As lições de 2023 do ensino privado gaúcho
Mudança de ciclo inspira reflexão de gestores da educação no Estado, que falam sobre aprendizados e como o contexto social interfere na sala de aula
No período do ano em que todo mundo pensa na retrospectiva, nos objetivos alcançados e no que ficou para os 12 meses seguintes, o Educação em Pauta ouve gestores do ensino privado gaúcho para saber o que foi mais marcante no setor em 2023. Do uso de tecnologia ao papel do professor, passando pelos desafios do Novo Ensino Médio, de conquistar a atenção dos estudantes e de como construir um ambiente favorável dentro da escola, eles refletem sobre o ano que ora finda.
“Foi um ano de muitas ressignificações da educação porque, querendo ou não, ainda estamos em um período que reflete muito a questão da pandemia e seus impactos”, prefacia a presidente do Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul (CEEd/RS), Fátima Ehlert. Os impactos que refere se tornam visíveis ao olhar para o processo educacional como um todo, na retomada da presencialidade, incluindo avaliações, diagnósticos, recomposição de aprendizagem e recuperação do que foi trabalhado e, por diversos motivos, pode não ter sido captado.
Por tudo isso, 2023 é visto como um ano dedicado a estabelecer um novo processo, que vem das alternativas que precisaram ser encontradas durante o período de isolamento e os meses subsequentes. Formas de ensinar, aprender, avaliar e oferecer acompanhamento foram transformadas profundamente em um período curto – tanto para alunos, quanto para professores e gestores.
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Relacionamento
Também foi o ano de sedimentar novas formas de relações socioemocionais. Elas foram estabelecidas pelo ensino híbrido, ou remoto, graças ao tempo de recolhimento a que todos foram submetidos. “Tudo isso trouxe um ser humano diferente, que precisa ser compreendido em todas as suas dimensões”, acredita Fátima.
Trata-se da exigência de uma educação inclusiva e acolhedora, uma das grandes lições que este ano fez reforçar. A presidente do CEEd/RS fala sobre a capacidade de abrir horizontes e olhares sobre os diferentes aspectos que constituem o ser humano. A escola, nesse contexto, tem o papel de ensinar, de auxiliar na formação do cidadão e preparar o jovem. Para fazer isso em meio a tantos desafios, é fundamental promover a formação continuada e a valorização profissional, incentivando as direções e envolvendo a comunidade escolar.
“2023 foi um ano incrível, memorável e que trouxe, realmente, o aprendizado com a vivência, com aquilo que a gente acredita quando se trabalha com alunos e suas descobertas”, resume a diretora executiva do Colégio Salesiano Dom Bosco, de Santa Rosa, Ieda Maria Zalamena Grüber. Segundo ela, o ano foi de descobertas e, por conseguinte, de muitos compartilhamentos.
As descobertas são traduzidas em novidades do mundo da educação. “Como somos eternos aprendizes, o que se tinha como verdade absoluta vai sendo desconstruído. O mundo contemporâneo traz novos saberes, por meio desses momentos. Precisa ter essa abertura para que haja essa conexão com o estudante, até para poder se comunicar com as novas gerações”, analisa. Ieda considera fundamental que o ambiente seja harmonioso e convidativo à reflexão, uma vez que diversas gerações convivem no espaço da escola, o tempo todo.
Motivação
Contar com gestores e educadores capacitados e motivados, em meio a um cenário nem sempre favorável, é missão dos dirigentes. A chave é oferecer espaços de formação, de troca de conhecimento, ter metas claras e estar atento a todas as transformações da sociedade – que são muito rápidas e impactam diretamente no dia a dia da sala de aula. São relações familiares, de poder, a inclusão – sendo entendida como um espaço de todos e a percepção de direitos e deveres. Tudo isso faz com que o gestor precise estar muito atento a todas as relações que desembocam dentro da escola.
“Em situações mais complexas, como indisciplina ou violência, é preciso compreender o que se reflete nessa atitude e com quem precisamos interagir para equacionar. Talvez somente a formação pedagógica não dê suporte para tratar de questões assim”, sugere Fátima. Nestes casos, a saída é contar com uma equipe multiprofissional dando suporte aos professores e gestores. Para completar, todos os profissionais também devem se abrir ao novo, à inovação e ao diálogo.
“Precisamos compreender o outro na sua essência. Às vezes há um confronto entre direitos e deveres. Todos, hoje, estamos muito em busca dos direitos e precisamos ser lembrados dos deveres. A escola tem esse papel: quando forma um cidadão, ele deve estar preparado para cumprir com seus deveres e lutar pelos seus direitos, desde que não estejam em confronto com os direitos de todos”, defende Fátima.
Avanço
Diante do desempenho apurado pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA, na sigla em Inglês para Programme for International Student Assessment), a presidente do CEEd/RS defende que todo resultado precisa ser contextualizado e, no caso dos últimos dados, não poderia ser diferente em um momento de tantas transformações – ainda se referindo à pandemia e suas implicações. “Também estamos em um momento histórico, cultural e econômico de muita transformação. Isso reflete na vida das famílias”, pontua.
O papel da escola, para ela, é compreender como despertar e prender a atenção do aluno de hoje, diante de tantas opções fora da escola – seja em tecnologia ou mesmo ingresso no mercado de trabalho. “Como ser uma escola neste século que atenda à expectativa e à necessidade desse estudante? Tem que ser uma escola diferente, do contrário não vamos ter a atenção desses alunos “, sustenta.
Esse processo passa pela formação continuada dos profissionais, pelo investimento em infraestrutura, por metodologias interativas, enfim, tudo que torne as aulas mais atrativas, de modo que envolvam o aluno no processo de descoberta. Hoje, o aluno vai a um site de buscas e acessa a informação. Cabe à escola mostrar o que é possível fazer com ela, validar e ajudar a interpretá-la.
Movimento
Palavra-chave na gestão de Ieda Grüber, o conceito de movimento atravessa toda a Educação Básica da instituição que comanda. Segundo ela, essa palavra traz a esperança, o acreditar que se pode entregar a melhor versão de si todos os dias. “A gente tem nesse movimento a conexão com nosso projeto de vida e, principalmente, com os propósitos, que dão a grande bússola”, explica.
A diretora acredita que quando se cria movimento, ele toma conta das pessoas de todas as idades. “As pessoas querem esse movimento, precisam enxergar isso como motivação que gera ânimo, entusiasmo. Não tem estagnação. A palavra movimento me deixa muito confortável, feliz, porque quanto mais movimento você gera, mais conexão tem com as pessoas”, acredita
Desafios
O presidente do Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe/RS), Oswaldo Dalpiaz, vê nos ensinos superior e técnico os principais desafios. O primeiro porque tem tido dificuldade para captar a quantidade necessária de alunos para manter a estrutura pedagógica e administrativa. A queda no número de alunos na modalidade presencial é um dos principais fatores – assim como entre os cursos técnicos.
“Teoricamente, o Brasil fala muito em relação à necessidade de se ter escolas técnicas e alunos formados nesses cursos profissionalizantes, porque isso significa uma mão de obra que as empresas precisam. Só que isso está sendo muito difícil porque grande parte dos alunos que frequentam as escolas confessionais não têm condições de pagar por esse estudo, causando evasão ou troca da forma presencial pela virtual. Isto vale tanto para o Ensino Superior, quanto para o técnico”, analisa Dalpiaz.
Balanço positivo
Na Educação Básica, por outro lado, o retrovisor mostra um cenário mais animado. Apesar das dificuldades reportadas por Fátima Ehlert e Ieda Grüber, o que chega para o presidente do Sinepe/RS é que as escolas conseguiram executar seu planejamento e avançar na recuperação das aprendizagens, ainda prejudicadas pela pandemia.
“Também há otimismo em relação ao número de alunos, com expectativa de aumento no número de matrículas, ainda que em percentual baixo. Mas significa que estabilizou, de modo geral, o número de alunos para as escolas”, entende Dalpiaz.
O avanço também pode ser percebido no uso de tecnologias e novas metodologias em sala de aula, especialmente as ativas, que mobilizam professores e alunos em busca de novas formas de aprendizagem. Isso ganha força com a implantação do Novo Ensino Médio que, para a maioria das instituições, chega ao último estágio em 2024. “Parece-me que os resultados estão aparecendo e as escolas estão muito contentes com isso. Há um desafio muito grande de capacitação dos professores e as escolas estão indo nesse sentido”, saúda o presidente do Sinepe/RS.
Suporte
Para ajudar na busca pelo equilíbrio administrativo e financeiro das instituições, representando, por fim, a sustentabilidade das escolas, o Sinepe/RS ampliou o trabalho de assessoria pedagógica e jurídica, qualificando o atendimento. Além disso, novos materiais chegam às mãos dos gestores, como a plataforma SINEPE/RS PLAY e os conteúdos do Educação em Pauta.
“O Sinepe/RS também esteve ao lado das escolas pela organização e realização do Congresso do Ensino Privado, que foi muito bom, e ajudou as escolas em uma negociação coletiva que permitisse manter as relações de trabalho estáveis e, ao mesmo tempo, dar garantias para que se levasse bem o ano. Enquanto Sinepe/RS, acredito que se ampliou um trabalho que vinha sendo feito pelas gestões anteriores no sentido de fortalecer as relações com outras entidades”, conclui Dalpiaz.
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