Smart education: aprender o que quiser com o máximo de potencial

Considerada uma das principais pensadoras digitais do Brasil, Martha Gabriel aborda sobre as tecnologias disponíveis e o futuro da educação

por: Eduardo Wolff | eduardo@padrinhoconteudo.com
imagem: Arquivo Pessoal

A tecnologia pode ser uma grande amiga, como também uma inimiga. Tudo vai depender da forma que será utilizada. Na área da educação, muitos recursos já foram aplicados, porém ainda existe um enorme potencial a ser explorado. 

Para saber mais sobre questões tecnológicas que envolvem o ensino, como o 5G, o metaverso, a inteligência artificial e o marketing digital, o Educação em Pauta fez uma entrevista exclusiva com Martha Gabriel, referência na América Latina nas áreas de negócios, tendências e inovação.

“A inovação é a educação. Você não precisa de tecnologia necessariamente para inovar. É um método que você tenta entender o problema e direciona para achar a solução. Infelizmente, o Brasil se destaca pela criatividade, mas não está bem nos rankings de inovação justamente pela falta da cultura de inovação. Esse é o maior desafio. É preciso mais investimentos em projetos de experiência, sistematização e educação.”

Martha Gabriel – futurista

Martha é futurista pelo Institute For The Future (IFTF), pós graduada em Marketing (ESPM), com formação executiva pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT Sloan), entre outras. É CEO da Martha Gabriel Consultoria, sócia de startups que aplicam tecnologia de ponta e autora dos best-sellers “Marketing na Era Digital”, “Educar: A Evolução Digital (R) na Educação” e “Você, Eu e os Robôs”.

Educação em Pauta – Como o Brasil está inserido no mundo digital?

Martha Gabriel – O que a gente viu, especialmente depois da pandemia, é a aceleração de um futuro cada vez mais digitalizado, um caminho híbrido. Houve uma aceleração desse processo, no entanto isso aconteceu em algumas áreas e em outras não. As consequências disso que estamos vendo agora, nesse cenário nos últimos três anos, é a necessidade da cibersegurança. 

No Brasil e no mundo, a digitalização cresceu. Não só a conexão entre as pessoas e as possibilidades de inteligência, como também na infraestrutura que nos permite termos o blockchain (compartilhamento transparente de informações na rede de uma empresa) e a Internet das Coisas, além de vários dispositivos que estavam engatilhados, como o NFT (símbolo eletrônico que representa um bem) e o metaverso. O cenário atual é mais digitalizado, mas tem muita coisa para fazer, acompanhando as necessidades que o digital traz, principalmente em relação à segurança e à cultura. 

Educação em Pauta – Já que você referiu a cibersegurança, em alguns ambientes educacionais tem acontecido alguns vazamentos de dados. Qual é a sua análise a respeito disso?

Martha Gabriel – Leis, ferramentas tecnológicas e educação são fundamentais para garantir a segurança de dados, que está ligada à sustentabilidade. Uma invasão ou o mau uso de informações pode acabar com a vida de uma pessoa, destruir com uma instituição ou uma escola. É super sensível tratar a segurança.

As leis de proteção, como a GPDR, na Europa, e a LGPD, no Brasil, responsabilizam quem detém dados e faz com que se tenham cuidados necessários para essas informações. Não adianta só ter a lei e se não proteger por meio de educação e sistemas. Atitudes como abrir um e-mail suspeito ou ter uma invasão ao navegar um website são situações que estão relacionadas à educação das pessoas e à utilização de ferramentas adequadas. Além da tecnologia, é preciso educar alunos, professores e colaboradores da escola a utilizarem corretamente os dispositivos, orientando-os a detectar perigos, evitar comportamentos inadequados e assim por diante. 

>> Leia também: Segurança de dados: os cuidados necessários para proteger os alunos

Educação em Pauta – Quanto ao 5G, como você enxerga seu potencial no país?

Martha Gabriel – Ainda não está plenamente disponível, mas, na minha opinião, é extremamente importante que ocorra o mais rápido possível. O 5G não é só aumento de velocidade de conexão, tem mais benefícios agregados. Não é só para o usuário, mas sim para as instituições, permitindo uma maior coleta de dados. Essa tecnologia possui uma função muito importante para a Internet das Coisas, além de uma quantidade de dispositivos que conseguem configurar e colocar inteligência em seu sistema. Uma escola pode ter muitos pontos de coleta de informação em padrões de inteligência. 

O Brasil ainda está em processo de implementação. Em alguns lugares, como em São Paulo, onde moro, o 5G é bem presente, mas em outras regiões do país não pega nem direito o 3G. Existem vários “buracos negros” onde você não consegue ter esse acesso e isso é um problema. No caso da educação, gera um desnivelamento, pois oferece inteligência em alguns lugares e em outros não. O 5G está mais relacionado à inteligência de dados do que à conexão. 

>> Leia também: O que se pode esperar da Política Nacional de Educação Digital?

Educação em Pauta – Quais caminhos de inteligência artificial o Brasil deve seguir?

Martha Gabriel – Até estou escrevendo a segunda edição do livro “Educ@r – A (r)evolução digital na educação”, o que pode impactar isso na vida da gente. Há muito tempo, a inteligência artificial está presente nas várias dimensões de machine learning que usamos, como Google Buscas, Siri, Alexa, ChatGPT e mais uma infinidade de produtos. O grande problema é que no Brasil não somos produtores, só desenvolvemos em algumas áreas, como no agronegócio, que existe uma análise de avaliação de pragas, mas não para outros segmentos, como as edtechs

No nosso país temos vários ecossistemas de inovação de destaque, em São Paulo, Pernambuco, Paraná e Rio Grande do Sul, mas se não tiver uma fomentação sistêmica vindo do Governo, de cima pra baixo, para que conecte esses pólos, ter sinergia entre eles, fica difícil nos transformarmos em algo como acontece em Israel, no Vale do Silício ou em outros lugares pelo mundo. Temos ecossistemas que temos que nos conectar.

Recentemente, saiu uma notícia de que a China é o maior produtor de artigos de pesquisa de inteligência artificial. Me lembro de 2016, quando estive no Vale do Silício, em um evento no MIT, que, na ocasião, os representantes chineses apresentaram durante uma tarde como iam se tornar líderes mundiais nessa área até 2030, e isso aconteceu antes, pois estamos em 2023. Já o Brasil, nem aparece nesta lista.

O fomento da educação tecnológica tem a ver com a falta de talentos em tecnologia no mundo inteiro. As empresas estão buscando enlouquecidas, em tudo que é lugar, importando profissionais, e o Brasil segue exportando. As pessoas boas formadas aqui estão trabalhando fora do país. Temos esse grave problema, pois para trabalhar com tecnologia é preciso ter pessoas com capacitação na área. 

“Acredito que a verdadeira revolução na educação vai acontecer quando cada pessoa aprender o que quiser e com o máximo de potencial. O futuro da educação é híbrido em todos os sentidos.”

Martha Gabriel – futurista

Educação em Pauta – Em relação ao metaverso, veio para ficar no nosso dia a dia?

Martha Gabriel – O metaverso é um conceito antigo, que, na realidade, existe desde a era digital, como foi o caso do Second Life, que teve seu auge a partir de 2007. Atualmente, o Facebook teve uma grande contribuição, tanto é que mudou o nome para Meta, se apropriando do termo. Eu uso os óculos 3D Meta Quest para fazer reuniões com várias equipes e é sensacional, isso comparando com qualquer definição do que teve no passado. Além dos óculos, a Meta também contribuiu com um sistema de experimentação, tanto em ambientes corporativos, como com o Horizon, que é de realidade virtual social em 3D. 

A grande questão é que o metaverso não é só um mundo virtual 3D, é a fusão de tudo isso. A próxima versão que a Meta fará para o Horizon envolve mais interação do mundo on e off, com realidade aumentada, hologramas, interação de pessoas e de seus avatares. 

A partir de 2020, foi possível termos uma infraestrutura digital cada vez mais conectada, possibilitando novas soluções, como o mundo 3D e o blockchain, que conectam todos os ambientes on, off e 3D. Houve o desenvolvimento e a ampliação de ambientes dentro do metaverso, com e-mails direcionados para o site, jogos, entre diversos recursos.

Com a entrada mais forte do mundo 3D, existem mais possibilidades para as empresas. Algumas áreas estão sendo usadas de uma forma bem bacana, como as do marketing e educação, outras ainda estão sendo implementadas.

Educação em Pauta – O que você tem visto de interessante no metaverso na área da educação?

Martha Gabriel – Tem experiências em escolas em que os alunos entram em algum tipo de ambiente 3D que seria difícil de ver em sala de aula. É legal falar isso, porque na época do Second Life também tinha, não é uma coisa nova isso, mas as escolas passaram a usar mais agora, porque tem plataforma muito mais fácil de acessar, com internet banda larga disponível.

Tem experimentações que utilizam o ambiente 3D para crianças com algum tipo de fobia, sendo uma forma de estudos e terapia. Outra aplicação possível que as escolas podem fazer com o óculos Meta Quest é por meio de aplicativos. Eu utilizo um que é o Bit Laser, em que seus dois controles são sabres de luz vermelho e azul e você escolhe a música e vai cortando os cubos no espaço onde é marcado, é uma super ginástica em 15 minutos! Não sei se tem estudos relacionado, mas fiz dois cursos de Ciências Aplicadas na MIT e o fato de escutar a música, que aumenta a dopamina, e estar exercitando, ampliando a endorfina, esse trabalho do cérebro e do corpo é incrível, você fica realmente em um ambiente como se estivesse em um filme em um espaço sideral.

Se for pensar, um celular turbinado custa cerca de R$ 8,5 mil e um óculos da Meta está por R$ 3,5 mil, o que é mais barato e com mais recursos. Um deles é um aplicativo com a Netflix, com filmes mais imersivos. 

Imagine quando essa tecnologia tiver mais competitividade de custo? Surgirão mais tipos diferentes de óculos e parece que a Apple vai ter o seu. Por isso, a Meta tem uma grande contribuição, pois, mesmo que não sobreviva para contar a história, transformou uma cultura, com muita gente aderindo a isso. É a mesma coisa com o ICQ, que não sobreviveu para contar história, mas todo mundo que usa WhatsApp tem uma cultura que nasceu e foi alavancada pelo ICQ.

>> Veja o vídeo: Nós já vivemos no METAVERSO com Martha Gabriel

Educação em Pauta – Você já produziu muitos conteúdos sobre o marketing digital para a educação, que ficou mais latente a partir da pandemia. Como você avalia esse momento?

Martha Gabriel – Eu falo de marketing digital há mais de 10 anos. Antes de falar de marketing digital, tem que saber o que é marketing, ou seja, entender as necessidades do consumidor e fazer uma troca com eles. 

As escolas e as instituições de ensino acordaram para melhorar os processos de marketing em decorrência da pandemia, se elevando a um patamar de utilização de plataformas. O grande problema é que essas plataformas vão mudando constantemente e cada uma tem suas formas.

Dá para usar as plataformas digitais em três dimensões: para o marketing, para melhores processos e integração com os parceiros da escola e para a educação em si. Na dimensão da educação, por exemplo, o TikTok sofre constantes mudanças e, por isso, é preciso ter uma postura de se educar o tempo todo, trazer upgrade para entender o que está acontecendo junto aos alunos. Isso é complicado, pois tem estudantes entrando na escola ou indo para um curso superior, sendo que eles usam plataformas diferentes e de formas diferentes. Os professores têm que ter interação para entendê-las.

Falando de inteligência artificial com essas plataformas digitais, foi discutido no Fórum Econômico Social que a Austrália e outros países voltaram a usar lápis, caneta e papel nas provas por causa do ChatGPT. Essa ferramenta permite solicitar um texto de duas laudas sobre a descoberta do Brasil e os impactos que teve na vida dos indígenas. Se os professores não sabem que isso está disponível, que os alunos não estão fazendo textos incríveis, como orientar e avaliar? Como desenvolver habilidades humanas para usar de maneira adequada para ampliar utilizando a inteligência? Apesar de tudo isso, o ChatGPT pode ser utilizado para anúncios de marketing na escola.

Educação em Pauta – Essas seriam algumas das “habilidades digitais” que você costuma mencionar em suas publicações e palestras?

Martha Gabriel – As habilidades para o futuro estão relacionadas ao pensamento crítico, ao entender as ferramentas e à moral e ética. A tecnologia não tem moral e ética, não é um agente transformador. Eu gosto de falar que a inteligência sem amor e sem ética é destruição.

Educação em Pauta – Na sua visão, quais são os principais desafios da inovação?

Martha Gabriel – A inovação é a educação. Você não precisa de tecnologia necessariamente para inovar. É um método que você tenta entender o problema e direciona para achar a solução. Infelizmente, o Brasil se destaca pela criatividade, mas não está bem nos rankings de inovação justamente pela falta da cultura de inovação. Esse é o maior desafio. É preciso mais investimentos em projetos de experiência, sistematização e educação.

Educação em Pauta – E por fim, a revolução da educação: onde pode chegar o ápice?

Martha Gabriel – Essa é a pergunta de 1 milhão de dólares. Acredito que a verdadeira revolução na educação vai acontecer quando cada pessoa aprender o que quiser e com o máximo de potencial. O futuro da educação é híbrido em todos os sentidos. O que significa isso? É uma educação ativa e passiva, o micro learning com livros enormes, cursos de 5 minutos a 1 hora, materiais offline e online, ou seja, todas as possibilidades educacionais ao seu dispor e utilizar naquele momento adequado para você, com ajuda ou não de um tutor. Esse é o patamar que chamo de smart education, com dados pregressos para ajudar. 

Um exemplo é quando estamos estudando sobre novas áreas e, em função das minhas competências, preciso entender o que falta para crescer naquilo que tenho interesse, em qual direção seguir. Em uma tese de doutorado se tenta um caminho, vai para um outro e vai construindo o conhecimento. Agora, se você tem um sistema que te ajuda a entender teus pregressos e oferece conhecimento de acordo com o que precisa, amplia sua inteligência. 

No caso do ChatGPT, você faz as perguntas conforme aquilo que é considerado expert e o sistema sempre vai apontar alguma coisa de um outro ângulo. Talvez fosse uma coisa que sozinha não fosse olhar, mas o sistema me deu essa possibilidade do que posso fazer. Então, o caminho é o smart education, não importa a idade, se é aluno ou professor, o que é importa é um indivíduo estar aprendendo processos eternamente de forma crescente, de acordo com suas necessidades. 

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