho Estadual de Educação (CEEd/RS), Ana Rita Berti Bagestan, o Referencial Curricular Gaúcho referente à BNCC Computação deve estar concluído e inserido no sistema do MEC, denominado Sistema Integrado de Monitoramento Execução e Controle (SIMEC), até setembro de 2025.
Ela recomenda que, desde já, as redes de ensino estejam adaptadas, pois o art. 7 da Lei 14.533/2023 indica esta implementação desde o ano passado. “Para que isso seja possível, é lógico que precisa ter professores habilitados em Licenciatura em Computação ou bacharel na área, com formação pedagógica; para aqueles que já atuam em escola, uma formação continuada”, comenta.
Leia também:
>> Desafios para implementação da Política Nacional de Educação Digital
>> A implementação da computação na educação e o papel dos gestores
Ainda, conforme Ana Rita, os currículos escolares da educação básica e suas modalidades devem incorporar e implementar as competências e habilidades dispostas na BNCC da Computação no que diz respeito ao pensamento computacional, mundo digital e cultura digital. “Deve ser garantido o direito do estudante ao letramento digital, isto é, aprender a ler, escrever, calcular e programar, e assim compreender os fundamentos da computação”, pontua.
Para isso, as instituições de ensino devem adequar os documentos escolares por meio da proposta pedagógica e planos curriculares. Atualizar os documentos inserindo a disciplina ou inserir a oferta da computação de modo transversal com as respectivas competências e habilidades da referida BNCC Computação.
O professor de Computação e mestre em Ensino de Ciências Exatas Diego Berti Bagestan acrescenta que, segundo determina o art. 61 da Lei de diretrizes e bases da educação nacional (LDB), a graduação que habilita o professor para atuar com o componente curricular ou disciplina de computação é a Licenciatura em Computação. “Quando não há um professor habilitado, a própria LDB, no mesmo artigo 61, orienta outras possibilidades de habilitação com formação pedagógica ou cursos de formação continuada em serviço para assegurar a oferta aos estudantes”, pondera.
Preparação dos professores
Diante disso, Ana Rita ressalta que o professor terá que se apropriar das competências que habilidades que constam no documento da BNCC da Computação para conhecer a estrutura e organização prevista para cada etapa da educação básica. Ela acredita que é necessário estudar as competências e respectivas habilidades e conhecimentos que compõem a proposta, a fim de saber promover as aprendizagens com as crianças e os estudantes. “O professor deve, também, conhecer, criar, selecionar e organizar materiais didáticos, bem como utilizar recursos tecnológicos apropriados, como softwares educacionais e plataformas online”, diz.
Ao mesmo tempo, segundo Diego, é essencial dar atenção à formação continuada. Para ele, atualmente existem poucos professores que possuem essa capacitação para exercer o componente curricular exigido. “O não interesse em formação na área da Licenciatura em Computação acontece não pelo fato de ser uma área ligada ao magistério, mas sim porque não tem tantos empregos”, constata.
No seu ponto de vista, o fato da computação estar prevista como componente curricular no Ensino Fundamental e Ensino Médio, conforme a Lei Federal nº 14.533/2023, as instituições de ensino precisarão estar atentas para a contratação de profissionais habilitados, produzindo uma “reação em cadeia”, de modo que surjam mais cursos de formação de professores na área da computação. “Eles terão que buscar capacitação e aperfeiçoamento, além de conhecer novas ferramentas de ensino tecnológico. O autodidatismo e a experimentação com ferramentas digitais também serão fundamentais”, indica.
Aliás, na série “BNCC da Computação na sala de aula”, do Sinepe/RS Play, Diego participa de um dos episódios. Em sua apresentação, ele apresenta algumas dicas práticas aos professores, como é o caso do uso da robótica na educação.
Na compreensão do doutor em Informática na Educação, professor e pesquisador da Univali, André Raabe, é necessário preparar os professores para os conteúdos mais técnicos, mas, para isso, dependerá do formato adotado pela escola. Se a opção for trabalhar com projetos transversais, ensinando computação junto com outros componentes curriculares, os educadores terão que receber uma formação continuada. Já se a escolha for pela inclusão de uma nova disciplina, terão que ser contratados licenciados em computação, tecnologia educacional ou com títulos semelhantes.
Formações online
Uma aliada para esse aprimoramento dos professores é a internet, como é o caso do YouTube. Para o professor do curso da Escola de Humanidades da PUCRS, Asafe Davi Cortina Silva, a plataforma é muita rica em aprendizado, sendo possível encontrar diversos tutoriais. “Existem vídeos muito bons e extremamente didáticos”, sugere.
Da mesma forma, as redes sociais, como Instagram, Tik Tok e Pinterest, são interessantes para se atualizar sobre as tendências. Silva relata que muitas dessas ferramentas trabalham com inteligência artificial e, de acordo com as pesquisas e consumo, sugerem vídeos e posts relacionados. “Se costumamos utilizar essas plataformas para aprender sobre tecnologias, o algoritmo constantemente nos sugere conteúdos sobre novos aplicativos, práticas metodológicas com tecnologias, ideias de utilização de recursos em sala de aula e assim por diante”, sinaliza.
Análise do cenário escolar
Raabe aponta diferenças na forma de ensinar computação de acordo com as idades. No caso da Educação Infantil, avalia como algo não tão complexo, sendo necessários apenas alguns ajustes.
Porém, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, a principal aposta é a computação desplugada, ou seja, atividades lúdicas de computação – sem utilizar o computador, mas objetos como papel, brincadeiras com robôs, criptografia, entre outras atividades. “Nas minhas experiências com a formação de professores do Fundamental, essas práticas têm sido muito bem aceitas, os professores enxergam contribuições, inclusive para outras áreas como a matemática e as linguagens”, comenta.
Já nos anos finais do Ensino Fundamental, o conteúdo é mais técnico, com uma programação um pouco mais avançada e a necessidade de usar o computador, de criar programas, de testar hipóteses e usar simulações. Por fim, no Ensino Médio, pode haver mais relações com o ensino técnico e com o mundo das profissões.
Já Silva acredita que, primeiramente, é necessário compreender a realidade em relação à computação e às tecnologias digitais e a geração atual dos estudantes. “Existe uma crença de que os alunos, por serem nativos digitais, já dominam tudo sobre tecnologia, mas a realidade não é completamente assim. Não significa que nascem sabendo”, pondera.
Ele comenta que é curioso observar as facilidades e as dificuldades com a tecnologia. “As crianças conseguem baixar aplicativos, gravar vídeos e editar fotos com muita facilidade. Por outro lado, funções como formatar documentos, anexar arquivos em e-mails, mandar e-mails, salvar PDF etc. não são tão fáceis para elas, especialmente porque não precisam dessas tarefas com tanta frequência”, analisa.
Educar para as tecnologias digitais vai além de ensinar a utilizar recursos computacionais. Segundo ele, na era de informações rápidas e da alta exposição em redes sociais, é função dos professores orientar sobre práticas corretas e éticas com as tecnologias. “É preciso conscientizar nossos alunos sobre cuidados necessários ao utilizar recursos, como saber filtrar informações para evitar fake news, ter cuidado sobre informações pessoais e fotos postadas em redes sociais, cuidar com quem nos comunicamos etc”, diz.
E, para os educadores que não se sentem confortáveis de aprenderem sozinhos, existem vários cursos online que são gratuitos, além de diversos outros cursos de professores particulares, cujo nicho é a Educação Tecnológica.
Suporte para a formação
Para que tudo isso seja possível, Silva destaca que as escolas devem dar oportunidades para que o corpo docente aprenda e se atualize de forma recorrente. Ele recorda um episódio, de quando foi professor em uma escola particular em Porto Alegre. Na ocasião, foi oferecida formação constante para os docentes, não só a respeito de tecnologias, mas de metodologias e práticas didáticas e inovadoras. “Algumas vezes, eram convidados professores de fora para ensinar algum recurso ou ferramenta. Outras vezes contratavam um curso para que os professores pudessem frequentar por um determinado tempo”, conta.
Após os encontros, era feito um mapeamento dos professores que entendiam os recursos tecnológicos, sendo solicitado aos mesmos lecionarem workshops ou cursos para seus colegas. “Nessas oficinas, os educadores tinham a oportunidade de ter contato com os recursos, discutiam e trocavam experiências sobre como utilizá-los de maneira a otimizar os processos de ensino e aprendizagem dos seus alunos”, explica.
Para Raabe, as redes privadas precisam desenhar essa mudança curricular. Conforme ressalta, a BNCC Computação não possui um currículo pronto para ser implantado na escola, ou seja, é necessário adaptar à realidade de cada rede escolar, tanto de materiais, quanto às presenças de laboratórios e recursos humanos, bem como questões pedagógicas. “Se a escola tem perfil disciplinar, se é uma escola baseada em projetos e assim por diante”, refere.
Um caminho sugerido é buscar parcerias e consultorias de pessoas que entendam do tema para ajudar a fazer uma proposta que seja viável e gradativa. “A norma de computação é bastante exigente, é difícil implementá-la toda de uma vez”, enfatiza.
TAGS
E fique por dentro das novidades