Pai em casa e professor na escola: histórias de quem educa e ensina

Docentes falam sobre a experiência de dar aulas para os próprios filhos

por: Tatiana Py Dutra | Especial
imagem: Arquivo Pessoal

O ditado que diz que a educação começa em casa é duas vezes verdadeiro no caso de pais que estendem sua missão de ensinar além do lar: são os professores que dão aulas para seus filhos. A ideia pode assustar alguns, mas docentes ouvidos pela Educação em Pauta nessa véspera de Dia dos Pais consideram que a convivência extra é positiva. Para eles, estar junto dos filhos em sala de aula permite demonstrar como desempenham sua atividade, acompanhar a trajetória acadêmica de perto e ainda colecionar histórias que não aconteceriam em outro ambiente que não fosse a escola.

“A nossa relação de pai/professor é antiga já. Comecei a dar aula para o Davi quando ele tinha 3 anos. Naquela época, aconteceu um episódio engraçado. Nas primeiras semanas de aula, algum aluno chegou em mim e falou, ‘Ah, profe..’, e o Davi: ‘Ele não é professor, ele é meu pai’. Uns dias depois, outro menino me chamou de ‘Pai do Davi’. E o meu filho respondeu: ‘Não é pai do Davi, é professor!’”, conta, aos risos, Aldair Oliveira, 31 anos, professor de Música e Artes do Colégio Dom Bosco, em Porto Alegre.

Aldair “iniciou a carreira” de professor do filho Davi quando ele tinha 3 aninhos (Foto: Mariana Katrina)

Aldair deu aula para o filho mais velho até seus 5 anos, e a relação em sala de aula foi retomada este ano, quando o pequeno ingressou na 3ª série do Ensino Fundamental. O pai conta que tratou de preparar o futuro aluno para essa nova fase. 

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“Eu falei, ‘vou te dar aula de novo, e não tem colher de chá pra ti’. Se ele está aloprando na aula, chamo a atenção mesmo”, relata. 

Levar bronca de um professor que também é seu pai não deve ser lá muito bacana, mas Davi, 8 anos, garante que não dá muitas oportunidades para ser repreendido.

“Não bagunço na aula, mas, às vezes, acontece…”, conta, admitindo que é muito conversador. “Meu pai é tranquilo, mas quando minha turma fica conversando demais, ele chama a atenção. De mim, ele reclamou umas duas, três vezes”, conta, encabulado.

Aldair diz que manter a equidade no tratamento com todos os alunos da turma é um dever, mas essa preocupação não é tão presente em seu dia a dia. O sentimento que predomina, segundo ele, é o de orgulho: 

“É uma alegria dar aula para ele. E por ele já ser criado em ambiente artístico e musical, porque minha esposa canta, eu vejo que ele tem facilidade. Ele estudou bateria com outro professor e acabou se sobressaindo na turma. E isso enche meu coração de orgulho, Fico feliz de vê-lo tocando bem, cantando superafinado…”

https://www.youtube.com/watch?v=GDKAIpnFg2c&t=49s

O pai da Abigail e do Oberdan

Por mais vigilantes que os profissionais se mantenham, a linha tênue que divide as funções de pai e de educador algumas vezes é cruzada. E não necessariamente na escola. Professor de Educação Física do Colégio Teutônia, Laudenor Brune, 51 anos, ministra a disciplina e ainda é treinador das equipes de atletismo da instituição. Assim, acabou sendo pai, professor e treinador dos filhos Abigail, 21, e Oberdan, 16 – em algumas ocasiões se pegou fazendo cobranças extras da dupla. 

Além de pai, Laudenor Brune é professor e treinador do filho, Oberdan, em Teutônia (Foto: Franklin Piran Becker)

“Eu fui treinador da minha filha. E lembro que certas vezes, em casa, no almoço, perguntava o que ela iria treinar à tarde. E às vezes até saia briga, porque eu não concordava com o treino dela”, revela, rindo.

Abigail, hoje, estuda Medicina, mas o caçula Oberdan, aluno do 1º ano do Ensino Médio, ainda tem no pai a figura de treinador. O adolescente diz que ter o pai à frente dos treinos ou regendo a classe nunca foi problema, mas reconhece que Laudenor é exigente.

“Às vezes, é melhor quando [o treinador] não é ele. Ele cobra um pouco demais”, comenta.

“Na verdade, por mais que tente separar as coisas de ser pai, professor ou treinador, não dá para separar muito. Eu trato os outros alunos como se fossem meus filhos, também. A gente quer o melhor, mas pode acabar extrapolando, exigir demais do filho. Com o Oberdan, quando eu o treinava no futsal, eu não queria que os pais achassem que eu o estava privilegiando. Então, na hora de chutar uma falta, eu não o escolhia e acabava o  privando. Mas isso foi uma fase inicial, porque as pessoas perceberam como eu agia e ele mesmo foi revelando suas qualidades”, lembra Laudenor.

Como pai e professor, Laudenor acredita que conseguiu imprimir nos filhos sua filosofia de trabalho. 

“Isso é muito gratificante. Existe cobrança, mas de atitudes. Postura de atleta e de cidadão. Minha filha é fora da curva, muito madura, tem postura, nunca tivemos problemas. Tanto ela quanto o Oberdan sempre foram muito dedicados e comprometidos. Se amanhã tem competição, na noite anterior estarão em casa descansando. Eles abdicaram de muitas coisas para praticar o esporte. No momento em que forem para a vida profissional, vão fazer bem feito”, projeta o professor.

O pai da Gabriela

Coordenador do Colégio Mauá, de Santa Cruz do Sul, Waldy Lau Filho, 50 anos, leciona História na escola – e este ano, tem uma aluna muito especial: Gabriela Schaefer Lau, 16, sua primogênita. O professor, que sempre trabalhou na escola em que a filha estudava, qualifica a experiência de dar aulas para ela como “interessante”. 

Waldy Lau entre as filhas Carolina (esq.) e Gabriela, de quem é professor de história (Foto: Arquivo Pessoal)

“É uma experiência bem interessante, porque acompanhamos o filho dos outros e com o nosso acaba que é diferente. A gente sabe que tem de manter as coisas em separado. Mas a sensação é diferente. A turma age de maneira diferente. Eu acompanho a turma da minha filha na condição de pai há pelo menos 10 anos. Os alunos me conheciam na condição de pai e havia a expectativa de que eu me tornasse professor. Não há limite quebrado. A atmosfera na sala de aula é mais formal”, descreve Waldy, que também é pai de Carolina, 14 anos.

Na avaliação de Gabriela, iniciar o Ensino Médio com o pai à frente da classe é diferente, já que não é uma relação de pai e filha.

“É uma relação de professor e aluna. Mas mesmo assim, acho divertido ter meu pai como professor e eu adoro assistir às aulas dele, ainda que, em alguns momentos, acabo me sentindo um pouco mais cobrada em relação aos outros alunos”, elogia.

“Eu não tinha planejado isso. Mas é prazeroso no sentido de ter essa convivência no espaço profissional. Ela sempre me viu preparando aula, preparando material, e eu posso agora mostrar a ela meu lado profissional, meu campo de atuação profissional”, diz Waldy.

O professor Aldair Oliveira, pai do Davi, de quem falamos no começo desta reportagem, fez uma reflexão importante: para quem tem filhos é difícil sair do papel de pai, ainda que seu filho não esteja na turma. Para ele, se tem uma coisa que conecta a paternidade ao magistério é o amor.

“Nós amamos nossa profissão. É um sacrifício diário. Hoje fiquei fora de casa das 7h30min às 20h. Mas eu amo a profissão, os alunos e o meu filho. Ser professor me dá oportunidade de acolher. Tem alunos que, às vezes, nem querem aula. Querem um abraço, querem ser ouvidos, querem a atenção que não têm em casa e até a figura paterna que faz falta. A paternidade vai além da sala de aula. Para mim é uma benção”, diz.

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