Os segredos para uma formação continuada eficaz
Qualificação dos professores é fundamental para suprir lacunas e encarar desafios de educar no mundo contemporâneo
A sala de aula, frequentemente, é palco de um choque geracional. Professores que cresceram e foram formados em um mundo que já não existe, tendo de lidar com alunos hiperconectados, com novas demandas, desejos e formas de ver as coisas. Esse desafio exige que os docentes estejam sempre atualizados, seja em metodologias ou até mesmo na formação técnica – para trabalhar com ferramentas digitais. Dentro desse contexto, a formação continuada é um dos caminhos para que haja mais diálogo e compreensão entre alunos e professores.
Para a educadora Guiomar Namo de Mello, integrante dos conselhos municipal e estadual de Educação de São Paulo e membro da Academia Paulista de Educação, estamos em uma situação quase crítica, com licenciaturas se esvaziando, alto índice de evasão e aumento da oferta de cursos a distância sem controle da qualidade.
“Há décadas existe um grande descaso pela formação de professores. Sabemos que não tem outro caminho que não seja melhorar o trabalho que o professor faz na sala de aula, produzindo aprendizagem de qualidade. Mas depende de formação, ninguém nasce sabendo, precisa ter cursos, aprimorar a carreira”, alerta.
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Segundo ela, a formação de professores é o único caminho para a melhoria da qualidade da educação. Mesmo considerando que hoje existam vários recursos, como a inteligência artificial, que podem ser usados para aprimorar a experiência de ensino-aprendizado, nenhum deles dispensa a competência e a seriedade do professor. “O Brasil está precisando de uma tomada de consciência coletiva da sociedade e de um pacto pela melhoria da formação dos professores”, acredita.
Essas ferramentas precisam ser dominadas pelos professores, já que, como lembra Guiomar, no futuro, o ser humano não será substituído pela inteligência artificial, mas por outro humano que melhor domine essa tecnologia. Embora ainda não se saiba de todo o potencial – que mais parece infinito –, é consenso que vai sobreviver no mercado e entregar as melhores soluções aquele que tiver intimidade com as novas tecnologias.
Para ter eficácia, a formação não pode ficar restrita a encontros pontuais, com muitos professores reunidos em forma de seminário. O ideal, segundo a especialista, é que tenham duração mais longa, a partir de 30 horas. Ademais, precisa estar ligada à valorização da carreira, que deve ser atrativa e relacionada ao sistema de ensino aplicado na instituição.
“Tem de ser feito em cima da prática, com reflexão sobre ela. E ter mentoria, alguém mais experiente que olhe o percurso do professor, veja o que está fazendo, que conteúdos faltam a ele, que defina estratégias. As melhores estratégias são as de metodologias ativas, investigação na prática, o uso do coletivo de professores, para que a formação continuada não seja um percurso solitário”, defende Guiomar.
O educador inglês Andy Hargreaves vai no mesmo caminho. Para ele, é muito importante que o professor se sinta valorizado. Uma das formas de se fazer isso é relativamente simples: dar-lhe tempo. Tempo para planejar as aulas, para estar com os colegas, trocando experiências e colaborando com o processo coletivo.
Além disso, os gestores precisam saber e dar oportunidades para que existam diferentes tipos de carreira. “Você não precisa continuar ensinando na sala de aula aos 50 anos, se não quiser. Mas você também não precisa ser diretor de escola. Pode migrar para a formação de professores, escrever livros didáticos, desenvolver uma plataforma online ou fazer mentoria. Isso dá a sensação de que se está progredindo. Sentindo que está aprendendo, você nunca fica preso, nunca está realmente cansado”, argumenta Hargreaves, autor de diversos livros sobre como desenvolver o bem-estar nas escolas e criar ambientes criativos e propositivos.
Entre as medidas que os gestores podem tomar para que os docentes estejam sempre se desenvolvendo, aparecem também o incentivo para inovar e a liberdade para criar. Para isso, o ensino por projetos e investigação parecem ideais: os professores têm a oportunidade de criar aulas e atividades diferenciadas, instigantes para os alunos e para eles mesmos.
Com foco na valorização das pessoas, o reitor da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), Thomas Heimann, promove a formação continuada não apenas dos professores, mas também dos técnicos da universidade. O processo é constante e está baseado tanto em encontros coletivos, quanto na oportunidade para desenvolvimento individual, de acordo com o caminho que o profissional deseja trilhar.
“O coordenador é gestor de seus professores. Dentro dessa relação, quando estive nessa função, buscava realizar atividades que pudessem continuar formando, alertando, enquanto os próprios professores traziam o que estava na vanguarda. O processo começa nos núcleos docentes estruturantes, cada professor é protagonista para o aprimoramento do curso”, explica.
A reitoria, por sua vez, faz reuniões periódicas com os coordenadores para analisar o desenvolvimento das atividades. São promovidas palestras, seminários e encontros. Mas é ao final de cada período letivo que esses momentos se intensificam. O tempo é aproveitado para estudos, dentro do que está sendo observado no cenário educacional.
Professores que têm boas práticas reconhecidas são convidados a compartilhá-las com os colegas, em um trabalho de colaboração, com tempo, como sugerido por Andy Hargreaves. “A gente fala muito do protagonismo do estudante, mas junto com ele está o do professor. Procuramos valorizar o que eles fazem de bom. É muito bom ver colegas compartilhando essas práticas, coisas bastante interativas”, conta Heimann.
Nestes momentos, o professor se depara com o que geralmente solicita dos alunos – apresentações em público, definição de projetos e tomadas de decisões. O reitor da Ulbra conta que, quando eles se colocam na mesma posição, muitas vezes sentem até uma sensação de desconforto. “Queremos fazer com que o professor seja interativo. As metodologias ativas são fundamentais, não somos meros receptores de informação. E a formação docente precisa estar pautada nisso também”, argumenta.
“Os professores trouxeram elementos muito positivos, mas alguns se sentiram desconfortáveis. E é natural. Por mais que gere desconforto, é isso que precisamos fazer, colocar o professor no centro do processo, não como receptáculo, mas como construtor, para efetivar uma proposta pedagógica colaborativa, participativa, criativa, inovadora e eficaz”, reflete.
Mas já que o caminho também é individual e precisa atender às demandas de cada professor, dentro de seu curso, a Ulbra oportuniza que seus docentes frequentem os cursos de pós-graduação gratuitamente. Um dos assuntos que têm recebido atenção especial nos últimos anos é justamente um tópico que apareceu no começo desta matéria: a familiarização com ferramentas inovadores. O curso “Tecnologias Digitais Associadas à Educação” foi oferecido sem que os professores precisassem despender um centavo.
Para Guiomar, toda ação educacional precisa partir de um bom diagnóstico, mas isso também depende da participação dos professores, para que reflitam a respeito das próprias carências. Depois de fazer o diagnóstico, é fundamental definir as competências que se quer constituir em um curso e incuti-las naquele corpo docente. Assim, a duração da formação poderá ser melhor aproveitada. “O gestor tem de ter liderança, carisma, saber inspirar, engajar os professores, o que não está fácil. E, depois de engajar, tem que pensar na educação continuada”, conclui.
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