Diálogo e escuta: a justiça restaurativa nas instituições de ensino

Prática colabora para a resolução de conflitos e, segundo especialistas, deve envolver toda a comunidade escolar

por: Bianca Zasso | bianca@padrinhoconteudo.com
imagem: Freepik

Em maio do ano passado, com a aprovação da resolução nº 458, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) iniciou uma mobilização, junto ao Poder Judiciário, para levar a prática da Justiça Restaurativa para as escolas brasileiras. A partir dessa conscientização da importância da presença dessa abordagem nas instituições de ensino, 2023 foi instituído como o Ano da Justiça Restaurativa na Educação. 

Seguindo essa proposta, o SINEPE/RS realizou, no dia 25 de outubro, um encontro que tinha como principal objetivo orientar as escolas sobre normas de convivência, auxiliando educadores e gestores em casos de indisciplina e também atos infracionais. A programação contemplou, entre outros assuntos, medidas pedagógicas e soluções de conflitos nas instituições de ensino por meio da justiça restaurativa. Um dos convidados do encontro foi o juiz coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC) do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ/RS), Fábio Vieira Heerdt, que possui uma longa trajetória de luta pela justiça restaurativa. 

“A justiça restaurativa nasce como uma prática comunitária muito simples, na América do Norte e na Oceania. Os anciões, quando havia algum conflito nas pequenas comunidades, faziam com que todos sentassem em torno de uma fogueira para discutir as suas questões. Por isso, uma das metodologias mais utilizadas pela justiça restaurativa, especialmente em ambientes escolares, são os círculos de construção de paz, conceito desenvolvido pela norte-americana Kay Pranis”, explica Fábio. 

Concebida no aspecto relacional, a justiça restaurativa no ambiente escolar deve ser construída por todos os envolvidos no desenvolvimento da instituição, como pais, alunos, educadores e gestores. Para Fábio, a resolução de conflitos passa por uma sensibilização, que cria uma cultura não apenas para a resolução de conflitos, mas para um trabalho de prevenção de questões como o bullying e o racismo, por exemplo. “A proposta é um modelo holístico, que não se propõe a fazer intervenções nas escolas, mas sim projetos de longo prazo para trabalhar as questões de relacionamentos. É comprovado que discutir as relações dentro das escolas traz benefícios para o ambiente e também o desempenho escolar dos alunos”, informa. 

Trazer a discussão e, principalmente, a aplicação da justiça restaurativa, envolvendo governos municipais, estaduais e também a comunidade escolar é uma prática que já ganha visibilidade em algumas instituições do país. E com ótimos resultados. É o caso da cidade de Santos, no litoral paulista, onde um programa municipal de justiça restaurativa é desenvolvido desde 2014. Segundo dados divulgados pela prefeitura da cidade, entre 2014 e 2019, houve uma queda de 97% no número de casos de agressão, bullying, indisciplina, vandalismo e outros conflitos registrados dentro das escolas municipais. Em 2017, a política municipal da justiça restaurativa passou a ser prevista em lei no município. 

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Já no Rio Grande do Sul, é a região noroeste que ganha destaque. A cidade de Horizontina desenvolve práticas restaurativas em todas as escolas, com círculos de construção de paz que abrangem assuntos trazidos pela própria comunidade escolar, possibilitando um lugar seguro de fala e escuta. Um trabalho que previne conflitos, segundo Fábio, já que, na maioria das vezes, os chamados facilitadores (profissionais que atuam coordenando as práticas restaurativas nas escolas) são chamados quando algum problema dentro da instituição chegou ao seu ápice. 

“Na maioria das vezes, nós atendemos sob demanda, quando o conflito já aconteceu. Porém, nós trabalhamos sabendo que existem conflitos nas escolas, mas no sentido de que a própria escola desenvolva as suas práticas restaurativas antes que ocorram questões de violência, por exemplo, que é quando nós costumamos ser acionados. A melhor forma para que isso ocorra é que os próprios gestores, juntamente com os professores, frequentem capacitações para círculos de construção de paz, que têm duração de uma semana”, avalia o juiz. 

Caminhos para o diálogo

Na luta por uma presença cada vez maior e mais efetiva de práticas restaurativas dentro das instituições de ensino, Fábio destaca o trabalho realizado junto a algumas escolas municipais do Estado, onde é desenvolvido um trabalho em círculos, visando prevenir conflitos e trazer os alunos para um espaço seguro de escuta e de fala, onde são os alunos que propõe as temáticas que serão discutidas em cada círculo. 

“Os adolescentes nos falam muito sobre não serem ouvidos. Lembro de um jovem de 16 anos que disse: ‘Ninguém escuta o cara!’. Ele estava falando de casa, dos pais, e também da escola. Nós vamos até as escolas para facilitar os diálogos. As escolas particulares, inclusive, estão se abrindo mais para essas propostas”, avalia. 

No encontro promovido pelo SINEPE/RS isso pode ser percebido. Orientar gestores e professores sobre as normas de convivência e o enfrentamento de possíveis problemas foi o centro da conversa. Novas propostas de acolhimento e de escuta para os estudantes tiveram destaque, conforme comenta o assessor jurídico da entidade, Jorge Lutz Müller.

“Sabidamente, não cabe à escola tentar ‘consertar’ um aluno que lhe pareça ‘fora da caixa’; antes o contrário: o desafio, hoje, é ampliar a ‘caixa’, para que nela caiba o respeito à ‘repaginação’ de alguns temas contemporâneos. A par disso, é preciso, também, cuidar para que o enaltecimento do direito individual não comprometa a densidade do direito coletivo dos demais alunos”, afirma.

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