“Sem confiança, ninguém inova”, afirma Zeca de Mello
Filósofo, teólogo e professor é um dos palestrantes confirmados para o 18º Congresso do Ensino Privado Gaúcho
O que a trajetória de um seminarista pode ensinar a um profissional da educação? Para responder a esse questionamento, o filósofo, teólogo e professor Zeca de Mello subirá ao palco do 18º Congresso do Ensino Privado Gaúcho, que ocorre nos dias 23, 24 e 25 de julho, no Centro de Eventos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em Porto Alegre.
Especialista em liderança, educação humanística, ética, credibilidade, confiança e engajamento corporativo, Mello apresentará a palestra “Razão e emoção: simbiose indispensável”, na qual discutirá a união entre a racionalidade e a emoção como chave para um futuro mais humano.
O acadêmico já foi padre, afastou-se do ofício e hoje atua como professor em diferentes escolas de gestão no Brasil, como as fundações Dom Cabral e Getúlio Vargas. Em conversa com o Educação em Pauta, o professor falou sobre sua trajetória de vida, suas percepções acerca do ambiente corporativo e o futuro das relações humanas.
Mello nasceu e cresceu no Rio de Janeiro, onde viveu a maior parte de sua vida. Ele lembra que, na infância, por ser uma criança agitada – diferentemente dos seus irmãos –, o período escolar gerou certo grau de sofrimento. Com dificuldades para ficar sentado, ele recorda que, dentro do modelo no qual foi educado, desenvolveu-se como um aluno considerado mediano.
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Embora apreciador da prática esportiva, teve dúvidas quando se tornou adulto e precisou definir qual carreira profissional seguiria. A única certeza que tinha era a de que buscava “fazer alguma coisa significativa, bonita”. O impasse se estendeu até o dia em que, ao fazer um curso de Crisma, conheceu um sacerdote jovem – sendo que, até então, só conhecia padres com idade avançada.
“Eu conheci o seminário e, durante um ano, fiquei visitando nos fins de semana, até que eu decidi que queria entrar para a vida religiosa. E, para se tornar um padre católico, você tem que fazer duas graduações: em Filosofia e, depois, em Teologia”, conta.
Aos 18 anos, entrou para o seminário e começou a estudar Filosofia. Ele conta que se tornou um excelente aluno, pois gostava de aprender. O mesmo aconteceu quando passou a cursar Teologia e as línguas clássicas. Segundo ele, era um prazer genuíno pelo aprendizado. Desse modo, aos 25 anos foi ordenado sacerdote e seguiu a vida acadêmica. Confira a entrevista completa abaixo:
Como foi o início da sua carreira acadêmica?
Fiz meu mestrado na PUC, em Teologia, com especialização no Antigo Testamento, e com o sonho de fazer um doutorado fora do Brasil, até que eu consegui uma bolsa de estudos e fui para a Itália, onde eu passei quase quatro anos fazendo meu doutorado na Universidade Gregoriana de Roma. Fiz meu doutorado em Teologia, com estudos sobre o pensamento de Santo Agostinho e a sua relevância na atualidade. No meu segundo ano lá em Roma eu entrei em crise. Eu comecei a perceber que seria muito difícil eu ter um futuro saudável, equilibrado, sem ter uma família ou sem ter uma companheira. Mas eu consegui enfrentar essa crise, terminei minha tese de doutorado, voltei para o Brasil, ainda como professor, sacerdote e pesquisador na PUC do Rio de Janeiro.
Quando você decidiu deixar a batina?
Com o doutorado, assumi também o Departamento de Cultura Religiosa, fiquei mais dois anos, até que, quando morreu o Papa João Paulo II e veio o Bento XVI, eu decidi que a coisa mais honesta de se fazer era pedir um afastamento. Então, pedi um afastamento e, como a gente fala popularmente, “deixei a batina”. Não me casei imediatamente, mas tive que reinventar minha trajetória profissional. Não tem ex-padre dando aula no Departamento de Teologia, então, embora me relacionando muito bem na universidade, eu tive que sair. Daí vem a minha terceira formação, que foi em Administração.
E como aconteceu essa transição de carreira?
Fui fazer uma pós-graduação em Administração de empresas na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi uma experiência muito boa e isso me abriu para a minha nova profissão. Hoje, eu trabalho como professor em várias escolas de gestão no Brasil, como a Fundação Dom Cabral e a Fundação Getúlio Vargas. Estou dentro de uma área de pesquisa em gestão, que se chama Humanidades e Gestão Contemporânea, também conhecida como gestão crítica, que é justamente o olhar das humanidades para os grandes desafios da gestão e dos negócios atualmente.
Como a sua base teológica influenciou nesse processo?
Eu destacaria aqui não só a importância da Teologia, mas também a formação filosófica, e, sobretudo, a oportunidade que a minha formação como seminarista e depois como sacerdote dentro da igreja aqui no Rio de Janeiro e em outras partes do Brasil me deu uma possibilidade de, por exemplo, falar com todos os públicos. Como padre – na vida de um padre que trabalha numa paróquia –, você tem a oportunidade de lidar com as crianças, aprender a falar com elas, escutá-las, mas também lidar com os momentos mais dramáticos da existência humana, como o início e o fim, os momentos de dor e, também, os momentos felizes da existência, como o casamento, as celebrações mais importantes. A possibilidade de aprender a falar e a lidar com diversos públicos, diversas classes sociais, isso é uma riqueza sem limites, uma riqueza enorme, que prepara a gente não só para ser professor, mas para lidar com diversos públicos, com grandes desafios. Então, eu sou muito grato.
De que forma o seu aprendizado como padre pode contribuir para os processos de gestão de pessoas, especialmente em escolas?
Também do ponto de vista da Teologia, só para você ter noção, um dos temas que eu mais estudo hoje em gestão é o tema da confiança. E aí, eu lembro sempre aos meus alunos, que dentro da palavra confiança, há a palavra fé. A palavra confiança significa fé conjunta, acreditar conjuntamente. E hoje, a confiança é o principal ativo intangível na nova economia. Cercadas de incertezas, todas as organizações, todas as lideranças precisam de confiança. Sem confiança ninguém inova, ninguém tenta nada novo. Sem confiança, não existe engajamento de verdade. Sem confiança, as boas ideias não ganham tração. Num ambiente de baixa confiança, as pessoas não falam abertamente o que pensam. Então, a Teologia funciona, pelo menos para mim, como um grande GPS global, porque conecta temas muito importantes para a humanidade, para as pessoas, como a questão do sentido.
Hoje, por exemplo, está em voga o tema do propósito, a importância de organizações orientadas por propósito. Nas startups, a importância da contratação baseada em propósito, porque o que você quer da força de trabalho é um engajamento genuíno. Então, a Teologia pode ajudar como uma instância crítica, e a Filosofia também, a esses modismos.
O que os participantes do Congresso podem esperar da sua palestra?
O público pode esperar uma abordagem reflexiva e crítica. Eu não vou dar fórmulas prontas, mas vou procurar fazer provocações, porque o tema que eu vou tratar é sobre a simbiose entre razão e emoção e a sua importância para a aprendizagem.
Quais os principais desafios, na atualidade e no futuro, para educadores e gestores de escolas?
A maior parte dos professores, professoras e comunidade educacional de hoje foi formada num modelo educacional que privilegiou um certo tipo de inteligência – a inteligência matemática; um certo tipo de racionalidade – a racionalidade técnica. Não que ela não seja importante, é muito importante, é fundamental, mas é uma educação muito baseada em conteúdos. E hoje nós temos desafios enormes, sobretudo lidar com o crescimento da incerteza, da aceleração e da extrema complexidade que está por todos os lados da nossa vida. Então, isso requer uma sensibilidade nova, uma capacidade de se deixar tocar e responder.
O desafio é ajudar a criar um espaço de aprendizagem nas escolas em que seja possível resgatar o corpo, a corporeidade, ainda mais na sociedade hiperconectada como a nossa, em que boa parte das interações vêm pelas interfaces de telas. Resgatar o corpo no processo de aprendizagem me parece fundamental. Não estarmos anestesiados ou fechados, apáticos, como robôs ou como impassíveis, mas querermos formar pessoas, cidadãos, jovens, crianças, vivas, que se deixem tocar, ou seja, que tenham uma experiência estética também.
O resgate das humanidades é muito importante. Desenvolver a capacidade crítica e autocrítica. Não só ensinar fórmulas, conteúdos, mas criar um espaço de aprendizagem onde seja possível desenvolver o amor pelas perguntas, a capacidade de se maravilhar e fazer boas perguntas.
Qual a importância desse resgate das humanidades para a constituição dos estudantes enquanto cidadãos e para a educação como um todo?
Num mundo que muda muito rapidamente, isso me parece urgente. As humanidades nos ajudam a desenvolver capacidade empática com o outro, abertura às culturas diferentes, às pessoas e instituições que têm formas diversas de pensar. Essa capacidade de dialogar com o diverso se torna urgente e as humanidades podem contribuir nisso. E talvez o mais importante, as humanidades nos ajudam na imaginação criativa, a desenvolver a imaginação criativa. Imaginar-se diferente.
Imaginar que nós podemos e somos capazes de iniciar coisas novas, de sustentar, de interromper o curso das coisas. E me parece que essa capacidade revolucionária de sonho na educação é decisiva e urgente. Mas a importância de resgatar-se não só o corpo, mas também a história, o contexto, o ambiente em que nós vivemos. Então, uma educação capaz de olhar para o ambiente que ela está inserida, para a sua comunidade, a cidade na qual ela está inserida, que se deixa tocar pelos problemas que estão à sua volta, do seu tempo. E só assim nós teremos uma educação realmente pertinente e relevante.
O 18º Congresso do Ensino Privado Gaúcho ocorrerá nos dias 23, 24 e 25 de julho, no Centro de Eventos da PUCRS, em Porto Alegre. O evento, que nesta edição traz o tema “Razão e Emoção: conectando aprendizagens”, contará com as presenças de palestrantes renomados nacional e internacionalmente. Para participar do Congresso, basta se inscrever no site do evento.
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