Qualquer aluno pode descobrir com a iniciação científica quais são os seus talentos. Aqueles com desempenho mediano, ou até abaixo, em disciplinas regulares no dia a dia podem se sair muito bem, encontrando outros interesses, descobrindo do que são capazes, bem como achar o significado de estar na escola. Essa é a percepção do coordenador do Programa Nacional para Promoção de Iniciação Científica na Educação Básica para Popularização da Ciência (ProNICE), Fábio Mendes.
Desde 2007, Mendes promove projetos inovadores em escolas públicas e privadas que lhe renderam o Prêmio Educação RS, oferecido pelo Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS). É graduado em Filosofia e Direito, tem mestrado e doutorado em Filosofia e pós-doutorado em Informática na Educação, todos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Além disso, possui cinco livros publicados, entre eles, “A Formação de Hábito de Estudo”. Atualmente, é professor efetivo de Filosofia no Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFSul), no campus Gravataí.
Em entrevista exclusiva para o Educação em Pauta, o professor reforça como a iniciação científica pode ser essencial na educação.
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Educação em Pauta – De que maneira é possível incentivar o pensamento científico?
Fábio Mendes – O primeiro ponto é estimular esse pensamento como uma prática constante. As mostras científicas são uma oportunidade para que esse pensamento científico produza um produto, uma pesquisa, alguma coisa que realmente apareça para a comunidade escolar. Todo o momento em que o professor salienta isso em sala de aula em relação aos conteúdos, deve tentar transformar as dúvidas em soluções ou hipóteses. Assim, estará estimulando o pensamento científico, não só nas mostras, mas de forma constante.
Educação em Pauta – O que você tem observado de mostras científicas que são bons exemplos a serem seguidos?
Fábio Mendes – Posso comentar do Programa Nacional para Promoção de Iniciação Científica na Educação Básica para Popularização da Ciência, o ProNICE, o qual coordeno. É uma plataforma que oferece formação a professores e também ferramentas para ajudar o coordenador da mostra a receber os trabalhos que são cadastrados pelos professores. Em 2023, fizemos um piloto em Gravataí, um município de 300 mil habitantes. Só neste ano, ajudamos a promover 70 mostras científicas, com a produção de mais de mil projetos de pesquisa. A proposta do ProNICE é justamente ajudar as escolas do ensino público e privado a promover a iniciação científica.
Educação em Pauta – Existe aquela sensação de que a iniciação científica pode ser algo muito custoso. É possível uma escola se adaptar dentro de seus recursos e aplicá-la?
Fábio Mendes – A pergunta é muito boa e eu fico feliz de poder dar uma resposta. A iniciação científica pode ser feita com os recursos regulares da escola, inclusive, eu trabalho direto com escolas públicas, em específico, as municipais, algumas com mais recursos e outras com menos. Na verdade, o que precisa é uma formação de professores para que os alunos consigam buscar em sala de aula, seja com seu celular, livros, por meio de entrevistas, como esclarecer as suas dúvidas. E, no dia da apresentação do trabalho, mostrar por meio de posters ou cartazes, com cartolina mesmo, com colagens utilizando materiais reciclados. Isso é uma questão de formação de professores e capacitação e gestão desse evento. É por isso que o ProNICE conseguiu ter um resultado assim que é histórico, levar 70 mostras científicas em um ano dentro de um só município. Imagina o resultado que terão as escolas de ensino privado, com condições melhores, produzindo grandes eventos de iniciação científica.
Não precisa contratar mais gente. Não precisa investir em mais espaços físicos ou materiais laboratoriais. Se puder, melhor, mas isso não é o essencial.
Educação em Pauta – E como as escolas podem explorar esse potencial para desenvolver outros conteúdos, além das mostras durante o ano letivo?
Fábio Mendes – Durante o ano, o professor faz diferentes projetos, têm diferentes conteúdos, mas o que caracteriza, eu diria, é a formulação de hipóteses bem determinadas sobre o conteúdo. Então, quando você tem um conteúdo, antes de logo ensinar os alunos, o professor pode fazer um levantamento sobre o que os alunos pensam sobre ele, mesmo desinformados, o que esperam ver naquele conteúdo, como é que eles esperam ver a utilidade de determinado conteúdo. Depois colocar o desafio para esclarecer essas hipóteses e ver se eles estavam certos ou errados. Então, trabalhando com hipóteses, pensando como é que a gente esclarece elas, está em um bom caminho para trabalhar as metodologias científicas.
Educação em Pauta – Em suas apresentações, você já comentou que um grande desafio é a velocidade de produção de conhecimento. Em meio a esse volume de informações, como fazer que o pensamento científico seja produtivo?
Fábio Mendes – Eu vou colocar uma visão aqui um pouco radical, mas só para mostrar qual é o nível de dificuldade que a gente vive em educação. Se a gente tem um mundo que muda constantemente, com conhecimentos que vão se desenvolvendo e deixando outros obsoletos, sem a gente conseguir prever que conhecimentos serão os mais importantes para daqui a 10, 20 e 30 anos. É difícil pensar que o nosso currículo regular possa dar conta dessas mudanças, porque é sempre o mesmo, com pequenas mudanças ou acréscimos.
No final das contas, o que temos que ensinar a cada pessoa é construir seu conhecimento, ter autonomia. É bastante questionável se o ensino que a gente faz, o aluno é capaz de desenvolver realmente autonomia no aprendizado. Pensando assim, fica fácil justificar a iniciação científica, porque faz justamente essa atualização do currículo com o interesse dos alunos, formando um pensamento autônomo crítico. Dentro dessa perspectiva, é difícil justificar o ensino regular. A tendência é que as escolas comecem a ser movidas pela iniciação científica.
Educação em Pauta – Já que você mencionou a autonomia, a iniciação científica é uma forma de proporcionar esse protagonismo ao aluno?
Fábio Mendes – Quando se promove iniciação científica nas escolas, os alunos escolhem os temas e o professor ajuda a orientar, a delimitar e a encontrar metodologia. Os alunos podem viver em um mundo, digamos, mais atualizado. O projeto de iniciação científica consegue, de uma maneira mais eficiente, mostrar como o conhecimento e as mudanças são vivos. Ao mesmo tempo que os alunos buscam por conhecimentos que ainda não possuem, aprendendo uma metodologia científica e desenvolvendo autonomia no aprendizado, seja lá que mudanças acontecerem. Eles saberão como resolvê-los, como esclarecer suas dúvidas, ter um ponto de vista crítico, fazer sua formação por conta própria.
Educação em Pauta – E dentro dessas mudanças, a cultura digital e as tecnologias digitais estão inseridas?
Fábio Mendes – Com certeza. Eu vou dizer que faz parte da gama de interesse dos alunos e vai aparecer na iniciação científica. Tenho os meus alunos do Ensino Médio no IFSul, uma instituição pública de excelência, que dá uma formação como se fosse universitária, em que o ChatGPT está em sala de aula. Seja como fonte de produção, seja como pesquisa de trabalhos. Isso carrega um interesse muito grande por parte dos alunos. Imagina, quando poder entrar a inteligência artificial dentro de um currículo? Qual será a mudança curricular? Então, a iniciação científica conseguirá se acomodar com muito mais naturalidade do que as aulas regulares.
Educação em Pauta – Em relação ao novo Ensino Médio, como você analisa os itinerários formativos, principalmente o Projeto de Vida?
Fábio Mendes – A necessidade de propor itinerários dentro das escolas públicas e privadas têm promovido uma correria para tentar encontrar interesses dos alunos e que sejam disciplinas com significado, porque se são novas, e cada escola pode decidir, a gente tem um problema de professores que possam ministrar essas aulas com qualidade. O Projeto de Vida entra como o aluno pensa o seu futuro e uma ideia de aprender, por exemplo, como fazer um plano de negócios, pensar na sua carreira, mas o aluno pensar no futuro tem a ver com aprender a aprender durante sua vida inteira. Ele aprende a construir seu conhecimento, seja lá qual for a aplicação que tiver.
Eu vejo como um prato cheio produzir itinerários relacionados à iniciação científica, uma metodologia científica, projetos científicos, que culminam em uma mostra escolar. Se não tiver algum itinerário específico, a iniciação científica pode entrar como uma parte do Projeto de Vida. Pode ser dividido em dois momentos: um com viés mais empresarial de plano de negócio e outro ao aprender a aprender e construir conhecimento, que tem a ver com entender e produzir algo científico. Isso também é um alívio para as escolas que possuem conteúdos relacionados ao empreendedorismo, porque é difícil manter, ao longo do ano, a motivação com esse tipo de tema. Então, é ter algo que ajude a dar bastante significado para essa disciplina.
Educação em Pauta – E quais recomendações você daria aos professores para que os pensamentos científicos estejam mais presentes em sala de aula?
Fábio Mendes – Eu sugiro que os professores conversem com seus colegas e seus gestores para colocar a iniciação científica na escola, para substituir eventos que já ocorrem, que são as mostras escolares. Existe uma diferença entre a feira de ciências e a mostra científica. Geralmente, a feira de ciências é com os alunos mostrando um conteúdo que aprenderam em sala de aula de maneira prática. Já a iniciação científica incentiva os alunos a proporem perguntas e metodologias que tragam algo que supera os conteúdos da sala de aula. É preciso que os professores não tenham medo e apostem na iniciativa científica, porque traz um significado para o trabalho deles. Faz com que as pessoas possam apreciar a qualidade do trabalho do professor, e eles merecem esse reconhecimento.
Educação em Pauta – E aos gestores escolares, quais são as ações que podem ser tomadas?
Fábio Mendes – A primeira coisa que indico é entrar no site do ProNICE e verificar quais são as ferramentas disponíveis, como também propor uma formação. Um projeto nesse programa tem toda uma estruturação, tudo que um gestor gostaria de mostrar na escola. Então, estimulo os gestores a pensar a iniciação científica também como uma forma de mostrar para toda a comunidade escolar o trabalho que fazem de gestão.
O ProNICE é muito inovador e deve se transformar na plataforma oficial do Ministério da Ciência e Tecnologia para promover a iniciação científica. Ela vai fornecer, pela primeira vez, indicadores de produção de pesquisa nas escolas. Se apropriar disso é sair na frente para, além do Enem, ter outros indicadores para mostrar a qualidade do ensino na nossa escola.
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