Ensino Remoto Emergencial: a oportunidade da escola criar, experimentar, inovar e se reinventar
Artigo aborda o novo momento vivido pelas instituições de ensino
É compreensível que no curso de uma pandemia as pessoas fiquem um pouco perdidas, desorientados e, assim como eu, assustado. O ser humano não gosta de imprevistos, é natural ao ser humano buscar a zona de conforto, o previsível, o estável.
[...] Em poucos dias o que era um surto de gripe na China atingiu todo o mundo. Uma pandemia com consequências inimagináveis em pleno século 21.
Mas o que mais me assusta é a forma como as escolas e universidades estão reagindo a este problema. É compreensível que não tivemos tempo para planejar uma solução educacional remota. Nunca pensamos na possibilidade dos nossos alunos e professores não poderem vir até às nossas salas de aulas. Mas chamar isso de educação a distância é um afronto à ciência da educação e às teorias educacionais.
Não estamos fazendo ensino ou educação à distância. Estamos praticando um Ensino Remoto Emergencial (ERE).
É ensino remoto porquê de fato professores e alunos estão impedidos por decreto do Ministério da Educação e Secretariais Estaduais de Educação de frequentarem escolas, evitando a disseminação do vírus, seguindo os planos de contingências orientados pelo Ministério da Saúde.
É emergencial porque do dia para noite o planejamento pedagógico, pensado, debatido e estudado para o ano letivo de 2020 teve que ser engavetado, e talvez ainda será jogado no lixo.
Em cenários de incerteza, todos são novatos…
O que está acontecendo é um planejamento pedagógico in real time (em tempo real). Nunca as escolas tiveram que experimentar tanto, e gestores e professores tomarem decisões tão rápidas. Nunca o TI foi tão estratégico para o negócio educação como está sendo agora.
Por quê? Pelo simples fato de o currículo da maioria das escolas não foi criado, e nunca foi sequer pensado, para ser aplicado remotamente. A maioria dos professores e funcionários nunca foi treinada para o ensino on-line ou através de ferramentas virtuais.
No máximo algumas escolas e IES ofereciam treinamentos e oficinas de aplicativos e ferramentas digitais numa tentativa de enriquecer as aulas presenciais, e mesmo assim com muita resistência dos professores. Eu sei porque trabalho diretamente com formação de professores a algum tempo. Sei do que estou falando…
É muito novo para boa parte do mundo e inédito para o Brasil, o fato de alunos e professores não poderem vir para a escola.
Então, temos que reconhecer que:
- Não estávamos preparados para isso. Ninguém estava.
- Nossos professores nunca foram treinados para ensinar on-line
- O Currículo não estava adaptado para um ensino on-line
- É uma experiência nova para todos (Gestores, professores, alunos e pais)
- O planejamento e entrega do ensino está sendo emergencial e em tempo real.
Frente a todos esses desafios, estamos TODOS fazendo o possível para que tudo funcione da melhor maneira possível. Fazendo o possível para que professores ensinem e alunos aprendam. Fazendo o possível para demonstrar o valor do serviço educacional para os pais, mesmo que remoto e emergencial, para justificar as mensalidades. Fazendo o possível para atender as normativas e resoluções dos Conselhos Estaduais de Educação e salvar o Ano Letivo de 2020.
De forma emergencial e com pouco tempo de planejamento e discussão (o que levaria meses em situação normal), professores e gestores escolares, público e privado, da educação básica a superior, tiveram que adaptar in real time (em tempo real) o currículo, atividades, conteúdos e aulas como um todo, que foram projetadas para uma experiência pessoal e presencial (mesmo que semipresencial), e transformá-las em um Ensino Remoto Emergencial totalmente experimental.
Fazendo um recorte desse processo, podemos afirmar que nunca a educação foi tão inovadora. Foi a transformação digital mais rápida que se tem notícia num setor inteiro e ao mesmo tempo. Escolas e IES tem aprendido a fazer gestão enxuta e experimentar o estilo Startup de conduzir o negócio, ou seja, o ciclo construir, testar, aprender, ajustar, construir, testar e aprender a cada aula, a cada dia, a cada semana. E seguirá assim enquanto esse lockdown (bloqueio) durar.
Este é um desafio imenso, um trabalho intenso, mas é a única opção.
É a única opção que temos para ensinar. A única opção que os alunos têm para aprender. A única opção que temos para justificar as mensalidades. A única opção que temos para salvar os empregos. A única opção que temos para não perder o ano letivo. A única opção que temos para salvar o negócio.
Por isso insisto no termo: Ensino Remoto Emergencial (ERE).
Ensino Remoto Emergencial como uma mudança temporária da entrega de instruções para um modo de entrega alternativo devido a circunstâncias de crise
Os autores Charles Holges et al. definem Ensino Remoto Emergencial como uma mudança temporária da entrega de instruções para um modo de entrega alternativo devido a circunstâncias de crise. Envolve o uso de soluções de ensino totalmente remotas para instrução ou educação que, de outra forma, seriam ministradas presencialmente ou como cursos combinados ou híbridos e que retornarão a esse formato assim que a crise ou emergência tiver diminuído.
É fundamental que fique muito claro a todos que o objetivo principal nessas circunstâncias não é recriar um ecossistema educacional robusto, mas fornecer acesso temporário a estratégias de ensino-aprendizagem de uma maneira que seja rápida de configurar e entregar de forma simples e confiável durante uma emergência ou crise.
O que me assusta é ver o movimento de gestores em busca de soluções robustas, completas e complexas de EaD, e empresas e fornecedores que aproveitam este momento de fraqueza do sistema para penetrar pelos flancos dos muros das escolas com plataformas, serviços, e soluções complexas demais para serem imediatamente e emergencialmente utilizada.
Gestores cuidado com os Cavalos de Tróia: A cartilha para tempos de crise é bem conhecida: faça o mínimo, preserve o caixa, foque na operação atual, faça o simples que funciona. E invista muito na comunicação com os alunos, pais e seus colaboradores. No fim do dia, eles são o negócio.
A mudança para o ERE exige que os professores assumam mais controle do processo de criação, desenvolvimento e implementação de cada aula. O professor agora é, de verdade, a cara da escola. Nunca teve um papel tão importante e estratégico.
Esses professores precisarão de apoio e ajuda para desenvolver habilidades para trabalhar e ensinar num ambiente online, enquanto ensinam e trabalham.
Cada aula será um experimento…
Todos são novatos. A cada dia vamos criar aulas, testá-las quase que imediatamente com os alunos, e aprender muito neste processo. Neste período, a aprendizagem do professor será intensa, aprenderá o que funciona e o que não funciona. O professor terá a oportunidade de ajustar o que não funcionou bem e intensificar o que parece ter funcionado, e já testar na próxima aula, para aprender ainda mais em cenário real de aula. Desafiador, mas estimulante.
Gestor não cometa o erro de querer padronizar…
Você, seu time e sua escola ou IES tem a oportunidade única de se tornarem uma instituição antifrágil, uma escola antifrágil, uma universidade antifrágil. E porque não sonhar num sistema educacional antifrágil.
Antifrágil é um termo cunhado pelo autor, economista e investidor Nassim Taleb que explica em seu livro de mesmo nome, que algumas coisas podem se beneficiar com caos. Eu acredito que a educação tem uma boa chance de melhorar como um todo, de verdade.
Mas para isso, permita que seus professores experimentem coisas novas. Novos métodos, novas tecnologias a cada aula. Imagine o número de experimentos didáticos e aprendizagem acumulada que sua escola vai realizar nas próximas semanas. Cada aula é uma unidade muito pequena diante de todo o currículo. Se algum experimento durante a aula, ou mesmo que em uma aula inteira não dê certo, não importa. Este pequeno momento não vai comprometer todo o programa de ensino. Por outro lado, o que se pode aprender nesses experimentos didáticos terá um valor inestimável para o professor, para a escola e IES como um todo.
Se algum experimento durante a aula, ou mesmo que em uma aula inteira não dê certo, não importa.
Portanto, como gestor, dê autonomia aos seus professores. Confie no feeling (sentimento) deles, eles sabem o que funciona e o que não funciona. Liberte-os das amarras do sistema de ensino, que os prende e os engessam. Permita que seus professores criem, inovem, aprendam, mesmo que errem de vez em quando — desde que o erro seja pequeno e rápido — incentive-os a compartilhar seus cases de sucesso, e talvez até o insucesso e o que deu errado, para outros evitarem cometer erros já conhecidos.
Fazendo isso o salto de qualidade, de maturidade do time e de inovação da sua escola ou IES será um legado desta crise.
Realmente acredito que o ensino remoto emergencial vai nos ensinar a ser a escolas que sempre sonhamos e nunca pensamos ser possível construí-la. Uma escola que experimenta, que aprende, que inova, que tenta o novo, e sempre busca o melhor para o ator mais importante deste processo e a razão da escola ou IES existir, o aluno e seu ganho de aprendizagem.
*Prof. Paulo Tomazinho
Doutor em Educação e especialista em aprendizagem e tecnologias educacionais. Ajuda escolas e IES a implementar metodologias ativas e a fazer a gestão da inovação.