Setembro Amarelo: um debate sobre o tema e a importância da escola

Médico psiquiatra do Hospital São Lucas da PUCRS, Lucas Spanemberg faz reflexões em relação ao comportamento entre os jovens

por: Eduardo Wolff | eduardo@padrinhoconteudo.com
imagem: Freepik

Mais de 700 mil suicídios são registrados em todo o mundo ao ano, sem contar com os episódios subnotificados, que podem contabilizar mais de 1 milhão de casos. No Brasil, os registros se aproximam de 14 mil casos por ano, uma média de 38 suicídios por dia. Os dados são da Organização Mundial da Saúde (OMS)

Extensivo ao Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio (10 de setembro), desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), realiza a campanha Setembro Amarelo no Brasil. O objetivo é trazer informações atualizadas sobre suicídio para conscientizar a sociedade e colaborar para a prevenção no país. 

Para esclarecer mais sobre esse delicado assunto, o Educação em Pauta entrevistou o médico especialista em Psiquiatria pelo Hospital São Lucas e professor da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Lucas Spanemberg. O médico também pesquisa e tem colaborações em temas como transtornos mentais graves e internação e emergência psiquiátrica. 

Spanemberg é autor do livro “Manual de Internação Psiquiátrica” (2021), além de participar de mais de 40 artigos originais e capítulos de livros, com parcerias com pesquisadores de diversas universidades em diversos países. 

Educação em Pauta – Na sua visão, o Setembro Amarelo tem conscientizado mais a população? 

Lucas Spanemberg – Sim, este é o momento de se fazer reflexões e ter mais esclarecimentos. O suicídio é um tema super sensível, cheio de tabus e preconceitos. É preciso trazer informação qualificada, abordar estratégias preventivas e entender o que está relacionado. Tudo isso para evoluir em campanhas que possam ter impacto na saúde pública e mitigar algo que é um problema de grande escala em termos de morbidade e mortalidade na nossa sociedade.

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Educação em Pauta – Têm surgido novas estratégias preventivas para inibir os suicídios?

Lucas Spanemberg – Quando se fala em suicídio, a gente tem que entender que é uma condição multifatorial. Não tem um fator isolado que possa entender como única causa do suicídio. São indivíduos que estão passando por uma crise. Um dos fatores mais importantes na crise suicida é a relação com transtornos psiquiátricos. Frequentemente, um diagnóstico psiquiátrico que não está sendo adequado ou não está compensado. A depressão é uma das principais causas, mas tem outros diagnósticos, como transtorno bipolar e transtornos psicóticos, que podem ser esquizofrenia, abuso de substâncias e transtorno de personalidade. É uma série de situações psiquiátricas que envolvem o aumento de risco de suicídio. 

Existem contextos socioeconômicos, crises pessoais, conflitos interpessoais, gatilhos ambientais, vulnerabilidades biológicas e genéticas. Não é reconhecido se tem um gene do suicídio, mas tem uma série de pessoas que têm mais vulnerabilidade para serem impulsivas. Existe também um controle inibitório que está relacionado a algumas questões hereditárias. Então, aqueles que têm algum caso de suicídio na família, principalmente em familiares de primeiro grau, têm maiores chances de ter um comportamento suicida. 

São muitos fatores relacionados e para cada um deles é preciso mapear, entender e intervir. Para esclarecer isso, por exemplo, é necessário fazer o diagnóstico psiquiátrico, fazer o tratamento da condição de base e entender a crise suicida. Na maioria das situações, a crise passa e é possível, de alguma maneira, ter janelas de intervenção. Acredito que o fato de esclarecer as pessoas sobre isso, sobre os fatores gerais do suicídio, já é bastante coisa para a gente ir adiante nesse tema.

Educação em Pauta – A partir de qual idade pode iniciar um comportamento suicida? 

Lucas Spanemberg – Não existe uma idade em que o risco de suicídio apareça necessariamente. Pode aparecer na infância, no entanto a adolescência é uma fase de conflito. É uma fase de vulnerabilidade biológica, de transformação social, hormonal e corporal em que os indivíduos estão mais sujeitos à instabilidade. A regulação emocional ainda não está madura, pois lida mal com as frustrações. É um ciclo da vida em que esse comportamento suicida aparece bastante.

Educação em Pauta – Por serem mais vulneráveis, os adolescentes costumam dar sinais mais característicos?

Lucas Spanemberg – O suicídio é um desfecho. O comportamento suicida é um tipo de fenômeno que acontece a partir de uma série de outros problemas anteriores. Ninguém acorda com o pensamento suicida, as pessoas vão desenvolvendo sofrimentos que podem se acumulando e que podem desencadear algum um tipo de pensamento que a solução é terminar com sua vida. 

Os adolescentes costumam se isolar, perder sua funcionalidade. Também acontece a evasão escolar, em que a pessoa deixa de participar de eventos familiares, gerando uma atitude mais evitativa. Isso pode desencadear o uso de drogas ilícitas e sintéticas, com comportamentos disruptivos e conflitos interpessoais; além de ficarem sem projetos de vida e esperanças. Esses tipos de sinais, as “red flags”, necessitam de cuidado e avaliação.

Educação em Pauta – Essas “red flags” que você mencionou, podem ser provocadas por bullying ou cyberbullying na escola?

Lucas Spanemberg – Sem dúvida, é um tipo de comportamento coletivo. Hoje em dia, se reconhece mais esse fenômeno. Talvez seja uma das situações de maior impacto na saúde mental de um indivíduo que está se desenvolvendo, com necessidade de pertencimento. Em um certo momento, está sendo alijado e humilhado, sofrendo uma violência psicológica, repercutindo em sua autoestima e causando um sofrimento intenso. 

Existem campanhas antibullying nas escolas, além de iniciativas de discussão entre os próprios estudantes que podem ser protagonistas ativos e serem agentes de monitoramento. Eles podem falar sobre as consequências e também mapear as vítimas. É muito comum que um perpetuador de bullying tenha sido vítima em determinado momento.

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Educação em Pauta – E como os pais podem estar mais atentos às crises suicidas?

Lucas Spanemberg – Eles têm um papel fundamental e insubstituível. A educação começa em casa com um olhar sensível, próximo e implicado. Não tem um manual sobre como agir com os filhos, mas tem uma prerrogativa da parentalidade, um interesse e uma dedicação mais intensa com os mais jovens. As crianças ainda não sabem como o mundo funciona e os adolescentes têm seus conflitos. 

Então, é importante estar perto dos filhos, saber o que está acontecendo, induzir a diminuir o uso do celular nas redes sociais, ter tempo com qualidade e conhecer com quem os filhos se relacionam. Além disso, participar da rotina deles, saber o que estão fazendo no tempo livre, quais são os seus sofrimentos e como é que está a vida escolar. 

Educação em Pauta – E o papel da escola no meio desse problema de saúde mental? 

Lucas Spanemberg – É um papel complexo, porque, ao mesmo tempo, é um papel de esclarecimento, de trazer informação, fomentar discussões e mediar relações das crianças e dos adolescentes que estão nesse ambiente. Às vezes, é o espaço ou o momento do dia a dia deles mais intenso de trocas, de relações. 

A escola pode se articular, não só com a família, mas com outros setores e se apropriar de uma realidade mais fluída. Pode revisitar sua estrutura pedagógica, capacitando e cuidando dos seus recursos humanos. Afinal, um professor com sofrimento mental não terá tantas condições de trazer contribuições. É preciso um olhar ampliado, articular ações para essas fases sensíveis de nossas vidas que são a infância e a adolescência.

Educação em Pauta – Ou seja, a saúde mental dos professores é essencial para esse amparo aos jovens.

Lucas Spanemberg – Exatamente. Um professor adoecido, desmotivado e estressado pode estar sendo um outro fator estressor para uma fase em que crianças e adolescentes não têm tanta capacidade de regulação. Dessa forma, os professores farão mau uso das suas experiências de vida. Cuidar da saúde mental de educadores e todos os envolvidos no ambiente escolar é uma ação fundamental e imprescindível para que a escola tenha mais condições de cumprir seu papel. 

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