Aprendizagem criativa deve ganhar mais espaço no currículo

Pela primeira vez, o Pisa vai avaliar a criatividade em estudantes de todo mundo, o que indica reflexões de como estimular essa habilidade em sala de aula

por: Eduardo Wolff | eduardo@padrinhoconteudo.com
imagem: Depositphotos

A criatividade possui diversos mitos e barreiras. Uma delas é de que a pessoa precisa ser um gênio. Outra induz que necessita ter algum tipo de dom. Ou de que as boas ideias surgem de repente ou que estão restritas apenas a algumas áreas, como as artes. 

Na verdade, a criatividade parte do princípio de que não se tenha medo de errar, é apenas um processo e acessível a todos. Uma escola, por exemplo, pode ser um ambiente que promova a confiança criativa dos seus estudantes, criando possibilidades diversas para desenvolver o seu autoconhecimento. 

Em entrevista especial concedida para o Educação em Pauta, o diretor da área de Educação e Habilidades da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Andreas Schleicher, defendeu que, quando testamos o conhecimento criativo dos alunos, não queremos saber se é capaz da resposta certa ou errada, mas sim se pode partir para um pensamento divergente, se pode interpretar a originalidade dos pontos de vista. 

“É o desafio da formação, porque o que fazemos tipicamente num teste é saber se o estudante encontra a resposta que nós tivemos quando construímos a prova. Mas estamos procurando por estudantes com perspectivas, ideias, capacidade de imaginar, construir e criar”, frisa.

Esse estímulo ao pensamento criativo ganhou novos horizontes pelo mundo. Uma iniciativa que representa esse movimento é a inclusão desse requisito no teste do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) relativo ao ano de 2022, que começou a ser aplicado em abril no país. Muitas informações poderão ser norteadoras para entender, principalmente, como os jovens brasileiros estão sendo inspirados quanto a essa habilidade. 

Independentemente dos dados coletados, o que pode já ser desenvolvido na rede de ensino do país?

Desenvolvimento da aprendizagem criativa

Muitos estudos mostram que a inserção da criatividade na escola aumenta a sensação de bem-estar, leva ao aumento da frequência e melhora o desempenho, porque motiva alunos a participar, dar ideias e explorar possibilidades.

Para ampliar as discussões em relação ao tema, o Instituto Ayrton Senna lançou o “Criatividade e pensamento crítico: um guia para pensar agora e criar futuros”. O documento  sugere que: “ao invés de ser o único centro detentor de respostas, o professor estimula questionamentos e a construção conjunta do conhecimento. Outro princípio básico de uma educação integral é o de que o professor faz parte da solução e não do problema, tanto quanto o estudante”. Na visão do Instituto, o pensamento criativo não deve tomar o tempo das competências técnicas exigidas nos currículos.

Para a doutora em Psicologia Evolutiva e da Educação e professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Bettina Steren dos Santos, a criatividade deve ser incluída como princípio básico da formação dos estudantes, desde o início da escolaridade. “É preciso promover ações que façam os alunos interagir e problematizar os temas tratados em aula”, salienta.

O professor pode desenvolver atividades de aprendizagem e, por ser uma abordagem pedagógica, a criatividade pode ser envolvida em diferentes atividades, sempre atrelada ao currículo. É o que sinaliza a pós-doutora em Informática na Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e articuladora nacional da Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa (RBAC), Fabiana Lorenzi. 

A especialista sugere que quando os conteúdos são mais difíceis de ensinar, do aluno compreender, essa é a oportunidade de desenvolver atividades diferentes, de maneira criativa. 

Para contribuir com esse aprendizado, a escuta ativa se faz necessária, independentemente de qual o tipo de conteúdo a ser estudado pelo estudante, seja escrevendo um poema, desenvolvendo um código de programação, realizando um cálculo matemático. “A criatividade não é só parte das artes, ser criativo é muito amplo. O educador precisa perceber que tudo isso é amplo. É ouvir seus alunos e entender o que gostam de trabalhar”, ressalta. 

Criar um ambiente com pensamentos livres

Para tornar o estudante um protagonista na aprendizagem, por meio da criatividade, um recurso já utilizado no ensino é a metodologia ativa. É uma maneira prática para que crianças e jovens aprendam, interajam e tragam ideias. Esse processo traz o aluno como o centro do processo, permitindo possibilidades de errar para depois acertar, conforme explica a pedagoga Débora Hack, pesquisadora da Abordagem Reggio Emília (a qual a criança deve ser a protagonista na construção do seu conhecimento) e gerente de projetos e produtos educacionais na BEĨ Educação.

É possível desenvolver esse tipo de estratégia de ensino dentro da educação básica. “Nos anos iniciais é até mais fácil trazer isso. O educador pode entender melhor a construção dos pensamentos das crianças”, aponta.

Outra indicação da pedagoga é trabalhar esse método com a interdisciplinaridade. A especialista exemplifica uma dinâmica na qual o trabalho é a busca de soluções para uma cidade. As possibilidades de convívio de uma população envolve as ciências sociais, a comunicação e a montagem de um projeto estão atrelados ao português e às artes e questões tecnológicas envolvem a física e a matemática. É utilizar essas habilidades em torno de uma mesma proposta, com o envolvimento de docentes de diversas áreas de saberes.

Desse tipo de dinâmica podem ser salientados dois fatores. O primeiro é a promoção do protagonismo do aluno no processo de aprendizado, as possibilidades de criar soluções para melhorar a vida das pessoas. Como é compreendido e organizado esse contexto, o jovem encontra soluções a partir dos seus desejos, assim realizando exercícios de criação para transformar esse ambiente.

O segundo fato é de que o próprio exercício da criatividade, que possibilita a exploração livre, as questões disruptivas que não existiram. Para os alunos fará mais sentido aprender dentro do momento o qual estão vivendo. Assim, vão compreender o que, para gerações anteriores, fazia sentido e, atualmente, não se aplica mais. 

A proposta é criar um ambiente livre para pensar de forma libertadora e até absurda – até um determinado momento, para que, quem sabe, ser uma possibilidade de aplicação. “Um exemplo são os protótipos, que ajudam para que isso aconteça. O ‘mão na massa’ possibilita testar sem limites. O aluno traz a sua história e desenvolve a ideia”, pontua. 

O método de “aprender fazendo” foi matéria abordada no site

Ampliar a formação dos educadores

Para que a criatividade seja efetivada em sala de aula, é preciso promover a formação continuada e homologia de processos aos educadores. Para ensinar, as vivências e aprendizados dos professores necessitam ser também por meio de atividades “mão na massa”. Caso contrário, se for somente no formato de palestras, a maneira de lecionar continuará no modelo tradicional. 

A formação continuada e seus novos formatos foram temas em reportagem neste site. 

Débora destaca que esse processo de mudança de como ensinar não é algo fácil de ser realizado, mas essencial para gerar resultados expressivos. Se uma aprendizagem for significativa ao estudante, que inclui outros colegas na construção de ideias, fará muito mais sentido. “É tudo aquilo que nos afeta, tem a ver com relações, como é a minha prática do dia a dia”, complementa.

Aliás, a troca de conhecimentos deve ser partilhada entre os próprios docentes. É promover diálogos do que sentiram e de como se envolveram em determinadas dinâmicas de aulas.

Na aprendizagem criativa, o papel do educador se transforma. A construção do conhecimento é feita pela mediação. “O professor segue sendo a peça-chave. É aquele estimula, direciona e possibilita respostas do estudante”, conclui.

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