Complexo de Formação de Professores da UFRJ deixa lições importantes

Iniciativa teve a participação de António Nóvoa em sua concepção e trabalha com a aproximação entre Ensino Superior e Educação Básica com fundamentação no conceito de Casa Comum

por: Pedro Pereira | pedro@padrinhoconteudo.com
imagem: Freepik

Não por acaso, a formação de professores é assunto recorrente no Educação em Pauta. O gargalo é apontado com frequência, pelos especialistas, como um dos principais entraves para o desenvolvimento da educação em nível nacional. Ainda que trabalhe a formação continuada, no ensino privado o cenário não é muito diferente: com desafios novos a cada instante, a capacitação de docentes e gestores é uma preocupação incessante.

Ciente desse cenário, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) resolveu dar atenção especial ao tema. Assim, foi criado o Complexo de Formação de Professores (CFP). Para se ter uma ideia da importância dessa iniciativa, a universidade conta com apenas dois complexos: o hospitalar e o de formação de professores. “Isso sinaliza muito esse compromisso republicano da universidade pública com saúde e educação”, aponta a ex-diretora da Faculdade de Educação da UFRJ e atual representante da instituição no Complexo de Formação de Professores, Maria Muanis.

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O complexo surge da compreensão de que é papel das instituições públicas promover uma formação qualificada de professores, mas é possível tirar uma série de lições universais desse processo para o ensino privado também. A primeira delas é o conceito basilar do método desenvolvido pelo CFP: o de Casa Comum.

Em linhas gerais, Casa Comum é o espaço onde instituições de Ensino Superior e de Educação Básica se encontram, de forma horizontal e em igualdade de papéis, para debater e criar soluções na formação de professores. Essa ideia foi concebida pelo consultor António Nóvoa, que já havia citado a criação do complexo em entrevista ao Educação em Pauta. Ele foi um dos mentores do CFP.

A aproximação entre essas duas frentes faz com que a formação se dê equilibrada entre teoria e prática, acompanhada de perto pelos formadores dos novos professores. Muanis lembra de uma ilustração habitualmente trazida por Nóvoa: ninguém confiaria um tratamento de saúde a um médico formado apenas pela universidade, sem jamais ter pisado em um hospital; por outro lado, também não o faria se fosse um profissional formado apenas pela prática, sem entrar na sala de aula. 

Valorização

Segundo Muanis, o primeiro desafio começou pela valorização dos cursos de licenciatura, inclusive internamente. Não era raro que eles fossem considerados meros apêndices dos bacharelados. Este tornou-se um dos eixos principais do trabalho do CFP e já vem dando resultado, com coordenadores de curso, advindos do bacharelado, compreendendo melhor a complexidade e a importância de se dar atenção às licenciaturas – a UFRJ oferece 29 presenciais e 3 a distância.

Outro eixo fundamental foi alinhar as licenciaturas pelo que elas têm em comum, ou seja, justamente a questão da docência. Unidos por essa especificidade, os cursos começam a ter um padrão na formação dos professores.

Só depois dessa concepção é que aparece a Casa Comum. Trata-se de mais do que uma soma entre universidade e escola, pois enseja o surgimento de um terceiro espaço. “A Casa Comum significa pensar, articular e realizar essa formação nesse espaço de planejamento e execução conjuntos. Um terceiro espaço, formado pela articulação”, define Muanis.

Estrutura

O CFP é composto por todas as licenciaturas da UFRJ, mas com especial atenção à Pedagogia, seu objeto de pesquisa – embora todos os cursos também se debrucem sobre o tema. Foi a partir de um curso de extensão, com participação de Nóvoa, que surgiu um grupo de trabalho, que se mostraria, mais tarde, o embrião do complexo.

Provocado sobre o melhor caminho para começar, Nóvoa apontou para as escolas parceiras. A formulação partiu daí: selecionando escolas de Educação Básica que tivessem interesse em integrar a Casa Comum do CFP. Essa formatação, segundo Muanis, não é simples. “Não temos uma super infraestrutura, orçamento, trabalhamos muito com ideias e pessoas que fazem essa aposta dentro da universidade e, também, várias ações”, conta.

Segundo o regimento do CFP, cada licenciatura precisa constituir um Núcleo de Planejamento Pedagógico de Licenciatura (NPPL), formado pelo coordenador do curso, o responsável pela parte de extensão, integrantes do colégio de aplicação e das escolas básicas parceiras na formação. A ideia é que esse planejamento constante, com avaliação da própria licenciatura, seja feito pelos professores da mesma, por docentes da Faculdade de Educação, do Colégio de Aplicação e pelas escolas parceiras.

Além do NPPL, cada curso também precisa ter um ou mais Grupos de Orientação Pedagógica (GOP) atuando nos primeiros semestres, ou períodos. “Os professores orientadores, de preferência bem variados e com a escola básica junto, fazem o acolhimento dos alunos da licenciatura. Eles são acolhidos no exercício da docência, pois muitos ingressam sem nem saber que se trata de uma formação de professores”, alerta a professora.

Esse acolhimento se dá, até mesmo, em relação à própria vida universitária. É um trabalho com foco na permanência do aluno no curso de licenciatura, mas que também vai articulando a entrada desse acadêmico na escola básica desde o começo. “Muitas vezes, os estágios ficam muito adiante, só entra o olhar do professor em formação no fim do curso. Isso é um problema da formação de professores em todo o Brasil”, defende Muanis.

Ela lembra que até houve uma tentativa de inserir a escola básica na rotina dos acadêmicos ainda nos primeiros períodos do curso, mas os professores sentiram que não era o momento. A relação é mais no sentido de elucidar dúvidas sobre a atuação como professor e o mundo acadêmico em geral. “São encontros e cada professor orientador atua com sua dinâmica, variando de um curso para outro. Na Pedagogia, onde participei, fazíamos encontros de todos esses professores para alinhar estratégias. Os GOPs passaram a ter veteranos fazendo o acolhimento, isso é muito legal”, recorda.

Parceria

Uma dificuldade, no entanto, é justamente mobilizar professores da rede pública de educação básica. Eles dificilmente dispõem de tempo para se dedicar à iniciativa. Reuniões têm sido feitas com a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, a fim de mostrar a importância desse tempo de formação, além do planejamento. Ainda não foi firmado um convênio amplo, mas há parceria. 

Inicialmente, 40 escolas foram selecionadas, mas as ações ficaram um pouco dispersas e esse número foi reduzido para 12. “A Casa Comum ultrapassa a ideia da parceria entre um professor da universidade e um da escola. Ela é institucional, com objetivo de ter várias ações em conjunto. O saber da escola e o da universidade são horizontais e o professor da básica precisa ser tão valorizado quanto o da universidade”, sustenta Muanis.

O CFP faz a articulação de todas as ações e cuida da relação com a rede básica. Tudo de forma conjunta para entender as realidades, demandas, o que é importante para essas escolas no sentido da formação de professores – não apenas para os professores já no mercado, mas também para aqueles que estão na sala de aula da universidade. Hoje, o aluno de qualquer licenciatura pode participar das atividades de extensão, mas o incentivo é para que sejam em maioria voltadas à docência.

Resultados

Criado oficialmente em 2018, o CFP ainda é incipiente, mas sua atuação já mostra alguns reflexos. Maria Muanis fala de avanços na compreensão da docência – o aumento da valorização das licenciaturas dentro da própria UFRJ, referido no começo do texto. O reforço do vínculo com as escolas, especialmente das várias licenciaturas, para além da Faculdade de Educação, é outro ponto destacado por ela.

“A própria formação ainda está aquém do que a gente deseja, mas começa a melhorar. [A formação] dos próprios professores que estão nas licenciaturas, os coordenadores. Em entrevistas, a gente percebe que eles compreendem melhor o que é uma licenciatura, que não é só o conhecimento específico da área. Coisas básicas para quem é da área de formação de professores, mas para muitos professores das licenciaturas isso não é óbvio. Esse tipo de formação a gente vem conseguindo fazer, de alguma forma”, comemora. 

O contato com a Educação Básica também é enriquecedor para professores dos cursos de licenciatura que são bacharéis. Muitos estão tendo, a partir do CFP, os primeiros contatos com a escola básica pública. 

Embora tenha toda a espinha dorsal formada por e para o ensino público, o Complexo de Formação de Professores da UFRJ deixa lições importantes para quem deseja aprimorar a formação de professores. Ambientar o acadêmico ao que é o fazer docente, levá-lo à atmosfera da Educação Básica e conscientizar professores e coordenadores das licenciaturas são os primeiros passos.

“A ideia, em suma, é que tanto alunos licenciandos quanto professores da rede básica e da universidade tenham acesso a uma cartografia da formação docente completa”, conclui Muanis.

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