As regras e o bom uso do celular em sala de aula
Além indicar os limites, especialistas analisam a influência dos dispositivos móveis nos jovens e apontam orientações de como aplicá-los no ensino
O celular virou algo indispensável no cotidiano das pessoas. No caso de crianças e adolescentes, se tornam nativos digitais. Na educação, essa evolução tecnológica não seria diferente. O perfil dos estudantes já não é mais o mesmo de poucos anos atrás, pois são sabedores de diversas ferramentas e inteligências artificiais, tudo com o acesso à informação na palma da mão.
No entanto, ficam perguntas: qual é o limite da tecnologia dentro da sala de aula? Até qual limite pode ser uma ferramenta de ensino e quanto compete com atenção do aluno? Essas são algumas questões levantadas no Relatório Global de Monitoramento da Educação 2023 da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), intitulado “A tecnologia na educação, uma ferramenta a serviço de quem?”.
Ao todo são cerca de 400 páginas que abordam prós e contras do uso do celular. A Unesco defende que não há evidências científicas para comprovar os benefícios da tecnologia em sala de aula e refere que a tecnologia pode, sim, atrapalhar a gestão dos professores. Em um trecho descreve que: “os sistemas educacionais precisam estar mais bem preparados para ensinar sobre e por meio da tecnologia digital, uma ferramenta que deve atender aos melhores interesses de todos os alunos, professores e administradores”.
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Nesse relatório, a Unesco também identificou que um a cada quatro países já têm leis ou políticas que proíbem ou restringem o uso de celulares em escolas. Desde manter o aparelho desligado no ambiente escolar sob pena de confisco até o final do ano ou que proíba apenas o uso de aplicativos específicos, tais regras dão mais margem para o debate se vale proibir ou limitar o uso.
Países como México, Finlândia, Holanda, Portugal, Espanha, Suíça, Estados Unidos, Canadá e França possuem políticas ou leis de restrição de celular nas escolas. Já o Brasil tem intenções para tal. Na Câmara de Deputados tramita um projeto de lei que estabelece diretrizes para tecnologias em ambientes de ensino do país e pode ter desdobramentos ainda este ano.
É preciso ter cuidado com o celular
O celular pode se tornar um vilão quando não é utilizado de maneira equilibrada e consciente. É o que acredita a professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Patricia Behar.
Ela, que também é docente na pós-graduação em Educação e Informática na Educação, reforça que a distração por mensagens ou jogos é um empecilho. “O jovem demora um tempo para voltar de novo à concentração, o que pode afetar negativamente a construção do conhecimento, das informações que precisa assimilar”, ressalta.
Além disso, quando se usa o celular à noite, pode prejudicar a qualidade do sono, especialmente na hora que as crianças ou adolescentes vão dormir. Existe também o problema do isolamento social, fazendo com que os alunos fiquem mais tempo no aparelho e perdem os contatos com amigos e colegas.
É importante que a escola compreenda qual é o habitat dessa geração de crianças e adolescentes, conforme ressalta a professora do Programa de Pós-Graduação em Educação e Linguística Aplicada da Unisinos, Eliane Schlemmer. “Quais são os espaços que eles efetivamente habitam? Que tipo de dispositivo se apropriaram para se comunicar, aprender e buscar informações?”, questiona.
No entendimento da coordenadora pedagógica Institucional da Setrem, Elisabete Andrade, o celular nunca será propriamente um vilão. “São as pessoas que organizam os processos de ensino e de aprendizagem, então tudo depende desta organização e não do celular em si”, diz.
Para a professora de Letras da Faccat e doutoranda em Linguística Aplicada, Dieila dos Santos Nunes, o celular, assim como outros dispositivos tecnológicos de natureza informática, tem grande potencial para melhorar o aprendizado. “Se não houver um acordo pedagógico firmado entre professor e estudantes, com a finalidade de estabelecer conjuntamente princípios que guiarão a utilização das inteligências artificiais durante as aulas, a tendência é que os estudantes passem a usar os dispositivos sem um propósito definido”, pontua.
Tecnologia como aliada
Para Patrícia, o mobile learning (aprendizagem móvel) pode se tornar uma forma bem enriquecedora para usar o celular em experiências de aprendizado. É possível acessar recursos educacionais para pesquisar e investigar, por exemplo. “Também possibilita tornar o processo de ensino-aprendizagem mais personalizado e fazer com que os alunos realizem a colaboração em projetos e promover as trocas de ideias”, diz.
Conforme frisa Elisabete, todos os recursos tecnológicos, entre eles o celular, são ferramentas que podem contribuir com os processos de ensinar e de aprender. “Há diversas maneiras, tudo vai depender da criatividade de quem estará operando com estas tecnologias”, frisa.
No ponto de vista de Dieila, as inteligências artificiais e outras tecnologias emergentes estão rapidamente se transformando em aliados essenciais nas salas de aula modernas, trazendo uma nova dimensão ao aprendizado e estimulando o pensamento crítico dos alunos. “Elas podem estimular a criatividade, se forem utilizadas para desafiar os estudantes, incentivando-os a confrontar ideias e desenvolver habilidades de análise e argumentação. Também podem despertar a autonomia e o protagonismo, se eles compreenderem os impactos e limites dessas ferramentas”, sugere.
Já Eliane salienta que os celulares são verdadeiros computadores de mão que permitem acesso ao mundo da informação. “Entre a informação e o conhecimento existe um processo chamado aprendizagem. A escola precisa ser sustentável para essa geração, no ponto de vista do interesse e da relevância na vida dos jovens”, argumenta.
Projeto dedicado ao uso de celulares com responsabilidade
Na volta às aulas, após o início da pandemia do Covid-19, um projeto de boas práticas com o celular foi implantado no Colégio Leonardo da Vinci, em Porto Alegre. A diretora de unidade do Colégio Márcia Andréa Schmidt da Silva informa que o projeto teve origem com base na observação dos educadores em relação à falta de concentração dos estudantes. “Conquistar a atenção completa dos alunos é o maior objetivo da nossa iniciativa. Eles precisam se concentrar para aprender e, para isso, não podem ficar olhando para a telinha o tempo todo”, reforça.
A também diretora de unidade do Colégio Margareth Widholzer Galant recorda que, por conta do isolamento social, os estudantes se acostumaram com o aparelho na mão. “Resolvemos disponibilizar os nichos nas salas de aulas e implementamos a regra de que, ao chegar na escola, é preciso deixar o celular no escaninho e somente pode ser retirado no horário do recreio e na hora da saída”, explica.
No início dessa ação houve uma grande resistência por parte dos estudantes, no entanto, com o passar dos dias, se tornou natural. Atualmente, as diretoras relatam que os jovens entram em sala de aula e, imediatamente, guardam seus aparelhos no local indicado.
Além de criar esse hábito, Margareth comenta que os professores receberam orientações sobre o uso dos celulares durante as práticas de aprendizagem. “Desde que seja uma atividade proposta pelos próprios educadores”, salienta.
É o caso da responsável pelos componentes curriculares de Biologia e Economia e Sustentabilidade do primeiro ano do Ensino Médio, a professora Roberta Fontoura. Em suas aulas, os alunos frequentemente usam o celular para pesquisar artigos científicos. “Eles olham no Scielo para utilizar referências teóricas confiáveis sobre os conteúdos que estão pesquisando para a realização do júri simulado. Também elaboram em documento compartilhado que os oitavos anos fizeram da planilha comparativa sobre células”, relata.
Outro exemplo é o da professora Bibiana Gatto, responsável pelo componente curricular de Ciências no sétimo ano. Na Mostra do Conhecimento do colégio, o tema era sobre as doenças transmissíveis no Brasil. Na ocasião, os estudantes confeccionaram seus protótipos e finalizaram a atividade com a construção de um jogo digital que poderia ser usado para interação com os visitantes da mostra. “Eles conseguiam acessar esses jogos a partir dos QR Codes que eles montaram em aula”, descreve.
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