Segurança na escola e o papel de zelar sem oprimir

Recentemente, um ataque a tiros deixou uma aluna morta e três feridos na Escola Estadual Sapopemba, em São Paulo; aluno de 15 anos seria o autor dos disparos

por: Tatiana Py Dutra | Especial
imagem: Freepik

Um levantamento feito pelo Instituto Sou da Paz apontou que nos primeiros seis meses de 2023, o Brasil registrou o maior número de ataques em escolas brasileiras em 20 anos. Foram sete ataques armados, de um total de 25 em duas décadas. O crescimento das ocorrências e a exploração midiática dos crimes abriram espaço para a percepção de que a violência nesses ambientes aumentou. Em um episódio mais recente, na Zona Leste de São Paulo, uma aluna morreu e outros três ficaram feridos após um ataque a tiros dentro da Escola Estadual Sapopemba. O autor dos disparos, segundo a Secretaria de Segurança Pública, é um adolescente de 15 anos, aluno da instituição, que entrou armado no colégio. 

O choque social provocado por esses episódios de violência levou muitas casas legislativas a elaborarem leis para ampliar a segurança das instituições – desde a obrigatoriedade do uso de recursos tecnológicos para controle de acesso aos colégios até simulações de emergência. Uma destas propostas é a apresentada pelo senador Cleitinho (Republicanos-MG). Seu projeto de lei 3.632/2023 prevê que escolas públicas e privadas mantenham pelo menos um profissional de segurança portando arma de fogo. 

“Professores, alunos e funcionários se sentirão mais seguros. Além disso, o agente de segurança poderá controlar a entrada de certos bens nas escolas, revistando alunos, mochilas, sacolas e malas onde possam ser escondidas armas e explosivos. Por outro lado, se ainda assim se aventurar a atentar contra as crianças, o criminoso sofrerá resistência eficiente por parte do agente de segurança”, defende o senador.

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A professora associada da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), Catarina Almeida Santos, critica a proposta. Ela argumenta que é uma ilusão acreditar que as armas reduzirão a insegurança no ambiente escolar, já que mesmo escolas militarizadas foram alvo de ataques, como o caso ocorrido em Barreiras (BA) em outubro do ano passado.

“As instituições mais armadas e vigiadas que temos no Brasil ou no mundo são as unidades prisionais, e nem por isso elas têm se tornado espaço de menos violência. Ao contrário. E a  escola se tornou alvo de uma sociedade cada vez mais violenta. Mas os ataques não estão relacionados ao tráfico, à guerra urbana, à intolerância ou ao ódio. Então, a solução é armar a escola, aprisionar a escola e deixar de lado aquilo que está provocando esses ataques? Com guarda armado ou não, aqueles que quiserem fazer um atentado vão encontrar mecanismos outros para fazer isso, já que a causa do problema, não estamos encarando”, destaca.

O especialista em segurança escolar e consultor de escolas associadas do SINEPE/RS, André Steren, não chega a afirmar que é contrário a essa medida, mas indica que a presença de vigilantes armados é supervalorizada no imaginário geral.

“Ele é a ponta do iceberg quando a gente fala num projeto de segurança escolar. Até porque quando falamos em armas nas escolas, temos que colocar também nessa balança se ele pode reagir e como vai reagir. Daqui a pouco, esse armamento pode trazer problemas até piores para a escola. Ele pode, se mal preparado e mal treinado, colocar em risco o público escolar”, comenta.

>> Assista ao vídeo do especialista André Steren com mais dicas sobre procedimentos voltados à segurança escolar no SINEPE RS PLAY

Criando um plano de segurança

Steren incentiva as escolas a desenvolver um projeto sólido e organizado de segurança, que pode envolver também a criação de um departamento próprio, com uma equipe encarregada de mapear as necessidades da escola e decidir as melhores alternativas a adotar em cada frente, sem jamais deixar o comando das operações.

“É um erro comum das escolas contratar uma empresa de segurança terceirizada, terceirizando também o problema da segurança. Mas a empresa é apenas uma fornecedora de equipamentos, de mão de obra, mas não pode tomar as decisões pela escola, porque ficaria muito vulnerável a erros e, principalmente, à falta de controle”, esclarece.

Mais do que investir em câmeras, interfones, alarmes, cercas e muros, também caberia ao setor de segurança escolar a contratação de profissionais qualificados e o desenvolvimento de protocolos de ação que os orientem.

“Qualquer projeto de segurança em escola, necessariamente envolve a rotina, o trabalho e o envolvimento de todos. Do porteiro, da terceirizada, do profissional do pátio, todo mundo tem que fazer uma partezinha. O departamento tem que contar que tudo esteja organizado ao ponto de que as informações de segurança cheguem até a direção e, a partir dessa informação poder trabalhar o dia a dia. Então, um departamento pode decidir usar a segurança externa através de empresa terceirizada, mas deixar a recepção com um funcionário da escola. As câmeras vão ser instaladas por terceirizada, porém o controle de acesso vai ser feito pela escola. Não existe uma ciência exata de qual é o melhor formato. Não necessariamente o que se faz em uma escola e dá para fazer pode ser aplicada em outra. É preciso ver qual é o nicho de cada escola, como é o público escolar, e a partir daí construir a sua identidade de segurança própria”, explica. 

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Ações de prevenção

Steren destaca ainda a prevenção como um método efetivo para reforçar a segurança nas escolas. E desta etapa não apenas professores e funcionários ficam incumbidos, mas também a família.  

“A família tem um papel fundamental. Quando se fala em detector de metais, por exemplo. Essa é uma questão muito mais ostensiva do que prática, porque não tem nada melhor do que a própria família ajudar a escola no monitoramento. Imagina se as famílias sabem da importância de revisar a mochila do aluno, de avisar a escola que ele não está bem e tudo mais, a gente pode evitar qualquer tipo de ocorrência com ajuda da família. Não precisa a escola ter que fazer uma checagem de mochila se a própria família faz essa checagem. Todo mundo tem que fazer parte desse processo”, diz.

A implementação de programas de saúde mental nas escolas também conta a favor da segurança, acrescenta Steren:

“Se chega num momento em que a criança ou o adolescente está em surto ou pensando em fazer ataque, é porque se passaram várias etapas. Então, as escolas também estão entendendo e implementando medidas de prevenção emocional, seja por atividades, como palestras e acompanhamentos. Talvez a novidade seja o monitoramento. É o colégio acompanhar o emocional dos alunos através da informação, através de relatos e de denúncias”, comenta.

Pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, Luiz Renan Theodoro de Oliveira destacou a importância de as escolas terem uma maior integração de serviços de atendimento psicológico, serviços de saúde e de atendimento social para toda a comunidade escolar, desde alunos a funcionários. 

“A gente está correndo atrás da sensação de segurança, mas esquecemos de construir relações seguras, espaços seguros. A solução para isso passa pela escola ser um lugar seguro, as pessoas têm que ter segurança na escola para tratar dos seus conflitos, para tratar dos seus dilemas. Para não serem oprimidas por serem de um jeito ou de outro, por pensarem de uma forma à direita ou à esquerda. A escola não pode ser esse lugar de opressão, não pode ser o lugar de repressão dos problemas”, diz.

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