Debate sobre Novo Ensino Médio ganha proposta do governo federal

Principais pontos estão na alteração de carga horária da Formação Geral Básica e na quantidade de Itinerários Formativos

por: Pedro Pereira | pedro@padrinhoconteudo.com
imagem: Freepik

Depois de promover uma consulta pública para entender as necessidades dos gestores e demais lideranças ligadas à Educação, o governo federal apresentou o texto com sugestões para alterar o Novo Ensino Médio – um documento consolidado deve ser enviado ao Congresso em setembro. Com as primeiras turmas prestes a concluírem os estudos, urge que tais proposições sejam ou não acatadas para que as instituições tenham segurança no planejamento pedagógico.

Antes de mais nada, é preciso ressaltar que, na prática, nada mudou até agora – e, se mudar, não será tão cedo. Desde que entrou em vigor, o Novo Ensino Médio está em prática com as bases aprovadas. O que se discute são mudanças que, além da tramitação no Congresso, só valeriam a partir do ano seguinte à aprovação definitiva.

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Lideranças avaliam que o debate tem ido por um caminho perigoso. Se a ideia de revogar o Novo Ensino Médio se mostra cada vez mais distante, como já havia sido tratado no Educação em Pauta, o Ministério da Educação, por outro lado, tem sugerido mudanças que atingem algumas bases do projeto e representariam um retrocesso impactante, desidratando a reforma.

“A questão inicial acaba se resumindo na falta de políticas de estado para a Educação”, lamenta o vice-presidente do Sinepe/RS e ex-presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) Bruno Eizerik. Ele explica que não se trata de uma crítica pontual, sobre determinado governo, já que considera este um problema histórico. “O governo federal encaminhou para o Congresso o projeto de um ‘Novo Novo Ensino Médio’, com algumas coisas que, para mim, não fazem o mínimo sentido”, critica.

Entre essas mudanças, ele cita a alteração nos Itinerários Informativos, que foram reduzidos de quatro, para dois – sem contar o antes chamado quinto itinerário, que diz respeito ao ensino técnico, mas que foi mantido. “Voltando àquele antigo clássico e científico. Estamos voltando no tempo. As velhas ‘humanas e exatas’”, compara Eizerik.

A mesma definição foi dada pela ex-presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) Maria Helena Guimarães de Castro. “Um horror essa proposta. É a volta do clássico e do científico, um retrocesso gigantesco. Agora, na verdade, o campo político está muito dividido e eu não acho que o MEC consiga maioria no Congresso para aprovar essas propostas”, considera.

Ela explica que está totalmente de acordo com a posição do Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed), defendendo que quaisquer mudanças só poderiam ser implementadas a partir do ano letivo de 2025. O documento, assinado também pelo CNE e pelo Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação (Foncede), se posiciona aberta e contrariamente à proposta do MEC.

“Agora vamos ver se o MEC define, não dá para saber o que vai propor. Acho que antes de 2025 não haverá mudanças. É praticamente impossível o MEC mandar um projeto de lei e ele ser aprovado rapidamente. Se aprovado, precisa ainda de muita coisa, como normatização pelo CNE, conselhos estaduais, enfim. Até 2025 não deve haver mudança nenhuma”, projeta.

ENEM

Se por um lado a estabilidade traz alguma segurança, por saber que não haverá mudanças no Novo Ensino Médio até, pelo menos, o fim de 2024, o mesmo não se pode dizer do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que provoca o efeito inverso: a falta de adequação às novas bases de ensino causa descompasso entre a prova e o que é trabalhado em sala de aula. 

A avaliação, no entendimento dos educadores, já deveria estar alinhada à nova matriz, mas isso também não deve acontecer tão cedo. A proposta do MEC é que seja mantida a estrutura antiga até o ano que vem, no mínimo. Entidades como o CNE, o Consed e o Foncede discordam. “As entidades e as instituições de ensino devem manter posição clara e firme de exigir coisas do MEC. Não acho adequado que o MEC fique na mão dos sindicatos, que têm uma visão corporativa, que querem a volta do modelo antigo e a revogação, no fim”, aponta Maria Helena.

O presidente do Sinepe/RS, Oswaldo Dalpiaz, lembra que em 2024 será concluído o primeiro ciclo do Novo Ensino Médio, ou seja, com as primeiras turmas chegando ao fim do percurso – a rigor, algumas escolas já vivem essa situação este ano. “Defendemos que o aluno que começou dentro de uma matriz possa fazer o seu ENEM a partir da matriz que ele assumiu e que está fazendo. Vamos lutar bastante para evitar que o governo elabore uma prova sobre uma matriz na qual o aluno não estudou e não se formou. Acredito que este seja um ponto de partida”, pontua.

Dilema entre os formandos

O Colégio Santa Inês, de Porto Alegre, é um dos que estão no terceiro ano de implantação, depois de ter seguido a primeira data apontada pelo MEC, em 2021. A instituição aplica toda a estrutura da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e da matriz do ENEM, mas se depara diariamente com o desafio de conciliar essa referência de avaliação enquanto aplica um novo currículo.

“Quando o Novo Ensino Médio foi estruturado com 1,8 mil horas para a Formação Geral Básica, utilizamos muito a vivência da pandemia, em que precisamos ser bem objetivos no desenvolvimento das habilidades específicas, para poder enxugar esse currículo, que saía de uma estrutura de 1.460 horas por ano para 1.800 horas em três anos. Então, ficaram as habilidades específicas dos componentes e alguns diálogos interdisciplinares”, detalha a coordenadora pedagógica do Ensino Médio do colégio, Fabiana Pires.

A alteração na carga horária da Formação Geral Básica (FGB) também aparece entre as mudanças que serão enviadas pelo MEC ao Congresso. Atendendo aos apelos das entidades, a sugestão é que passe de 1,8 mil para 2,4 mil horas dedicadas a essa parte do ensino, enquanto o restante será trabalhado dentro das eletivas.

Fabiana relata que o maior problema para o planejamento do ano letivo é desenhar uma trajetória sem poder lançar uma meta específica. “Lançar implementação sem matriz nova do ENEM e sem orçamento para escolas públicas é uma situação bem séria de manipulação da educação. Para nós, retomar esse processo gera um desgaste no sentido de não parar de escrever documentos como plano de estudos e currículos. Para quem trabalha com educação, esse é um exercício importante, mas os documentos costumam ter validade de quatro, cinco anos, agora precisamos escrever praticamente todos os anos”, destaca.

A ampliação de tempo para a FGB é saudada pela coordenadora, a fim de consolidar a aprendizagem. Mas ela destaca que é importante refletir de que maneira esse tempo será aproveitado. “O que me parece é que primeiro se implementou, depois se pensou como iria fazer, agora se altera e, ainda, em nenhum momento se diz quando vai divulgar a matriz do ENEM. A primeira situação é de muita angústia e incerteza”, reconhece Fabiana. 

Segundo ela, estudantes e familiares questionam, nas entrevistas antes de trocarem de escola, se os desenhos têm surtido efeito na preparação. Acreditam na proposta da escola, mas estão preocupados porque é um investimento no futuro da família, na continuidade daquele projeto de vida. “Não dá para ficar ensaiando com os jovens. Isso é bem sério e é essa a maior preocupação das famílias”, conclui.

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