Quais os reais impactos da portaria do MEC na execução do Novo Ensino Médio
Lideranças da Educação frisam que legislação em vigor não sofre alteração – escolas devem manter a implantação normalmente
Surpreendente, mas não tanto. A portaria publicada pelo Ministério da Educação (MEC) no dia 4 de abril trouxe uma medida que não era esperada: a suspensão temporária do cronograma de implantação do Novo Ensino Médio. Há poucos dias, especialistas e gestores ouvidos pelo Educação em Pauta não acreditavam que isso pudesse ocorrer.
Eles já alertavam que uma eventual revogação significaria voltar a um sistema de ensino comprovadamente falho e insuficiente. Isso, combinado ao momento político, além de não estar entre as prioridades do governo, parecia significar um desgaste desnecessário. Mas não foi o que entendeu o ministro Camilo Santana.
O texto prevê que a suspensão do cronograma dure 60 dias – a contar depois de concluída a Consulta Pública para avaliação e reestruturação da política nacional de Ensino Médio. Essa consulta, também defendida pelos gestores e especialistas, fora instituída pela Portaria Nº 399, de 8 de março deste ano, com prazo de 90 dias (podendo ser prorrogada), mais 30 para a apresentação do relatório.
Não havendo qualquer prorrogação, o cronograma seria retomado oficialmente no começo de agosto. O governo alega que não houve diálogo suficiente antes de começar a implantação, portanto, a ideia seria ganhar tempo para o debate e os aprimoramentos necessários. Na prática, no entanto, a Portaria Nº 627 tem efeito praticamente nulo.
Em nota, o Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (SINEPE/RS) manifestou contrariedade à medida. Além de marcar posição, a entidade faz questão de lembrar que a lei continua vigente e o planejamento pedagógico de 2023 está mantido.
“Não altera muita coisa porque cria a suspensão de um cronograma, mas ele é anual e a suspensão é de 60 dias. Tem pouco efeito prático, no sentido que o MEC estaria dentro desse processo de discussão de 90 dias, para fazer eventuais propostas de ajustes”, observa o ex-presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) Eduardo Deschamps, professor da Universidade de Blumenau.
Para Deschamps, o momento é de ter serenidade, pois há muito ruído no debate sobre o tema. É importante separar o que precisa de ajuste do que se restringe à movimentação política. A solução é aguardar a finalização da consulta para ver que pontos de adequação o MEC vai propor.
Maria Helena Guimarães de Castro, que também esteve à frente do CNE, saúda a iniciativa de diálogo que parte do MEC, mas também é crítica à suspensão do cronograma. “Achei não só desnecessária, como totalmente sem sentido, porque não é o MEC que define o calendário, são os sistemas de ensino. Criou um clima de insegurança e imprevisibilidade muito grande nas escolas que já estão cursando o segundo ano do Novo Ensino Médio”, aponta.
Ademais, ela ressalta que o projeto foi fruto de um longo debate e lembra que a lei só foi aprovada em 2017, depois de alguns anos na pauta dos especialistas. As diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foram definidas em dezembro de 2018 e, quando os Estados começaram a discutir as propostas curriculares, veio a pandemia.
“Depois, houve atraso na implementação. Deveria ter sido em 2021, mas foi em 2022, por causa da pandemia. Então agora é preciso tranquilizar os estudantes, as famílias, escolas, professores, não é para criar tensão”, defende.
O presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), Bruno Eizerik, vai na mesma linha. Ele alerta que é preciso compreender, antes de mais nada, o que é atribuição do MEC, a fim de evitar a apreensão do setor educacional. “Já temos uma lei e ela determina a implementação do Novo Ensino Médio. Então, temos uma lei federal, votada e aprovada no Congresso Nacional, que determinou que desde o ano passado, até 2024, teríamos a implementação. Essa lei vai ser seguida e o MEC não tem poder, por uma portaria, de suspender”, frisa Eizerik.
A publicação da medida tende a criar um clima de insegurança, por isso é importante deixar explícito que não existe risco de ser freada a implementação do Novo Ensino Médio – a menos que uma nova lei cumpra todo o rito no Congresso Nacional, o que demanda tempo. A versão em vigor, por exemplo, tramitou por cerca de cinco anos. Segundo Eizerik, a orientação da Fenep é para continuar com o que estava previsto para acontecer em 2023.
Sem preocupação
A implantação do Novo Ensino Médio vem conquistando alunos e responsáveis da rede privada. Na Escola Educar-se, de Santa Cruz do Sul, a medida anunciada pelo MEC não causou qualquer instabilidade.
“Não tivemos nenhum questionamento se haveria revogação”, conta a coordenadora pedagógica, Geovane Aparecida Puntel. Segundo ela, a instituição vai manter o cronograma pelo menos até o fim deste ano e aguardar as próximas decisões. “Vamos permanecer com o que a gente construiu. Os professores também estão bem tranquilos. Continuamos trabalhando normal”, conta.
Essa tranquilidade pode ser creditada à maturidade do projeto implementado pela escola, que lança mão da co-irmã Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) para oferecer laboratórios e atividades integradas aos itinerários formativos. “Teve toda uma instrução por parte do grupo, que não quer perder isso. Todo o trabalho feito e o engajamento que tivemos, para agora simplesmente retroceder e começar de novo? Essa questão dos professores não questionarem é porque o projeto é nosso, não foi imposto por alguém”, ressalta a coordenadora. A expectativa da diretoria da escola é que sejam feitos ajustes, naturais em qualquer processo de mudança. A caminhada, neste caso, não seria desconsiderada.
ENEM continua sendo incógnita
“Na verdade, o MEC não sabe muito bem o que fazer”, acredita Bruno Eizerik. Ele diz que a saída é mais simples do que se imagina: fazer a edição de 2024 do exame dedicada à BNCC. “Se os itinerários ainda não estão bem organizados, se tem uma dúvida de como avaliar os itinerários, faz-se um único dia do ENEM, ou um com a redação e outro que avalie a BNCC, que todas as escolas que estão trabalhando o Novo Ensino Médio aplicaram nestes anos”, sugere.
Maria Helena lembra que a definição do ENEM deveria ter sido comunicada no fim de 2021, para que as escolas implementassem o Novo Ensino Médio cientes de como seria a prova. “Essa portaria aumenta a expectativa e adia mais a definição do ENEM. Essa parada é desnecessária, sou contra. As escolas estão implementando, os alunos estão na escola, o ano letivo está andando. Não pode parar”, reforça. O ideal, segundo ela, seria ter uma sinalização do MEC no sentido do diálogo, das audiências, mas sem parar a implementação.
A incerteza é tamanha, que a coordenadora pedagógica da Escola Educar-se consegue, no máximo, fazer uma suposição. “A gente já percebeu que, pelo visto, vai permanecer o ENEM no formato que vinha acontecendo, então teremos que focar para dar conta de revisar e aprofundar as questões da Formação Geral Básica (FGB). Mas não vamos deixar de fazer o projeto em si, a menos que vire uma legislação e a gente precise retroceder”, sustenta.
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