Fake News: como ensinar as crianças a identificar notícias falsas

Especialistas comentam formas de abordar o complexo tema no ambiente escolar

por: Murilo Matias | Especial
imagem: Freepik

Aumento do chamado tempo de tela, produção difusa e massiva de conteúdos, fronteiras cada vez mais tênues entre o real e seus simulacros, acesso a estímulos digitais de forma cada vez mais precoce. A circulação de fake news tornou-se uma questão urgente a ser enfrentada já nos primeiros momentos da vida escolar, e o assunto se torna ainda mais relevante em ano eleitoral.

“É possível trabalhar com todos os temas sensíveis e complexos de uma sociedade no ambiente escolar desde que a abordagem seja adequada à faixa etária dos alunos. Administrar a disseminação de notícias falsas é um desafio dentro das escolas, que estão longe de estarem blindadas desse fenômeno”, assegura Drean Falcão, psicólogo institucional do Colégio João XXIII.

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Em sua dissertação, a jornalista e pesquisadora Raiza Roznieski mestra em educação e especialista em jornalismo digital pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), revela dados que apontam o potencial de atração gerado por conteúdos falsos e trata de conceitos como a infodemia – fake news potencializadas pelas tecnologias digitais, atreladas a interesses políticos e econômicos. Segundo o estudo, conteúdos mentirosos são disseminados mais rapidamente e têm alcance 70% maior do que os verdadeiros, independentemente do tema, gerando grande engajamento.

“Educar-se para viver no mundo digital, especialmente desenvolver habilidades e competências associadas à inteligência digital, é uma necessidade de todos. No âmbito escolar essa construção deve ocorrer desde os primeiros anos da Educação Básica. Nesse sentido, é fundamental uma formação profissional transversal e que capacite os professores a tratar desta questão com seus alunos independente da sua área de conhecimento”, afirma.

Entre os resultados de ações de manipulação promovidas pelas chamadas milícias digitais e pelo uso orquestrado das redes sociais para amplificação da desinformação estão, muitas vezes, a incitação à violência, a naturalização aos discursos de ódio e ataques baseados em premissas falsas para desacreditar instituições, veículos de imprensa e pessoas, afetando a convivência nos mais diversos ambientes e fragilizando os vínculos sociais e de comunidade. 

Educação midiática

Diante deste contexto, a educação midiática se impõe como matéria essencial a ser trabalhada nos currículos, uma vez que afeta toda cadeia do ensino. Pesquisadora na área de Letras e Artes, a educadora Irene Dorte – que tem atuação em escolas particulares e públicas no Rio de Janeiro – destaca a necessidade dos estudantes criarem um repertório de desconfiança desde cedo e cita estratégias que podem ser empregadas em sala de aula, envolvendo o conhecimento e o desenvolvimento do espírito crítico. 

Um dos caminhos interessantes para começar, aponta, é trabalhar com o gênero da notícia, suas características essenciais, como a objetividade dos textos, a linguagem objetiva empregada e as fontes citadas. “Uma vez conhecendo a estrutura do gênero, o que é uma manchete, o lead, marcadores como a data, a autoria da matéria, onde ela foi gerada, a criança poderá identificar mais facilmente quando encontrar títulos absurdos, textos ofensivos a alguém ou a grupos específicos e outras distorções a partir desses elementos simples, mas eficazes”, alega. 

Outra abordagem sugerida é aproximar o assunto do cotidiano. “Antes de usar o termo fake news podemos falar em mentira e perguntar se eles ou algum familiar ou conhecido já foram impactados por alguma e quais foram as consequências na escola, em casa e na comunidade. A partir daí, podemos levar para o aspecto conceitual, os provocando a desconfiar e a refletir sobre o que leem e consomem do ponto de vista da informação”, complementa.

Uma das lacunas identificadas por Roznieski ao longo de sua dissertação foi exatamente a carência de materiais didáticos em português, sobretudo na educação infantil e fundamental, que sirvam de base e inspirem os professores a criarem seus próprios recursos a partir de seus lugares de atuação e contexto social. Buscando alternativas a esse cenário, a autora desenvolveu um Guia do Professor, disponível para consulta aberta em versão ebook, produto de sua análise documental e estudos sob orientação da professora Lucia Giraffa, que assina a obra Nem tudo que vejo e ouço é verdade! em conjunto. 

“A ideia é que qualquer educador possa usar com seus alunos. Espera-se que, desta forma, as novas gerações tenham oportunidades qualificadas para desenvolver seu senso crítico, tornando-se cidadãos mais participativos e menos influenciáveis. A cibercultura estabelecida por esse mundo virtual impõe um novo elemento para educação das pessoas para que controlem a interpretação do que veem ou ouvem, em vez de permitir que a interpretação os controle”, finaliza.O trabalho completo de Raiza Roznieski sobre o tema pode ser acessado clicando aqui.

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