“Temos que cuidar dos professores, para eles cuidarem dos alunos”

Em passagem por Porto Alegre para falar sobre estratégias para promover o bem-estar na escola, Andy Hargreaves conversa com Educação em Pauta e dá dicas para um ambiente acolhedor

por: Pedro Pereira | pedro@padrinhoconteudo.com
imagem: Artur Laste Furlanetto / Divulgação

O inglês Andy Hargreaves é autor de livros como “Cinco Caminhos para o Engajamento: rumo ao aprendizado e ao sucesso do estudante” e “Bem-estar nas escolas: três forças que motivarão seus alunos em um mundo instável”. Ele esteve em Porto Alegre no dia 6 de novembro para uma palestra, promovida pela Unisinos, onde falou sobre estratégias para estabelecer políticas e práticas de bem-estar nas escolas.

Por três horas, palestrou, ouviu e trocou experiências com educadores e gestores. Entre outras coisas, destacou que o mundo ainda vive um cenário de pós-pandemia. Segundo ele, enquanto as gerações mais antigas retomam, paulatinamente, o modo de vida anterior a 2020, os jovens que atravessaram o isolamento enquanto estavam em fase de desenvolvimento cognitivo, emocional e físico ainda não tomaram as rédeas.

– A geração formada durante a pandemia ainda não está liderando. Teremos um choque daqui a algum tempo. Serão ansiosos? Como vão lidar com diferentes questões? – questiona. 

É dentro deste e de outros cenários que ele reflete sobre a promoção de um ambiente tão acolhedor que estimule os estudantes a aprender cada vez mais. E de forma independente. O protagonismo, tão falado no Brasil, também tem destaque nos estudos do especialista.

– Uma forma de melhorar o engajamento é levar o estudante para a rua. Ele se sente mais saudável, pensa melhor, fala mais. O bem-estar não é para ajudar o aprendizado, é parte do aprendizado – defende.

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Entre as ideias que podem ajudar a desenvolver as competências e habilidades dos alunos estão projetos relacionados com a comunidade e o mundo ao redor, uma relação reflexiva com a tecnologia, menos provas, menos telas e mais tempo na rua.

Andy também é consultor na área da educação, membro da Academia Nacional de Educação dos Estados Unidos, ex-presidente do International Congress of School Effectiveness and Improvement, conselheiro para o primeiro-ministro da Escócia, co-fundador e presidente da ARC Education Collaborator.

Depois da atividade, ele recebeu a reportagem de Educação em Pauta para falar um pouco mais sobre a tarefa de acolher e engajar o estudante na construção de seu próprio caminho. Confira: 

Educação em Pauta – Como as escolas podem promover um ambiente em que os alunos se sintam acolhidos e possam expressar os seus sentimentos, dando sensação de bem-estar? 

Andy Hargreaves – Nós temos que cuidar dos professores, então eles poderão cuidar dos alunos. Mas, principalmente, [entender que] as escolas estão lá para os alunos. Estamos mudando para um novo mundo, onde os jovens precisam estar aptos a guiar o próprio aprendizado. Porque há muita informação online, há muita informação falsa online, e eles ficam muito sozinhos. Os adultos não têm tempo para estar com eles. 

A maioria dos jovens ainda não possui essas competências, por isso temos de ensiná-las. Temos que ensinar os jovens a serem independentes de nós, a dirigirem a sua própria aprendizagem, desde o início da escola. Os jovens precisam ser envolvidos na forma como avaliam isso, como escolhem a sua própria aprendizagem. Isso não significa que eles possam escolher todo o seu aprendizado, mas significa promover conversas sobre como eles escolhem. Eles precisam ser envolvidos na avaliação do valor do seu trabalho.

Desta forma, eles não acham que estão apenas produzindo um trabalho para um adulto. Eles não querem olhar para trás para ver se está tudo bem, porque [eles entendem que o processo de aprendizado] não é para eles, é para outra pessoa. Portanto, temos que encontrar formas de criar um trabalho onde as pessoas pensem que é realmente para elas, ou para os seus pais, ou para os seus amigos ou para a sua comunidade. 

Precisamos ensinar aos jovens que o trabalho tem uma finalidade diferente de entregá-lo ao professor, e que o trabalho tem valor. Há uma diferença entre um bom trabalho e um trabalho não tão bom, e os jovens assumirão a responsabilidade por isso. Mas eles ainda não sabem como fazer essas coisas. Precisam assumir a responsabilidade pelas funções da escola, mas nós não contamos isso a eles. Isto é feito sentando em círculo, olhando face a face, conversando respeitosamente com as pessoas.

Educação em Pauta – Ciente de seu protagonismo, o estudante compreende melhor seu papel, também, enquanto um ente da comunidade escolar?

Andy Hargreaves – Eles ajudam a construir – e compreendem melhor – as normas da sala de aula. Como acolhemos novas pessoas: elas podem vir de outro país, de outra escola, e precisamos sentir que elas pertencem a este espaço.

Como trabalhamos com pessoas que são diferentes? Bem, pessoas que parecem diferentes. Pessoas que pensam de forma diferente da nossa. Não temos apenas que dizer aos jovens quais são as regras, mas sim envolvê-los na definição das mesmas. Eles nem sempre conseguem o que querem. As escolas não são democracias, mas podemos envolver muito mais os jovens nessas conversas.

Educação em Pauta – Durante a palestra, você disse que a escola tem de se adequar ao aluno, e não os alunos se adequarem à escola. Como fazer isso? 

Andy Hargreaves – A resposta é que você faz isso em tudo, o tempo todo. Você não faz isso apenas em uma lição, uma atividade. Você não tem uma pessoa que cuida disso. É uma responsabilidade de todos, o tempo todo. Você tem que conhecer seus alunos, e um bom professor conhece. 

Para encontrar uma maneira de o currículo se adequar à criança, não se trata de qual é o conteúdo do currículo. É sobre como você ensina. É sobre como eles aprendem. Eles aprendem visualmente? Eles aprendem na prática? Parece fácil e simples, mas existem metodologias para fazer isso. 

Educação em Pauta – Como entender o que os alunos esperam da instituição?

Andy Hargreaves – Se há uma criança que está tendo dificuldades de alguma forma – pode ser apenas em matemática, por exemplo, ou de repente seu comportamento se torna um problema –, você conversa com ela. A primeira coisa é perguntar a ela e conversar com a família. O que algumas escolas fazem é trazer todos que conhecem a criança para essa conversa.

E então eles dirão: o que sabemos? Você dá a volta na mesa, ouve o que todo mundo conhece da criança e, com tudo isso, começa a descobrir como pode ajudá-la. Eles podem não precisar aparecer tanto nas telas, pode ter morrido alguém da família, ou um animal de estimação – é um problema ainda maior quando você tem oito anos. 

Assim, você pode descobrir que o suporte pode ser um aconselhamento. Ou o apoio pode vir do currículo, ajudando-o com a matemática ou a alfabetização. Então, a intervenção varia, mas o principal é toda a escola conhecer a criança por inteiro – e que isso não venha apenas de um desejo, mas haja uma metodologia para fazer acontecer.

Educação em Pauta – Estamos falando de construir um ambiente em torno do que os estudantes propõem, fazer definições em torno deles. Qual é o resultado quando se consegue alcançar isso?

Andy Hargreaves – O resultado aparece em tudo, quando você consegue. Se você realmente conhece a pessoa, então o resultado deve ser que ela aprenda mais. Não que eles apenas se sintam mais felizes ou que se sintam mais calmos. O resultado deve ser o aprendizado, porque você os conhece. Você sabe o que os empolga e interessa, o que acham difícil, quem são seus amigos, quando estão sozinhos, com o que se preocupam, como se distraem. Se você souber disso, se você realmente se importa com a pessoa, ela aprenderá mais e terá mais sucesso, não é mesmo? Considere um ambiente inclusivo positivo com algumas ferramentas. 

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