Lideranças femininas refletem sobre o papel da mulher na educação

No Dia da Mulher, o Educação em Pauta ouviu profissionais sobre o papel feminino no dia a dia das instituições de ensino

imagem: Freepik

As memórias mais remotas da vida escolar remetem, via de regra, a uma professora que foi especial para o começo do ciclo de aprendizagem. O dom de ensinar tem um quê materno, que pode ser explicado por uma palavra que aparece reiteradamente quando se reflete sobre o processo de educar: cuidado. A atenção para que o estudante desfrute de uma jornada pura e produtiva desponta como maior valência das mulheres que trabalham com Educação.

Esta foi a tônica das profissionais ouvidas pelo Educação em Pauta para saudar as educadoras do ensino privado gaúcho pelo Dia da Mulher, celebrado mundialmente em 8 de março. Elas falam sobre a forma com que mulheres lideram equipes e grupos, entendendo as particularidades dos envolvidos. No caso das escolas: alunos, familiares, funcionários e demais pessoas que se relacionam com as instituições. Mas nem sempre foi assim.

“A figura mais emblemática de superação de barreiras e dificuldades é a de Antonieta de Barros, nascida em 1901, em Florianópolis. A primeira mulher negra a ser deputada, que também era professora e jornalista. Aos 17 anos, abriu uma escola particular para educar crianças pobres e negras, principalmente. Mesmo em uma época ainda muito marcada pelo conservadorismo, machismo e racismo, ela conseguiu ter um discurso potente”, exalta a secretária estadual de Educação do Rio Grande do Sul, Raquel Teixeira. A secretária lembra de um mantra que sempre era repetido por Antonieta: a Educação é a única arma capaz de libertar os desfavorecidos da servidão.

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“De lá para cá, avançamos muito na parte de formação acadêmica. As mulheres, hoje, são maioria em todas as etapas da educação. Nos anos iniciais ainda há um pouquinho mais de meninos, mas no Ensino Médio e no Superior, terminam o ciclo de escolaridade mais mulheres do que homens. No entanto, se olharmos toda a história do Ministério da Educação, criado em 1930, tivemos só uma mulher ministra. Isso é um claro retrato de que estamos avançando na escolaridade, ocupação de espaços, mas há uma lacuna muito grande entre homens e mulheres nos cargos de direção”, aponta a secretária.

Ela destaca, ainda, que esse déficit no protagonismo feminino se repete em outras áreas, como a direção de museus e na representação na política tradicional. “Alguma coisa na estrutura machista barra essas mulheres”, analisa. 

A saída, segundo Raquel, está em uma mudança de comportamento já na formação das novas gerações. “O caminho para avançar passa pela Educação que as próprias mulheres dão para os filhos. Se o mundo tem, arredondando, a população dividida em metade homens, metade mulheres, a gente precisa lembrar que tem 50% de mulheres e os outros 50% nasceram das mulheres. As próprias mães ainda cultivam uma educação machista, definindo o uso de azul ou rosa, cobrando um comportamento supostamente mais adequado para menino ou menina. Sem querer, elas reproduzem uma posição que lá na frente vai revelar uma profunda desigualdade de gênero. Tira-se a criatividade, a espontaneidade, mas quando a mulher vira madura a sociedade cobra dela inovação, empreendedorismo e capacidade criativa. Lá atrás ela foi boicotada nesses pontos. Então, para poder avançar no protagonismo das mulheres, a gente precisa mudar completamente a própria educação que se dá às crianças. O machismo estrutural não é uma questão individual. É a postura da sociedade, com exigências de comportamento social, que leva a isso”, observa.

Marina Matiello, diretora do Colégio São Carlos, de Caxias do Sul, conta que tem um cotidiano atravessado por planejamentos e alinhamentos com os coordenadores de cada setor, mas, ao mesmo tempo, mantém um cuidado mais próximo com alunos, famílias e funcionários. São atendimentos, reuniões, trocas de ideias e acolhidas. “Persiste o desafio de observar, a partir do que é possível, as estratégias, tornar a escola sustentável em todos os sentidos. Somos filantrópicos, precisamos sempre fazer investimentos para a adequação aos novos tempos”, relata.

Segundo ela, a mulher ainda não é tratada com a mesma autoridade dos homens, sendo reconhecida pelo lado sensível, humano, mas sem uma referência de autoridade. “Não somos autocráticas, nem queremos ser, não temos esse perfil. Às vezes percebemos, até nos atendimentos, que a presença dos homens deixa as combinações mais fáceis de serem tratadas. O grande desafio é entender o empoderamento da mulher em todas as searas: quando a gente fala de disciplina, regramentos importantes dentro das escolas, em todos os setores”, pontua.

Avançar, para ela, consiste em ser vista com todas as capacitações profissionais e humanas que se tem. As mulheres têm graus de capacitação muito elevados, mas que nem sempre são levados em consideração. “Eu sou doutora em educação. Um doutor e uma doutora em educação, ou qualquer área, a mulher pode passar despercebida dentro dessa formação e os homens acabam sendo mais reconhecidos. Talvez porque se entenda a mulher com cuidado materno, se coloque outras questões junto com atuação profissional. A gente é mãe, esposa e profissional, mas às vezes o profissional não é tão reconhecido. Ao contrário dos homens, que depois do profissional é que vem o esposo e o pai. A mulher, apesar dos novos tempos, ainda é a principal fortaleza nos lares e isso faz com que diminua o reconhecimento profissional. Não que aconteça necessariamente comigo, mas vejo com a maioria das mulheres”, ilustra. Ela já foi secretária municipal de Educação e participou de reuniões com representantes de toda a região de Caxias do Sul. Na maioria das vezes, os encontros eram formados exclusivamente por mulheres. Um sinal que ela vê como positivo, embora destaque que no Ensino Superior, onde a remuneração costuma ser maior, o equilíbrio no número de professores e gestores também cresça – ou seja, os homens acabam ocupando a fatia mais atrativa profissionalmente, enquanto a base da educação continua nas mãos, quase que exclusivamente, das mulheres.

O Censo Escolar de 2023, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), apontou que 79,5% dos professores da Educação Básica brasileira são mulheres. Na Educação Infantil esse número é ainda maior, com 97% de educadoras nas creches e mais de 94% na pré-escola. Entre os diretores de escola, as mulheres são mais de 80%.

Maria do Carmo Beltrame é diretora educacional do Colégio Teresa Verzeri, de Santo Ângelo, onde coloca a habitual sensibilidade das mulheres a serviço da comunidade escolar. “Somos cuidadoras naturais. Isso já está no ser da mulher, o que facilita muito, especialmente no trabalho de entender melhor os alunos, as necessidades emocionais e sociais de cada um. Vejo que o homem é muito mais prático e objetivo, enquanto a mulher é mais sensível a essas questões. Essa sensibilidade é algo que a gente faz sem perceber. E eu vejo que essa é uma diferença significativa na nossa atividade profissional e na vida dos alunos. É promover essas mudanças na educação e na sociedade, a gente faz acontecer sem forçar nada”, define.

Assim como as colegas, ela entende que trabalhar na área da educação já é um enorme desafio. “A presença da mulher nessa área nos dá possibilidades únicas, que podem variar no contexto de cada escola, seja ele cultural ou social. Um dos grandes desafios da mulher, em qualquer atividade profissional, é encontrar o equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho. Somos mães, donas de casa, apesar de hoje os homens contribuírem muito nesse papel, junto à família, mas equilibrar essas demandas com as responsabilidades familiares é um dos maiores desafios. Não só para a mulher educadora, mas para toda a profissional mulher”, lembra. 

Para o futuro, vislumbra a consolidação do papel da mulher enquanto líder. “A gente tem os desafios inerentes à atividade, mas não vejo que as mulheres precisem abrir um leque ainda muito maior. Somos muito bem sucedidas na nossa atividade, podemos servir como inspiração para outras mulheres que desejam seguir carreira na educação, mostrando que é possível superar obstáculos e alcançar o sucesso”, projeta.

Maria Angela Baldi é diretora do Colégio Marista Santa Maria, no coração do Rio Grande do Sul. A instituição está próxima de completar 120 anos, mas, ainda que seja tão tradicional, mantém o olhar firme na inovação. “A educação é uma das áreas mais importantes e desafiadoras da sociedade, mas também proporciona muitas oportunidades e eu vejo que é um campo em que predominam as mulheres. A gente se coloca, eu percebo, no sentido de valorizar muito a educação humanizada. Acredito que por meio da sensibilidade e do cuidado a gente consegue fazer emergir o potencial que reside em cada sujeito, seja ele estudante, colegas, familiares. Nosso objetivo é auxiliar as pessoas para que se desenvolvam e transformem suas vidas. Procuramos sempre fazer o melhor e Deus nos coloca nesse lugar para estarmos a serviço de um bem coletivo, com colaboração e  olhar empático. Este mês de março, da mulher, é uma oportunidade para celebrarmos as conquistas e também para refletirmos sobre algumas lutas que ainda estão por vir”, ressalta.

Definindo-se como bastante otimista, afirma que é preciso sempre acreditar na própria capacidade. “Não acho que não somos valorizadas. Existe a desigualdade, mas, dentro da profissão em que estamos, ainda prevalecem as mulheres. São os desafios sociais mesmo, que enfrentamos em diversos espaços e na escola, consequentemente. A mulher tem esse espaço de mãe, de acolhedora, e protetora. Por vezes, esse desafio a gente ainda vê nos meios sociais. Mas acho que a gente tem representatividade muito forte na educação. Podemos transformar a sociedade em um lugar mais justo para todos nós”, almeja.

Elci Favaretto é diretora do Colégio Notre Dame, de Passo Fundo. Como mulher educadora, costuma dizer que ela e as colegas são herdeiras da bondade e procuram educar e formar com bondade, ternura e firmeza – uma postura clara, definida, objetiva, comprometida com o crescimento, que qualifica a vida.

“Bondade é um valor que nasce no coração. Ser educador no cenário educacional contemporâneo já é um desafio por si só. Ser mulher e educadora, em um tempo em que precisamos demonstrar competências, sabedoria e excelência em tantas esferas das nossas vidas, é um desafio maior ainda, proposto a nós mulheres. Percebo que o papel atrelado às mulheres na educação vai além do pedagógico: é de ensino, mas também de cuidado, de carinho, de acolhida e do abraço. Há 40 anos, exerço a profissão de educadora, 24 deles atuando como gestora escolar. Em consonância com minha vocação religiosa, realizo meu legado de vida neste ofício. Pondero que esse cuidado é o diferencial que nós mulheres carregamos em nosso cotidiano pedagógico, uma vez que temos uma essência naturalmente cuidadora”, considera, em consonância com as colegas.

“Como Irmã de Notre Dame, busco vivificar essa missão a cada dia. É desafiador, mas, ao mesmo tempo, diante de todos esses anos participando da formação integral de incontáveis estudantes, professores, colaboradores e famílias, percebo o quanto esse trabalho é gratificante e recompensador. O profissional que trabalha com educação precisa ser apaixonado pelo processo de ensino e de aprendizagem, se realizar com as conquistas dos seus estudantes, vibrar quando eles aprofundam seus saberes, e ter a firmeza para corrigir quando se torna necessário. Ter habilidades socioemocionais e desenvolver a empatia é fundamental. Educar para os valores da Fé e da responsabilidade, na busca de um objetivo, de um sentido para a vida, é abrir o horizonte da esperança.  É ter respeito por cada criatura, é guardar as pessoas no coração”, conclui. 

A secretária Raquel Teixeira aproveita a data para transmitir uma mensagem de confiança e muito amor às educadoras gaúchas. “Escolhe ser educador quem acredita no futuro. Porque acredita na criança, no adolescente, no conhecimento, na ciência, na educação e, portanto, no futuro. A mulher educadora, particularmente – porque, até por essa estrutura, a ela cabe o cuidado com os filhos, com os pais, existe um universo de trabalho não remunerado que se espera que a mulher faça. A mulher tem um senso gregário mais desenvolvido, já que desde a época das cavernas já ficava cuidando dos filhos. Então, esse ser cuidador faz parte da mulher quase que por DNA. A mulher que escolhe ser educadora, além desse lado cuidador, o faz pelo futuro – e aí eu acredito muito na força da mulher como transformadora da sociedade. A mulher educadora tem esse papel extremamente importante. Agora, tem que ser uma transformação intencional, construindo um caminho de mais justiça, igualdade, tolerância, de um mundo mais justo e melhor. Respeito, admiro, reverencio a mulher educadora e quero desejar a todas um dia de reflexão. Ainda não é um dia só de festa, mas de reflexão sobre nosso papel no mundo”, conclama.

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