Setembro Amarelo reacende debate sobre prevenção ao suicídio
Psicanalista e advogada comentam estratégias para discutir o tema nas instituições
No último dia 12 de agosto, um estudante de 14 anos, aluno de um colégio privado na cidade de São Paulo, cometeu suicídio. Com mais uma campanha dedicada à prevenção do suicídio começando, o Setembro Amarelo, o caso tornou-se tema de muitos debates dentro da comunidade escolar. Como acolher estudantes que apresentam sinais de sofrimento e como debater um assunto tão delicado?
Para o psicanalista Julio Walz, o suicídio é um tema complexo e de difícil abordagem para qualquer profissional, instituição e também para as famílias. No caso do estudante paulistano, os relatos de bullying foram apenas a camada mais observável de indicação de sofrimento do adolescente. “Muitas vezes, casos muito graves e difíceis são observados com vista grossa, porque temos dificuldade de ver coisas graves. Isso é humano”, explica.
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Walz orienta que, no caso do jovem relatar aos pais alguma agressão, seja física ou verbal, ou diferenciação de tratamento por parte de colegas, deve-se abrir um diálogo com o adolescente e validar seus sentimentos. Também é necessário informar a escola sobre o que está acontecendo, para que a instituição esteja ciente, possa observar e, se possível, agir para que os ataques não se repitam. “Além disso, quando um adolescente se sente vítima, está triste, quieto e se sentindo sem saída ou apático, cabe buscar uma avaliação profissional”, orienta o psicanalista.
Abordar o suicídio entre os jovens pode ser um desafio para as instituições, mas Walz traz como estratégia tratar o assunto de forma indireta. A adolescência, segundo ele, é um período do desenvolvimento em que estamos mais próximos do entusiasmo pela vida. Mais do que investir em palestras sobre o tema, é preciso proporcionar aos adolescentes ambientes de vida, projetos institucionais de cultura, de arte e de esporte. Criar oportunidades para os estudantes se engajarem são alternativas para que eles possam lidar com momentos de tristeza que fazem parte do amadurecimento. “Todo adolescente precisa de um grupo fora da família para aprender a viver fora de casa. E aqueles que preferem o isolamento de tudo, sem entusiasmo para nada, deveriam ser alvos de ações mais específicas de profissionais de saúde mental ou assistentes sociais”, avalia Walz.
Investir em processos de inclusão também é algo importante para as instituições trabalharem o convívio com as diferenças. Porém, é preciso estar ciente de que isso pode gerar conflitos e alguma dose de sofrimento para alguns estudantes. Trabalhar a capacidade de tolerar opiniões e realidades diversas é o ponto central que deve ser o norte das escolas. Walz alerta que o convívio humano é difícil por si só, mas pode ser impossível se houver a predominância da ideia de superioridade de algumas pessoas sobre outras. “É o grande desafio em tempos de crenças arrefecidas por fundamentalismos e menosprezo do outro, seja qual for. E aqui o espaço escolar é que melhor pode oferecer e favorecer projetos de vida”, finaliza.
Bullying e Cyberbullying
A presença do bullying dentro do caso do estudante de São Paulo também alerta para uma questão jurídica. A Lei 14.811/2024, que introduziu o crime de bullying no Código Penal Brasileiro, trouxe um novo panorama para casos que ocorrem dentro das instituições de ensino. Cláudia Bressler, advogada especializada em direito digital e professora, orienta que, ao informar a escola sobre a prática de bullying ou cyberbullying contra algum estudante, a instituição deve adotar ações preventivas e educativas. “Vale lembrar que os encaminhamentos podem tanto envolver os profissionais que realizam os atendimentos externos, como psicólogos, médicos e terapeutas, como, em situações mais graves, pode haver o envolvimento da autoridade pública”, esclarece.
A advogada ressalta que o suicídio tem causas multifatoriais, mas o investimento das escolas na prevenção dos casos de bullying e também cyberbullying são essenciais para se cosntruir um ambiente mais saudável, onde o adolescente se sinta à vontade para expressar suas emoções. “A escola tem a riqueza do espaço de convívio, na sua multiplicidade e complexidade, como reflexo da diversidade social. Portanto, precisa ocupar o lugar de quem percebe o funcionamento da sociedade, oportuniza a reflexão crítica e orienta para os comportamentos pautados pela ética e pelo cumprimento da lei”, sinaliza Cláudia.
Alguns dias após o suicídio do estudante paulistano, alunos da instituição onde ele estudava e onde teriam ocorrido algumas das agressões protestaram, alegando que a escola não teria tomado as medidas necessárias para evitar novos ataques ao jovem. Cláudia explica que nas ações judiciais envolvendo instituições de ensino, estudantes e o bullying ou o ciberbullying, os registros em redes sociais ou grupos de troca de mensagens podem ser utilizados como prova. No entanto, somente quando existe evidência de omissão ou negligência da escola para com fatos é que se pode cogitar uma responsabilização.
Muitas vezes, espaços paralelos de comunicação criados por estudantes ou pais mas que não possuem a mediação da instituição de ensino podem gerar situações de conflito e as famílias podem pedir a intervenção da escola. “É importante que haja um posicionamento claro da escola diante desta realidade. No entanto, mesmo que não seja o canal oficial de comunicação da instituição de ensino, diante da ciência quanto à existência de conflitos envolvendo alunos, é importante buscar assessoramento para a forma de intervenção”, orienta a advogada.
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